Síndrome de Robin Hood


 

"Para posar de líder regional, o Brasil contraria seus interesses estratégicos em matéria de política internacional. Charles de Gaulle tinha razão. Este não é um país sério"


Você já viu a Suécia se esforçando para se apresentar como líder dos países nórdicos? Ou a Suíça suplicando para que alguém a aponte como a maior força regional dos Alpes? Não, você nunca viu bobagens assim em países sérios. Por acaso você já flagrou o Canadá forjando alianças com árabes ou sul-americanos para enfrentar com mais força seu parceiro Estados Unidos? Não, isso você também não viu. Já no que se refere ao Brasil, é só o que se vê. O Brasil faz qualquer coisa para parecer o que não é. Quer desesperadamente ser notado como o grande condutor político e comercial dos países emergentes, a começar pelos vizinhos sul-americanos. A última encenação feita pela diplomacia brasileira com o objetivo de mostrar os músculos de Pindorama ao resto do mundo terminou em fiasco, como sempre acontece com iniciativas sustentadas apenas em idéias de grandeza, destituídas de qualquer recheio de realidade.

A Cúpula América do Sul­Países Árabes, realizada na semana passada em Brasília, acabou sendo usada pelos árabes como trampolim para demonstrarem, mais uma vez, sua aversão a Israel e aos Estados Unidos. O Brasil assinou embaixo. A Argentina, como sempre, aproveitou a oportunidade para dar mais um pontapé no traseiro do governo brasileiro. E o Brasil, obsequioso, disse que estava tudo bem. O presidente argentino, Néstor Kirchner, abandonou a reunião um dia antes do encerramento, dizendo que o sentido político do encontro estava esgotado. Isso depois de exibir com acinte uma cara de enfado, durante todos os discursos que teve de ouvir. É o preço que o Brasil paga por bajular a Argentina com o objetivo de dar a impressão de que a carrega debaixo do braço no cenário internacional.

Como se sabe desde o início do governo Lula, pela repetição da mesma fanfarronice em todos os discursos dirigidos a platéias internacionais, o Brasil está disposto a tomar a si a tarefa de "mudar a geopolítica do mundo". Em outra versão, o Brasil vai reformar a "geografia comercial do planeta". Isso, trocado na moeda das intenções reais porém inconfessáveis, significa que o governo brasileiro quer se aliar aos fracos e oprimidos para enfrentar os grandes deste mundo. É a síndrome de Robin Hood, doença infantil do governo petista.

Se a intenção da Cúpula América do Sul­Países Árabes era provocar as nações ricas, o Brasil alcançou plenamente seu intento. Os americanos foram verbalmente surrados em decorrência da guerra no Iraque e do apoio ao governo israelense. Os árabes, que não praticam a democracia e aceitam os métodos terroristas de grupos palestinos na luta contra Israel, conseguiram, de novo, a assinatura dos sul-americanos no documento final da cúpula que traz esse conceito implícito – ou seja, o terrorismo é aceitável em casos de povos que lutam contra invasores. A Inglaterra, já atacada pela invasão do Iraque, levou um cutucão extra. Para agradar ao presidente Néstor Kirchner, o documento final da cúpula condena a Grã-Bretanha pela posse (há 200 anos) das Ilhas Malvinas, que ficam perto da Argentina. Conclusão: para posar de líder regional, o Brasil contraria seus interesses estratégicos em matéria de política internacional. Charles de Gaulle tinha razão. Este não é um país sério.

 

Fonte: Revista Veja, Tales Alvarenga, Edição 1905, 18/05/2005.


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