Quando o negócio é torturar a língua

 

"Sinergia", "mudança de paradigma", "ação estratégica": segundo um trio de consultores americanos, esse jargão corporativo serve apenas para exprimir a mais pura ... idiotice
 

Se duas empresas pertencentes a um mesmo grupo resolvem trabalhar em colaboração para vender melhor seus produtos, esse será apenas um fato trivial no mundo dos negócios. Uma palavra, porém, pode fazer toda a diferença. No lugar de "colaboração", diga "sinergia". As portas do mercado global parecem se abrir. Daí em diante, o céu é o limite: o empresário pode "ajustar seus processos para potencializar um clima organizacional que propicie o ciclo sinergístico". Isso não quer dizer rigorosamente nada – mas impressiona. Tal estilo pernóstico e vazio permeia grande parte da cultura corporativa. Bobagens palavrosas garantem a boa vida de muito guru empresarial, do tipo que adora fazer palestras com PowerPoint – programa do Windows para apresentações de texto e imagem. Os consultores americanos Brian Fugere, Chelsea Hardaway e Jon Warshawsky cansaram de tanta besteira. Um livro escrito pelos três pretende pôr fim à embromação e restituir a clareza aos ambientes de negócios. Na busca por uma linguagem transparente, não poderiam ter encontrado um título melhor: "Por que as Pessoas de Negócios Falam como Idiotas". (tradução de Alice Xavier; Best Seller; 192 páginas; 24,90 reais).


Ilustrações Orlando

Os autores identificam um mecanismo de compensação psicológica no gosto dos executivos por esse palavreado que recheia reuniões e reuniões: ele confere uma aura de importância e inovação às realizações mais comezinhas. A empresa passou a trabalhar com um software mais avançado? Será mais emocionante afirmar que houve uma "mudança de paradigma tecnológico". O recurso à linguagem empolada, porém, nem sempre é tão inocente. Com freqüência, a verborragia está lá para encobrir a negligência, a incompetência e até a fraude. Um exemplo expressivo é a seguinte frase perfeitamente vazia de sentido: "Temos redes robustas de ativos estratégicos dos quais detemos a propriedade ou o acesso contratual, o que nos dá mais flexibilidade e velocidade para, de modo confiável, fornecer soluções logísticas abrangentes". Essa pérola faz parte do relatório anual de 2000 da empresa americana Enron. No ano seguinte, a companhia declarou falência depois que se descobriu que sua contabilidade era toda falsificada. Não por acaso, a tendência à linguagem estupefaciente é maior entre as empresas desonestas. Isso é demonstrável na análise das cartas aos acionistas que acompanham os relatórios anuais de grandes corporações. Os autores de Por que as Pessoas de Negócios... pontuaram esses textos com o índice Flesch, criado nos anos 40 pelo educador de origem austríaca Rudolf Flesch, que indica a clareza da linguagem em inglês. Quanto mais elevada a nota na escala, maior a clareza. Empresas admiradas como o Google, a General Electric e a Amazon pontuaram acima de 40. A Enron ficou com apenas 18.

Maus resultados financeiros, demissões, produtos que falham – a embromação tenta obscurecer qualquer fato desagradável. Veja por exemplo um memorando de Edgar Bronfman Jr., presidente da Warner Music: "Estamos anunciando hoje uma série de passos necessários à reestruturação e cruciais para o futuro do Warner Music Group. (...) É da máxima importância fazermos, tão logo possível, as mudanças necessárias para que o WMG possa continuar a progredir com redobrada força e confiança, como uma organização mais competitiva, ágil e eficiente". O objetivo de todo esse papo-furado era anunciar um corte de 20% do pessoal. Medidas drásticas como essa são muitas vezes necessárias, especialmente em indústrias em crise. Mas encobri-las com eufemismos como "reestruturação" ou "reengenharia" insulta os demitidos.

Talvez o maior vilão de Por que as Pessoas de Negócios Falam como Idiotas seja um programa de computador: o já citado PowerPoint. Muito usado em palestras corporativas, ele é a versão informatizada dos obsoletos projetores de slides e transparências. Com seus modelos padronizados e as facilidades que oferece para o desenho de diagramas e organogramas, tornou-se também o veículo ideal para os clichês empresariais. Em 2003, uma equipe de técnicos da Nasa, a agência espacial americana, fez uma apresentação em PowerPoint sobre defeitos estruturais no ônibus espacial Columbia. A exposição alertava para a possibilidade de que pedaços do revestimento dos tanques de combustível se desprendessem e atingissem a nave, causando danos graves. Só que a informação estava perdida no meio de uma tela do PowerPoint, entre outras tantas frases irrelevantes e expressões vazias como "dano significativo" ("significativo" compete com "estratégico" pelo lugar de adjetivo mais vago do jargão corporativo). Uma semana depois, o Columbia explodiu ao reentrar na atmosfera terrestre, matando os sete tripulantes. A causa do acidente: pedaços do revestimento que se soltaram. O jargão obscuro, como se vê, não tortura apenas a língua. Pode também fazer vítimas fatais.

 


Trecho do livro "Por que as Pessoas de Negócios Falam como Idiotas",
de Brian Fugere, Chelsea Hardaway e Jon Warshawsky. 

A linguagem dos negócios

Vamos encarar os fatos: atualmente, os negócios estão sendo sufocados pela conversa fiada. Tenta-se impressionar (ou confundir) os investidores com cartas empoladas aos acionistas. Os clientes estão sendo punidos com material impresso de caráter inconveniente, exagerado e presunçoso acerca dos produtos. Enviamos aos empregados gigantescos relatórios de progresso que lançam menos de 2W de luz sobre as grandes questões ou a verdade nua e crua.

O típico empregado colarinho-branco vai para o escritório todo dia de manhã, abre as mensagens eletrônicas, ouve os recados do correio de voz e comparece a reuniões só para se afogar em jargão empresarial exagerado:

Após extensiva análise dos fatores econômicos e das tendências com que se defronta nossa indústria, chegamos à conclusão de que uma reestruturação é essencial para manter a posição competitiva. Foi designada uma força-tarefa para rever as questões e oportunidades, e seus integrantes apresentarão informes com um plano de trabalho para implementar as mudanças críticas para a missão, necessárias para transformar nossa empresa numa iniciativa mais ágil e focalizada no cliente.

No entanto, ele não se deixa enganar pela mensagem, porque essas comunicações orquestradas são exatamente o contrário das conversas espontâneas de que participa em qualquer outro lugar. Fora do trabalho, ele tem conversas em tom fundamen talmente diverso: um diálogo humano, colorido e cheio de histórias. Informal, espontâneo, caloroso, engraçado e real. Aí ele entra na Internet e o diálogo natural e sem censura continua nas salas de bate-papo, nas message boards, nos blogs e nos torpedos. Até sua vida virtual é mais real que a vida do escritório. Há uma grande distância entre essas conversas reais e autênticas e a voz artificial dos executivos e gerentes de empresas em todos os níveis. Num mundo que implora por mais humanidade, é isso justamente o que falta às mensagens deles. Entre reuniões, memorandos e gerentes, perdemos de vista a arte de conversar. A embromação se tornou a linguagem dos negócios.

Mas, a maioria dos profissionais de negócios anda cambaleando nas brumas. Ele copia, cola e envia comunicações vazias de significado e insípidas, que se convertem em alvo de piadas no momento em que deixam sua caixa de correio. Ou, pior ainda: elas são ignoradas. Repletas de jargão, dizem muito pouco e, o que é mais importante, são descabidas, arrogantes e condescendentes. Fato que todos sabem, menos o sujeito que aperta o botão Enviar.

Persuasão

Acabamos imunes a essas mensagens vazias e genéricas. A conseqüência é que ninguém realmente escuta mais.

Chega de tabelas e gráficos intermináveis; chega de declarações de missão padronizadas; chega de linguagem pré-digerida. Qual é o argumento irresistível? Por que eu deveria dar ouvidos a ele? Será que alguém se preocupa com o que me preocupa? Será que eles entendem? Será que algum dia a verdade vai aparecer na minha caixa de entrada? É melhor não criar expectativa.

Isto é perturbador, pois, quase todas as vezes em que precisamos enviar mensagens de caráter profissional, é com o intuito de convencer alguém a pensar ou fazer alguma coisa. Persuadimos alguém a nos contratar. Em seguida, nós o persuadimos a aprovar nossos orçamentos, patrocinar nossos projetos ou comprar o que estamos vendendo. Se tivermos sorte, também poderemos persuadir as pessoas a realizarem as tarefas que lhes são encomendadas, e persuadir outros a nos promover.

Quando todo mundo se desliga, a persuasão não ocorre.

A persuasão é extremamente importante: um estudo realizado em 1995 por Donald McCloskey concluiu que 25% do Produto Interno Bruto estão ligados à persuasão.*

Portanto, eis o que é necessário saber: você tem uma grande oportunidade de se tornar mais persuasivo. De ser aquela única voz humana contagiante – a única autêntica e original que faz as pessoas terem vontade de escutar. Num mundo de idiotas empresariais incapazes de fazer as pessoas se envolverem, esta é uma oportunidade de ouro.

Como podemos confiar tanto em você, a quem só conhecemos algumas páginas atrás? Bem, não podemos. Na hora de escrever ou fazer apresentações, você talvez seja o próprio símbolo da mediocridade. Ou então passe seu texto pelo corretor gramatical do Word e pense: "Isto é demais, um presente e tanto – devo aceitar todas as sugestões!"

Mas estamos apostando que você é como nós.

Estamos apostando que você quer ser ouvido.

* Donald McCloskey e Arjo Klamer, American Economic Review, maio de 1995, v. 85, nº 2.

A evolução natural da embromação

Então, como a situação chegou a este ponto?

Há muitas razões, e todas elas garantem que ninguém faça nenhuma promessa concreta nem produza qualquer significa do real. A maré do que é politicamente correto nos deixou de tal modo atolados, que os idiotas de negócios não podem falar francamente de coisa alguma. O medo de ações legais ou até mesmo de assumir responsabilidades tomou conta de nossos dias, e cada documento é redigido pelos advogados de modo a ser um texto que nada promete e, deliberadamente, não diz coisa alguma. Também existem as escolas, os consultores e os gurus de negócios, e todos ganham a vida pondo velhos conceitos em novas embalagens, como se fossem algo "novo".

Para não falar na tecnologia, que tornou por demais conveniente automatizar aquela parte dos negócios que nunca deveria ser terceirizada: a nossa voz. Seja pela utilização do jargão alheio, do padrão generalizante ou mesmo do redator de discursos, um número excessivo de profissionais de negócios entrega, gratuita e impensadamente, a ficha mais valiosa que possui no jogo da influência. A tentação está em toda parte. Agora temos a opção de desligar nossa personalidade daquilo que dizemos e escrevemos.

Um exterminador de besteiras próprio

Encontrar o próprio caminho no oceano da comunicação empresarial é como dirigir numa rodovia do interior: tem armadilha para todo lado. O que precisamos é ter nosso próprio exterminador de besteiras. Para quem deseja se conectar com o público, as armadilhas são como um mapa para começar a ser ouvido: quem souber onde estão poderá evitá-las. No nível fundamental, elas estão ligadas à obscuridade, ao anonimato, à venda agressiva e ao tédio.

A armadilha da obscuridade

"Este é exatamente o tipo de liderança ideológica sinergética, centrada no cliente, motivada pela venda agressiva, redutora de turbulência, não-confinada, customizável, estrategicamente tática, melhor da categoria, uniformemente integrada e multidirecional, que ajudará nossos clientes a encontrarem o verdadeiro norte. Vamos hasteá-la como uma bandeira e localizar os pontos reativos." Na comunicação empresarial, estas palavras são calorias sem nutrientes. E, infelizmente, são a norma. Na armadilha da obscuridade caem os idiotas que estão desesperados para dizer coisas que parecem inteligentes ou provar seus objetivos, e ela os atrai com destruidores da mensagem como o jargão, o palavrório, as siglas e as evasivas. Quem consegue escapar o faz graças à linguagem simples e à honestidade.

A armadilha do anonimato

O mundo dos negócios adora clones – são fáceis de contratar, fáceis de administrar, fáceis de treinar, fáceis de substituir, e quase todos ficam extremamente felizes em agradar. Estamos terceirizando nossa voz quando usamos padrões, redatores de discursos e correio eletrônico, e cedemos diante de convenções que sequer constituem normas. O que os idiotas de negócios esqueceram é que a personalidade de uma pessoa é aquilo que a fez conquistar amigos, namorar, arranjar um sócio e, provavelmente, até arrumar emprego. Talvez leve tempo para alguém criar uma mensagem original, para fazer os outros sorrirem ou parar de gerir sua vida no escritório por meio da caixa de entrada do correio eletrônico, mas, se quiser escapar da armadilha do anonimato, é por aí que você precisa começar.

A armadilha da venda agressiva

Legiões de profissionais dos negócios caem na armadilha da venda agressiva. Fazemos promessas exageradas, acentuamos o lado positivo e fingimos que o negativo não existe – não por termos experiência profissional em alguma revendedora de carros usados, mas porque somos humanos e gostamos de ser otimistas. O resultado é que exageramos nas técnicas agressivas. Elas podem funcionar para quem vende aparelhos de exercícios abdominais na televisão, de madrugada, e espera aliciar um punhado de almas distraídas, solitárias ou embriagadas. Mas são bastante equivocadas na hora de persuadir empresários (sóbrios) a nos darem ouvidos. Afinal de contas, as pessoas detestam que lhes vendam algo, embora adorem comprar. Com acesso a toneladas de informação e à comunicação instantânea, o público de hoje questiona tudo. Ele conhece o marketing agressivo e – já que a confiabilidade nas empresas atingiu o nível mais baixo de todos os tempos – até o menor vestígio de venda agressiva bota o público para correr.

A armadilha do tédio

Todo mundo que trabalha com você pensa em sexo, conta histórias, encanta-se com detalhes surpreendentes da vida e julga os outros pela aparência e pelo modo de agir. Vivemos para que nos divirtam. Todos aprendemos isso nas aulas de psicologia, menos os idiotas de negócios, que devem ter perdido o período letivo. Eles mandam tatuar no meio da testa seus extensos títulos de executivos, despejam números préfabricados em cima do público e, praticamente, conseguem nos fazer desejar não ter nada a ver com eles. A morte causada pela generalização substitui os detalhes espontâneos, pessoais e irresistíveis. Mas, se você tem um bom conhecimento funcional de como contar histórias, conversar, procriar e divertir, então poderá escapar da armadilha do tédio.

Sua grande oportunidade

Os grandes líderes dos negócios levam a vida sem cair nas quatro armadilhas. Linguagem honesta; a pura verdade; paixão pelo que fazem e presença no escritório cinco, seis ou sete dias por semana – costumamos reconhecer essas pessoas e adoramos ouvir histórias a seu respeito. Jack Welch, Warren Buffett e Jeff Bezos: essas pessoas encontraram um jeito de transformar em marca registrada de sua empresa o hábito de falar sério, e cada um deles consegue lotar um auditório quando deseja. Sim, é claro que outros CEOs conhecem essas manhas e também fazem pronunciamentos. Mas, no mundo dos negócios, Richard Branson, o presidente da Virgin, equivale a um astro do rock.

Jeff Bezos transformou a Amazon.com de uma vacilante empresa virtual emergente num negócio viável, e levou muita marretada da mídia descrente. Mas, durante aqueles anos difíceis, cada vez que ouvíamos falar dele, era como de um garoto que tivesse acabado de abrir uma montanha de presentes na manhã de Natal. Durante os anos de recuperação da empresa, as notícias dos lucros baixos estavam em toda parte, e Bezos confirmava cada uma delas. Sem jargão, sem desculpas, sem embromação. Só com muito fervor e muita personalidade profissionais.

Carreiras inteiras podem ser construídas com base no hábito de falar objetivamente – justamente porque ele é bastante raro.

Falar de modo objetivo vai muito além das regras da gramática ou de expressões da moda. Exige honestidade, humanidade e confiança da parte de quem faz negócios. Qualquer um pode montar uma apresentação que descreva "as sinergias extensíveis derivadas do reposicionamento das metas dos ativos intelectuais". Dá mais trabalho expressar a idéia (não, não sabemos qual é ela) em linguagem comum.

Não estamos recomendando que você retome as aulas de retórica da faculdade. E não fique com a impressão de que este livro foi escrito por um bando de fanáticos da gramática, emboscados para espancá-lo por usar uma vez o gerúndio (a não ser que você seja adepto do gerundismo, é claro). Este livro fala da necessidade de sermos nós mesmos, de reivindicar nossa voz e permitir que um pouco de personalidade, de calor e de humor entre em nossa vida profissional.

Os dividendos, quando isso ocorre, são enormes, principalmente porque bem poucos estão tentando. As mensagens ao nosso redor são tão ruins que você vai se espantar ao ver como consegue ir tão longe por falar com fraqueza, usar bom humor e contar histórias.

Além disso, levar sua verdadeira voz para o trabalho é algo muito mais gratificante. Talvez possamos poupar certo esforço ao recorrer a modelos padronizados, mergulhar em mensagens eletrônicas e agarrar-nos o tempo todo a uma rotina sufocante, mas não é isso que nos deixa felizes fora do trabalho. E é missão de um tolo, ou seja, de um idiota, achar que isso vai nos levar ao nirvana no cubículo.

No mercado, há uma tonelada de livros medíocres sobre péssima redação comercial. Entretanto, não há livros medíocres que vão além da correção gramatical para lançar alguma luz sobre como e por que se tornou tão monótona a voz dos negócios. Isso está prestes a mudar.

Este é seu toque de despertar. A personalidade, a humanidade e a franqueza estão sendo sugadas dos locais de trabalho. Deixe os palermas mandarem mensagens ocas. As suas vão estabelecer a conexão de fato.
 

 

Fonte: Rev. Veja, Jerônimo Teixeira, ed. 2017, 18/7/07.

 

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