A única boa notícia
dos últimos 174 anos
“O
chamado medo malthusiano é o receio de que estamos caminhando para um
colapso: Eu não estava enganado, era realmente a cara de Malthus na capa do Wall Street Journal. A primeira idéia que me veio à mente é que tinham descoberto a última gota de petróleo ou que a última tonelada de ferro havia sido extraída das minas de Carajás. A notícia não era tão ruim, mas quase. O jornal americano, um defensor do crescimento ilimitado dos mercados, está sofrendo de “medo malthusiano”. Minha surpresa foi que, em uma página e meia de argumentos malthusianos, a única descoberta que fizemos desde 1834, o ano em que Malthus morreu, nem sequer foi mencionada. Pois aqui vai a boa notícia dos últimos 174 anos. Thomas Malthus (1766-1834) foi o pensador que mais influenciou Darwin. Ele postulou que o instinto reprodutivo é incontrolável e acaba por provocar o colapso das populações. O conceito é fácil de entender. Se colocarmos uma única bactéria em um frasco fechado contendo nutrientes, a bactéria vai se dividir em duas, as duas vão dar quatro, as quatro, oito e assim por diante até que o alimento termine. Nesse momento, o ecossistema colapsa e bilhões de bactérias morrem de fome. O mesmo ocorre em um enorme pasto com algumas vacas. Elas vão comer o pasto, reproduzir-se e aumentar de número até comer a última folha de capim - aí morrem. Se colocarmos nesse pasto imaginário um felino que se alimente de vacas, ele também vai devorá-las e se multiplicar até grande parte da população morrer por falta de vacas. Malthus imaginou que o mesmo deveria ocorrer com os seres humanos. Ele acreditava que nossa população cresceria exponencialmente até esgotarmos os recursos naturais do planeta. Aí morreríamos todos (ou quase todos) de fome ou sede. De fato, isso já ocorreu na Ilha de Páscoa faz centenas de anos. Tudo indica que os seres humanos chegaram à ilha e exploraram suas florestas até à exaustão. Depois desapareceram. Sobraram os ossos e as imensas estátuas de pedra. O chamado medo malthusiano é o receio de que estamos caminhando para um colapso: a combinação do crescimento populacional com o aumento do consumo per capita pode exaurir os recursos naturais do planeta. Nos EUA existem 137 milhões de carros. Na China há 19 milhões, mas se os chineses passarem a ter o mesmo número de carros per capita que os americanos, só na China circularão 590 milhões de carros. O planeta Terra seria o frasco com alimentos ou o pasto, nós, os humanos, as bactérias ou as vacas. Todos fadados ao colapso. Fator educação O que Malthus não sabia e que o Wall St. Journal nem sequer menciona é uma observação feita em diversos países ao longo dos últimos cem anos. Nas populações humanas, à medida que aumenta a riqueza e o nível educacional, as taxas de fertilidade caem rapidamente. O Brasil é um bom exemplo: o número de filhos por casal, que era de seis por volta de 1940, agora se aproxima de dois. Quanto mais rica e educada uma população, menor o número de filhos por casal, um fato único no mundo animal. Enquanto em todos os seres vivos a abundância provoca um aumento da população, nas sociedades modernas ocorre o contrário. Isso sugere que um dos únicos fatores comprovadamente capazes de retardar, ou mesmo paralisar, nosso crescimento populacional é o enriquecimento e a educação. Essa é a única novidade nesse debate de 174 anos. A educação e o enriquecimento deveriam ser bandeiras dos ecologistas. Mas será que ainda existe tempo hábil?
* Fernando Reinach é biólogo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 3/4/2008.
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