'Tapa-buraco' na
educação
A falta de dinheiro é só um dos aspectos do problema. Outro está no açodamento do governo. Como vem ocorrendo no setor rodoviário com a Operação Tapa-Buraco, o governo passou a usar o setor educacional para fazer demagogia eleitoral. Justificada em nome da "democratização do ensino superior", sua última iniciativa é a promessa de criar 125 mil vagas nas Universidades federais, em quatro anos, mediante a abertura de 10 novas instituições e a construção de 41 novos campi pelas instituições existentes. Embora tenha acabado de enfrentar uma greve de 112 dias, durante a qual afirmou não ter recursos para atender à reivindicação salarial dos professores, o Ministério da Educação (MEC) anunciou que a construção dos prédios começará até o final do ano. A falta de dinheiro é só um dos aspectos do problema. Outro está no açodamento do governo. A pressa é tanta que o Ministério da Educação ainda não sabe ao certo o número de professores que seu ambicioso plano de expansão do ensino superior vai exigir. Se hoje não há recursos humanos suficientes para atender às necessidades das universidades existentes, que estão operando com um déficit de 20% em seu corpo docente, conforme lembra Margarida Salomão, diretora do Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), como o governo pretende cumprir sua promessa? "Não somos contrários à expansão, mas ela precisa vir com garantia de qualidade", afirma o vice-presidente da entidade, Paulo Rizzo. É justamente esse o nó da questão: a falta de competência das autoridades educacionais para assegurar um mínimo de qualidade num setor estratégico para o desenvolvimento social e econômico do país. O governo que está prometendo dobrar o número de vagas das universidades federais é o mesmo que anunciou no ano passado uma não menos ambiciosa reforma universitária. Ruim e demagógico, o projeto teve de ser reescrito três vezes e, mesmo assim, até hoje não foi encaminhado ao Congresso. A inépcia das autoridades educacionais põe em risco até mesmo a única iniciativa do governo elogiada pela própria oposição, no campo do ensino. Trata-se do ProUni, o programa que oferece bolsas de estudos em universidades particulares a estudantes de baixa renda. Na última seleção das universidades que ofereceram vagas financiadas por esse programa, o Ministério da Educação incluiu 87 cursos reprovados no Provão e no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Não faz o menor sentido as autoridades educacionais avaliarem o ensino superior e, em vez de fechar os cursos de má qualidade, conceder bolsas de estudos para que eles sejam freqüentados por alunos pobres, justamente os que mais precisam de sólida formação acadêmica, para se emancipar socialmente. O mais grave é que o mesmo equívoco também foi cometido no âmbito do Financiamento Estudantil (Fies), o programa de crédito educativo do Ministério da Educação que subsidia parte das mensalidades de alunos em faculdades privadas. Operado pela Caixa Econômica Federal, o Fies só é pago pelos universitários após a formatura, com juros subsidiados. Enquanto eles estudam, a Caixa repassa às instituições de ensino títulos da dívida pública que servem para o pagamento de dívidas previdenciárias. Segundo o jornal O Globo, 531 universitários autorizados a tomar dinheiro emprestado na mais recente seleção do Fies estão matriculados em 74 cursos reprovados nas últimas três edições do Provão, o que contraria expressamente a Portaria nº 3.220, baixada pelo próprio MEC em setembro de 2005, para evitar abusos. Noticiada a grave irregularidade, o MEC divulgou que os contratos foram liberados por "erro operacional" e prometeu tomar providências, anunciando a possibilidade de transferir os 531 estudantes para cursos com avaliação positiva. Trata-se de mais um equívoco, pois erro administrativo não gera direito e contratos firmados irregularmente são nulos, como lembra o secretário-geral da OAB, Cezar Britto.
Se, após três anos de
gestão, o atual governo não consegue cuidar com um mínimo de eficiência do
setor educacional, como interpretar a promessa, feita no seu último ano de
mandato, de dobrar o número de vagas das universidades federais e de criar
mais dez instituições do gênero, a não ser como uma operação tapa-buraco na
educação? Fonte: O Estado de S. Paulo, Editorial, 23/1/06. |