STF vai impor regras a greves de servidores

 

Sete dos 11 ministros são favoráveis à aplicação da lei do setor privado nas paralisações
de servidores, até que haja normas específicas

O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá impor regras ao direito de greve no setor público. Esse é o entendimento da maioria — sete dos 11 ministros — da Corte Suprema. Eles votaram a favor da aplicação das mesmas regras da iniciativa privada, prevista pela Lei 7.783/89, para as paralisações dos servidores, enquanto o Congresso Nacional não aprova uma lei específica sobre o assunto. O julgamento, porém, não foi concluído, porque o ministro Joaquim Barbosa pediu vista. Hoje, o direito de greve do servidor público é reconhecido pela Constituição de 1988, mas não está regulamentado.  

Os ministros do STF criticaram duramente a “omissão” e a demora do Legislativo em definir regras e limites às paralisações do funcionalismo. Segundo o vice-presidente do STF, Gilmar Mendes, esse vácuo estimula situações de “selvageria”. “A não-regulação do direito de greve acabou por propiciar um quadro de selvageria com sérias conseqüências ao estado direito”, disse. Durante o julgamento, Mendes chegou a citar como emblemático o episódio envolvendo os controladores de vôo.

 

Foto: Marcelo Ferreira/CB
STF analisa direito de greve: sessão interrompida por pedido de vista.

Na sessão de ontem, o que estava em jogo eram ações movidas por sindicatos de servidores públicos do Espírito Santo e do Pará. Os funcionários contestavam a demora dos parlamentares em editar uma lei que delimite o direito de greve e exigiam do STF que fossem criadas regras provisórias. “O julgamento do STF vai chamar a atenção do Congresso Nacional para uma responsabilidade que é do legislador. Houve, nesses anos todos, uma omissão injustificável”, reforçou Grijalbo Coutinho, ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).  

O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que centrais sindicais, entre elas a Central Única dos Trabalhadores (CUT), enviaram um memorial contra a aplicação da lei referente à iniciativa privada para o funcionalismo público. Segundo ele, a preocupação das entidades é que antes de iniciar uma greve os trabalhadores do setor privado têm de esgotar todas chances de negociação. Já no setor público, argumentaram, não existe tal possibilidade. Entidades ligadas aos servidores concordam.  

Lewandowski foi o único ministro a discordar sobre a aplicação das regras do setor privado para o público. Para ele, não é possível equiparar os serviços prestados por ambos setores. “Parece inquestionável que uma greve de professores do ensino fundamental, por exemplo, não deve ter o mesmo tratamento dispensado a uma greve de controladores de vôo ou de profissionais da saúde pública. Cada uma dessas paralisações requer regulamentação que atenda às suas especificidades e, ao mesmo tempo, resguarde os interesses da coletividade”, afirmou.  

Para Carlos Henrique Bezerra Leite, procurador regional do Ministério Público do Trabalho no Espírito Santo e especialista no tema, a lei aplicada ao setor privado, apesar de específica, poderia valer também para o funcionalismo. “A finalidade dela é proteger a população. Na ausência de uma lei própria para o setor público a 7.783/89 cabe muito bem, porque ela não veda o exercício da greve. É melhor isso do que nada”, explicou.  

Os ministros do STF ainda não concluíram quais serão os dispositivos da Lei 7.783 que poderão ser aplicados e ainda vão decidir o que é serviço essencial ou não. Caso seja realmente confirmada essa tendência, o servidor público será obrigado, por exemplo, a assegurar que serviços essenciais não sejam interrompidos. Nas últimas semanas, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e o próprio presidente Lula manifestaram publicamente a disposição de restringir greves no setor público. O governo prepara o envio, até maio, de um projeto de regulamentação do direito de greve para o funcionalismo federal, estadual e municipal. Na avaliação do ministro Cezar Peluso, “todo serviço público é essencial”. Além disso, o tribunal deve concluir se os servidores deverão receber salário durante a paralisação. Restam apenas três ministros do STF para votar. Não há previsão de quando o julgamento será retomado.

 

A Lei 7.783 já é parâmetro 

Sempre que provocados a mediar conflitos entre servidores e governo, o Ministério Público e o Judiciário costumam adotar como referência pelo menos parte da lei de greve que rege os trabalhadores da iniciativa privada. Especialmente em paralisações muito longas, há uma preocupação dos árbitros em preservar direitos (da população e dos sindicatos), garantir espaço adequado para a negociação e coibir abusos.  

As greves realizadas pelos funcionários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva são um exemplo recente da utilização prática da Lei 7.783/89 no setor público. Contestados inúmeras vezes pelo governo, os protestos tiveram de se adequar a regras básicas como: acesso do cidadão aos serviços públicos emergenciais, manutenção de um efetivo mínimo de servidores em atividade e compensação das horas paradas. O mesmo ocorreu em greves na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e em hospitais federais.  

A lei utilizada no setor privado considera legítimo o exercício do direito de greve. Descreve ainda como e sob que bases patrão e empregado devem se relacionar. Em caso de descumprimento das normas, há punições como o corte de salário do trabalhador. A legislação reserva ainda artigos específicos sobre as chamadas necessidades inadiáveis — aquelas que colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.  

O texto classifica como essenciais serviços de transporte público, assistência médico-hospitalar, tratamento de água e esgoto e controle de tráfego aéreo e, na tentativa de evitar transtornos ao cidadão, os sindicatos são obrigados a informar com antecedência quando e de que forma as paralisações acontecerão.

 

Fonte: Correio Braziliense, Fernanda Guzzo, Luciano Pires, 13/4/2007.

 

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