A terra não agüenta
A
humanidade já consome mais recursos naturais do que o planeta é capaz de
repor.
A exploração dos recursos naturais da Terra permite à humanidade atingir patamares de conforto cada vez maiores. Diante da abundância de riquezas proporcionada pela natureza, sempre se aproveitou como se o dote fosse inesgotável. Essa visão foi reformulada. Hoje se sabe que a maioria dos recursos naturais dos quais o homem depende para manter seu padrão de vida pode desaparecer num prazo relativamente curto – e que é urgente evitar o desperdício. Um relatório publicado na semana passada pela ONG World Wildlife Fund dá a dimensão de como a exploração dos recursos da Terra saiu do controle e das conseqüências que isso pode ter no futuro. O estudo mostra que o atual padrão de consumo de recursos naturais pela humanidade supera em 30% a capacidade do planeta de recuperá-los. Ou seja, a natureza não mais dá conta de repor tudo o que o bicho-homem tira dela. A conta da ONG foi feita da seguinte forma. Primeiro, estimou-se a quantidade de terra, água e ar necessária para produzir os bens e serviços utilizados pelas populações e para absorver o lixo que elas geram durante um ano. A seguir, esses valores foram transformados em hectares e o resultado dividido pelo número de habitantes do planeta. Chegou-se à conclusão de que cada habitante usa 2,7 hectares do planeta por ano. Nesta conta, o brasileiro utiliza 2,4 hectares. De acordo com a análise, para usar os recursos sem provocar danos irreversíveis à natureza, seria preciso que cada habitante utilizasse, no máximo, 2,1 hectares. Se o homem continuar a explorar a natureza sem dar tempo para que ela se restabeleça, em 2030 serão necessários recursos equivalentes a dois planetas Terra para atender ao padrão de consumo. Essa perspectiva, conclui o relatório, é uma ameaça à prosperidade futura da humanidade, com impacto no preço dos alimentos e da energia. Nos últimos 45 anos, a demanda pelos recursos naturais do planeta dobrou. Esse aumento se deve, principalmente, à elevação do padrão de vida das nações ricas e emergentes e ao crescimento demográfico dos países pobres. A população africana triplicou nas últimas quatro décadas. O crescimento econômico dos países em desenvolvimento, como a China e a Índia, vem aumentando em ritmo frenético a necessidade de matérias-primas para as indústrias. China e Estados Unidos, juntos, consomem quase metade das riquezas naturais da Terra. O impacto ambiental da China se explica pela demanda de sua imensa população e, nos Estados Unidos, pelo elevado nível de consumo. Nas contas da World Wildlife Fund, enquanto o chinês usa 2,1 hectares do planeta, o americano chega a utilizar 9,4 hectares. Se todos os habitantes do planeta tivessem o mesmo padrão de vida dos americanos, seriam necessárias quatro Terras e meia para suprir suas necessidades. A exploração abusiva do planeta já tem conseqüências visíveis. A cada ano, uma área de floresta equivalente a duas vezes o território da Holanda desaparece. Metade dos rios do mundo está contaminada por esgoto, agrotóxicos e lixo industrial. A degradação e a pesca predatória ameaçam reduzir em 90% a oferta de peixes utilizados para a alimentação. As emissões de CO2 cresceram em ritmo geométrico nas últimas décadas, provocando o aumento da temperatura do globo. Evitar uma catástrofe planetária é possível. O grande desafio é conciliar o desenvolvimento dos países com a preservação dos recursos naturais. Para isso, segundo os especialistas, são necessárias soluções tecnológicas e políticas. "Os governos precisam criar medidas que assegurem a adoção de hábitos sustentáveis, em vez de apenas esperar que as pessoas o façam voluntariamente", disse a VEJA o antropólogo americano Richard Walker, especialista em desenvolvimento sustentável da Universidade Indiana, nos Estados Unidos. O engenheiro agrônomo uruguaio Juan Izquierdo, do Programa das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, propõe que se concedam incentivos e subsídios a agricultores que produzam de forma sustentável. Diz ele: "Hoje, a produtividade de uma lavoura é calculada com base nos quilos de alimento produzidos por hectare. No futuro, deverá ser baseada na capacidade de economizar recursos escassos, como a água". Como mostra o relatório da World Wildlife Fund, é preciso evitar a todo custo que se usem mais recursos do que a natureza é capaz de repor.
Fonte: Rev. Veja, Roberta de Abreu Lima e Vanessa Vieira, ed. 2085, 5/11/08.
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