O
triste fim de um centro de estudos
O
único centro universitário no exterior dedicado ao Brasil e destinado à
concessão de A Universidade de Oxford é considerada um dos grandes centros de produção de conhecimento no mundo. Fundada por agostinianos no século 12, sua atmosfera medieval e sua estrutura matricial congregam 36 colégios, 75 grandes bibliotecas, quase US$ 1 bilhão em receitas e um orçamento de pesquisa de quase US$ 400 milhões. É reconhecida por sua capacidade de fomento da interdisciplinaridade nas diversas áreas do saber e pela extensa cobertura geográfica de estudos locais, sendo uma das universidades mais internacionalizadas da Europa. Curiosamente, quando Oxford ainda era distante e inacessível, recebeu alguns brasileiros ilustres. Gilberto Freyre, por exemplo, passou parte do período de 1922-23 em Christ Church. Também Vinicius de Moraes lá esteve, dedicando até mesmo um soneto a Oxford, durante o ano acadêmico de 1938-39, como estudante no Magdalen College. Não é demais afirmar que, direta ou indiretamente, o pensamento de Oxford influenciou a nossa cultura e o nosso modo de pensar. Mas nem sequer a presença de brasileiros ilustres e de outros nem tanto demoveu a universidade de fechar - neste mês de setembro - o Centro de Estudos Brasileiros, único centro universitário no exterior dedicado ao Brasil e destinado à concessão de bolsas e a projetos de pesquisa, publicação de livros e artigos, bem como ao ensino e à realização de palestras e seminários sobre temas pertinentes ao nosso país, abrangendo assuntos econômicos, políticos, ecológicos, jurídicos, históricos, culturais e sociológicos. Com o fim de suas atividades, o prédio dará lugar ao Centro de Estudos Africanos, da mesma universidade. A lista dos acadêmicos e estudantes que passaram por lá é longa, inclui inúmeros pesquisadores que hoje despontam em suas áreas de atuação e que encontraram no centro o ambiente propício à produção intelectual. Por outro lado, pela falta de incentivos adequados, a figura acadêmica do brazilianista está desaparecendo. É cada vez mais raro atrair estudantes e acadêmicos estrangeiros com o intuito de formar uma nova geração de pensadores sobre o País. Compreender melhor o Brasil, por um ângulo menos emocional e com distanciamento, será cada vez mais difícil sem um locus físico e organizado. O fim do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford passaria despercebido no Brasil se não fossem dois fatos: o Brasil ainda é considerado um país emergente, parte dos países BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China); e nessa universidade existem estratégias definidas e fontes de financiamento para a China e a Índia, sendo a Rússia merecedora de uma cátedra e de um projeto de centro de estudos, que promete nascer com vigor. Além disso, no palco das relações internacionais, o governo Lula vem tentando, com muito esforço e talvez pouco sucesso, representar papel de destaque no concerto das nações que detêm maior poder mundial, inclusive investindo nas possibilidades de ocupar um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Por isso, fechar o único centro de estudos que representa o Brasil é uma decisão equivocada, que está na contramão da História recente. Infelizmente, a presença brasileira na União Européia ainda é tímida e nossa representação, modesta. Fora do círculo financeiro e do mercado internacional de capitais, o Brasil é desconhecido pelo cidadão europeu médio. O Centro de Estudos Brasileiros diminuía essa distância ao promover mais de 200 seminários sobre diversos temas nacionais, tendo acolhido quase cem pesquisadores brasileiros, que puderam aprofundar ou realizar pesquisas sobre suas áreas de competência. De cinema, arte, antropologia, política, direito e economia, muitos intelectuais contribuíram para que o Brasil não fosse considerado mais um país de subnutridos, e sim uma potência emergente. Tanto na oferta de bolsas de estudos a estudantes de pós-graduação quanto a brasileiros pós-doutorandos, o Centro de Estudos Brasileiros era único em sua natureza e mereceu o apoio decidido de órgãos como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Núcleo de brasileiros, o centro era um organismo universitário plural, apartidário e apolítico, que em dez anos de existência mostrou as várias facetas do Brasil moderno. Muito além de educar o estudante médio de Oxford, o centro, com suas atividades abertas e gratuitas, era um importante ímã de atração do europeu sobre o Brasil. É evidente que não se podem culpar apenas o governo brasileiro e as empresas públicas e privadas pela falta de apoio. Afinal, o centro, sendo uma espécie de departamento da universidade, depende dela, e a decisão de encerrá-lo coube à própria universidade, que alegou falta de fundos e a aposentadoria de seu diretor, o ilustre historiador Leslie Bethell, que o dirigiu desde sua criação, em 1997, e se empenhou para que o projeto continuasse vivo. Ao transferir seu acervo para o Centro de Estudos Latino-Americanos, que abriga os países das Américas do Sul e Central, a casa dos brasileiros no Reino Unido (e na Europa) se transformará num programa de pós-graduação e sua atividade acadêmica se resumirá a uma aula semanal. Por mais triste que seja, a decisão apenas reflete o apreço que se tem por nosso país, fora do futebol. As idéias debatidas ali e o conhecimento produzido farão parte da memória de poucos e privilegiados.
Ninguém achará que
faça falta ou que o fim deste centro de estudos deva ser lamentado.
Estaremos, com isso, contribuindo para perpetuar nossa auto-imagem de país
periférico, que um dia, talvez, será o país de um futuro que tarda a chegar.
* Jairo Saddi é advogado, doutor em Direito pela USP, diretor do Centro de Estudos de Direito do Ibmec-SP, foi pesquisador sênior do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford no período de 2006-2007.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/9/2007.
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