Governo
não paga juros da dívida com o superávit primário
Pra que serve o
superávit primário? A mídia diz que o superávit é “a economia que o governo
faz para pagar os juros da dívida”. Na realidade, isso está longe da
realidade. Em 2004, por exemplo, 77,1% do superávit não foram utilizados
para o pagamento de juros ou encargos da dívida pública. É uma cifra
impressionante: mais de R$ 40 bilhões. Perto disso, o esquema de Marcos
Valério parece coisa de ladrão de galinha.
A tabela abaixo mostra que apenas uma parcela do superávit primário é usada
para pagar os juros da dívida pública. É uma prática antiga, que vem desde
FHC. Em 2002, último ano de Fernando Henrique, 53,1% do superávit feito pelo
governo federal não foi utilizado com a dívida. Com Lula, o quadro piorou
sensivelmente. Já no seu primeiro ano, este porcentual saltou para 70,7%.
Isso representou mais de R$ 27 bilhões de recursos que ficaram esterilizados
no Banco Central.
Exercício |
Utilização do
Superávitdo governo federal
Tributos e Outros Recursos Fiscais |
Superávit,
exceto estatais |
Recursos
do superávit
OCIOSOS |
% Superávit
NÃO utilizado
com a dívida |
Juros e
encargos |
Amortizações |
Soma |
1999 |
4.748,8 |
2.496,4 |
7.245,2 |
25.053,7 |
17.808,5 |
71,1 |
2000 |
0,5 |
8.865,9 |
8.866,4 |
21.821,0 |
12.954,6 |
59,4 |
2001 |
1.378,8 |
15.454,8 |
16.833,6 |
21.979,8 |
5.146,1 |
23,4 |
2002 |
3.373,5 |
11.590,2 |
14.963,7 |
31.919,0 |
16.955,3 |
53,1 |
2003 |
331,0 |
11.018,4 |
11.349,4 |
38.744,0 |
27.394,6 |
70,7 |
2004 |
2.972,0 |
9.011,4 |
11.983,4 |
52.385,2 |
40.401,8 |
77,1 |
SOMA |
12.804,6 |
58.437,1 |
71.241,7 |
191.902,7 |
120.660,9 |
62,9 |
Fonte: SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo
Federal)
Elaboração: Gabinete do Deputado Federal Sérgio Miranda (PCdoB-MG)
Pouca gente sabe disso.
Os números provocam espanto mesmo entre os que têm alguma noção da ciranda
que cerca a dívida pública. Como explicar que o o dinheiro do superávit –
fruto do imposto arrecadado de toda a população – fique esterilizado no BC?
Por que o governo economiza tanto e paga somente uma parcela dos juros?
Para matar esta charada, é preciso, primeiro, entender a lógica dos
credores. Estes não querem dinheiro na sua mão e sim mais títulos públicos,
porque só os títulos rendem juros. Tão logo são creditados nos juros, os
credores da dívida tratam de reaplicá-los em mais títulos públicos. A
ciranda funciona assim: o Tesouro credita ao Banco Central o dinheiro do
superávit, e o BC credita mais títulos públicos aos detentores dos juros.
Sim, mas qual a lógica do governo para esterilizar a maior parte do
superávit no BC? O Executivo argumenta que esses recursos constituem o
“colchão de liquidez”. Com ele, diminuiria a vulnerabilidade do Tesouro
diante do mercado. Sem o tal colchão, diz o governo, o Tesouro teria de se
sujeitar a taxas mais altas para poder rolar a dívida.
Essa argumentação só faria algum sentido se, de fato, o governo decidisse
traçar uma política consistente para redução dos juros. Como isso não
acontece, o colchão de liquidez baseado no superávit serve apenas para
enxugar dinheiro do mercado. Sem nenhum benefício para a sociedade.
O que tem isso a ver com a crise atual? Bem, os fundos de pensão são os
maiores investidores em títulos públicos. A CPMI dos Correios já manifestou
seu interesse em investigar as operações dos fundos com títulos pós-fixados.
Suspeita-se que reside aí todo o sistema que alimenta a máquina de corrupção
operada por Marcos Valério. A estrutura viciada funcionaria, pelo menos,
desde o início do processo de privatização.
Ao que tudo indica, superávit primário e corrupção são duas faces da mesma
moeda!
O TCU, lentamente, também começa a se debruçar sobre o assunto. Há um
processo, ainda não apreciado de forma terminativa pelo Tribunal, sobre o
desvio de recursos da CIDE para o superávit. É provável que o posicionamento
do TCU sobre a matéria seja estendido, em outros processos, às outras
fontes que compõem o superávit primário.
Fonte:
Jefferson Guedes
Oliveira, jornalista &
Andes-SN, 09/08/2005. |