Sensação de que o tempo passa mais rápido
pode afetar a saúde
(...)
Você
também acha que o Natal está chegando cada vez mais depressa? "Essa idéia de
que tudo está passando muito rápido é porque nós estamos um pouco acelerados
com essa quantidade absurda e louca de informações que recebemos todos os
dias. Aí, o tempo não dá mesmo", diz o compositor, que, em 1969, já
anunciava o sintoma em "Sinal Fechado", época em que não havia internet nem
celular.
O exagero de ansiedade pode se transformar em transtorno, segundo a
psicóloga Maria Alice Pimenta, professora da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). "A noção de tempo tem muito a ver com a questão da
memória que você guarda e as expectativas do futuro. Isso é que dá uma noção
de tempo. Já passaram tantas coisas e ainda tenho outras a fazer. Quanto
mais a gente vai envelhecendo, aumenta essa sensação de que o tempo está
veloz. Na verdade, o nosso parâmetro é que a riqueza de informação do
passado é maior, por isso a expectativa vai diminuindo", afirma a psicóloga.
Para o psiquiatra Luiz Alberto Hetem, 42, diretor da Associação Brasileira
de Psiquiatria (ABP), essa percepção acelerada do tempo é um reflexo, não a
causa da ansiedade. "Mas isso funciona como um ciclo vicioso. Ao achar que o
tempo está indo mais rápido, a pessoa fica ainda mais ansiosa", diz o
médico.
Em 2001, foram consumidas 33,7 bilhões de doses de ansiolíticos −
tranqüilizantes mais utilizados para combater a ansiedade − no mundo, de
acordo com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. O
dado assusta, se considerada a população mundial no período, de 6,135
bilhões de pessoas.
Segundo o psiquiatra Flávio Kapczinski, 41, da UFRGS, os ansiolíticos
obedecem a lei dos cuidados inversos. "Isso quer dizer que as pessoas que
menos usam são as que mais precisam do remédio. E quem mais usa, não
precisa", afirma o médico, alertando que o uso abusivo pode causar
dependência.
A cidade não pára
"A medicina começou a se preocupar com os quadros ansiosos em 1850. Isso
coincide com a taxa de urbanização de cidades da Europa", afirma Kapczinski.
De acordo com o psiquiatra, a vida urbana traz componentes como a
competitividade exacerbada e uma maneira diferente de lidar com as horas. "A
premência do tempo e os 'deadlines' geram um fator adicional do estresse. E
a melhora da qualificação das pessoas não tem acompanhado a oferta de
emprego, o que gera mais tensão e ansiedade."
Diretora-fundadora do Centro Psicológico de Controle do Estresse e do
Laboratório de Estudos Psicofisiológicos do Estresse da PUC-Campinas, a
psicóloga Marilda Emmanuel Novaes Lipp afirma que a chamada síndrome da
pressa pode atingir cerca de 20% da população da cidade de São Paulo, dos
quais 75% podem desenvolver a doença.
"Ter pressa hoje em dia é normal, mas as pessoas que sofrem dessa doença
estão muito apressadas mesmo quando não há necessidade", afirma a psicóloga.
Segundo ela, os pacientes não admitem "perder tempo" com coisas simples como
descansar, ir a uma festa, conversar com amigos e observar a natureza.
A síndrome pode causar problemas cardiovasculares, gástricos e
dermatológicos, além de prejudicar profundamente as relações interpessoais.
De acordo com a terapeuta, 75% das pessoas que sofrem um enfarte têm a
doença da pressa. "É preciso curtir o 'chegar lá' e não só o produto final.
A vida bem sucedida é inacabada", afirma a terapeuta.
Desaceleração
Foi o que fez o publicitário Sérgio Lima, 60. Há quatro anos, ele abandonou
o ritmo frenético das agências e foi para uma chácara na Serra da Cantareira
(região norte de São Paulo), onde abriu o restaurante de "Quinta da Canta" e
faz alguns serviços de consultoria longe do corre-corre do centro. "Essa
desaceleração não acontece da noite para o dia. Ainda sou uma pessoa muito
agitada, mas agora estou dormindo muito mais cedo e acordando mais cedo. Saí
daquela coisa de ver TV até tarde sem tirar nenhum proveito", afirma Lima,
que acorda hoje ao som de um galo. "Sempre tive essa preocupação de estar
mais voltado para o mato. Não queria que meus filhos achassem que uma
galinha é um caldo", comenta.
O publicitário resolveu seguir em seu "bistrô campestre" algumas diretrizes
do movimento gastronômico e comportamental do "slow food", movimento criado
em 1989 na cidade italiana de Bra pelo jornalista Carlo Petrini (www.slowfood.com),
que ganhou adeptos em todo o mundo e até um desdobramento: o "slow cities",
um grupo de cidades européias comprometidas com políticas de preservação do
meio ambiente, com a produção de alimentos orgânicos e regionais e com a
qualidade de vida dos cidadãos, entre outras coisas.
É claro que nem todos têm o privilégio de deixar o trabalho e "fugir" para o
campo, mas é preciso aproveitar as oportunidades de relaxar, nem que somente
aos finais de semana.
Segundo ele, os clientes aproveitam para colocar a conversa em dia e acabam
passando a tarde toda em seu restaurante. "Na chácara, o tempo passa de uma
forma diferente. Você não percebe ele tão rápido. Sei que o dia está caindo
porque os passarinhos estão cantando e os sapos começam a coaxar. Não fico
olhando no relógio", afirma.
O teólogo e escritor Leonardo Boff, 66, acredita que a única maneira de
combater a pressa é por meio de outro paradigma cultural, "que dá mais
importância ao ser que ao ter" e "que integre ser humano e natureza".
"Dentro do atual paradigma caracterizado pela velocidade e pela eficiência,
só é possível tendo atitudes anticulturais: conscientemente desligar-se dos
ritmos impostos, reduzir o uso da TV, do rádio e dos celulares, vivendo uma
vida voluntariamente mais simples e centrada mais no que é necessário",
afirma o teólogo.
Essa mentalidade materialista também é abordada como um dos grandes fatores
para o desperdício do tempo no livro "Tempo de Viver" (ed. Unisinos, 2002),
do neurocientista Ivan Izquierdo, do Centro da Memória da UFRGS. Segundo o
pesquisador, vivemos numa "sociedade anestésica". "Perseguindo nossos bens
materiais, acabamos nos distraindo do nosso mundo pessoal, onde habitam
sentimentos, amores, nossas preferências e imaginação", afirma.
O livro apresenta um paradoxo: na época em que o homem vive mais tempo, o
tempo parece faltar sempre. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), a expectativa de vida do brasileiro cresceu 8,8
anos nos últimos 23 anos, passando para 71,3 anos em 2003. A questão é como
viver esse período a mais conquistado pelos avanços da medicina e da
tecnologia?
Negação
Para Izquierdo, disciplina e saber "dizer não" são imprescindíveis. "Quantas
vezes não assumimos compromissos que sabemos que não podemos cumprir? Uma
agenda organizada é fundamental", afirma.
Diante da eterna falta de tempo para a leitura alegada pelo brasileiro, o
escritor pernambucano Marcelino Freire criou a coleção "Cinco Minutinhos"
(ed. eraOdito, 2002), que reúne dez autores, em prosa e poesia, cada um
assinando um livro de "30 segundos", com distribuição gratuita. Dentro da
coleção, o autor assina o volume "30 Microcontos para Ler no Intervalo da
Novela". "É uma provocação em cima do tempo. Se não dá para largar a novela,
leia um soneto no intervalo", diz Freire, que recomenda leituras em fila de
ônibus, no metrô, no salão do cabeleireiro e na sala de espera do
consultório do dentista.
Freire também organizou o livro "Os Cem Menores Contos Brasileiros do
Século", em que desafiou escritores como Lygia Fagundes Telles, Moacyr
Scliar e Manoel de Barros a criarem contos de até 50 letras.
"Há sim tempo para leitura e há tempo para perceber que há lacunas no
tempo", afirma o pernambucano.
(...)
Íntegra:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u3845.shtml>
Fonte: Folha de S. Paulo, 9/12/04. |