Sinal verde para energia nuclear
O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou ontem a retomada da construção da usina nuclear Angra 3, suspensa há 21 anos, que deverá entrar em funcionamento em 2013. Ela terá capacidade semelhante à de Angra 2, com potência de 1.350 megawatts (MW). Foram nove votos a favor: a única posição contrária foi a do Ministério do Meio Ambiente, que defendia uma discussão mais ampla da energia nuclear pela sociedade. Serão necessários investimentos de cerca de R$ 7,2 bilhões para concluir o empreendimento. — Hoje, devido a todos os condicionantes, Angra 3 é a alternativa de menor custo e melhores condições, inclusive ambientais. Não tem emissão de gás carbônico, cabe muito num momento em que o mundo inteiro está discutindo a questão da mudança climática — disse o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner. Para retomar a obra, é necessário um decreto regulamentando a comercialização da energia produzida por Angra 3 pela Eletronuclear. O decreto também trará alguns parâmetros para estabelecer a tarifa. Os estudos anteriores, que indicavam tarifa de R$ 140 por MW/hora, terão de ser atualizados. Hubner não quis fazer projeções: — Se, por um lado, aumentaram os custos dos equipamentos no mercado externo, por outro, as condições da economia do país melhoraram muito — afirmou, apostando em tarifas favoráveis. Hubner não deixou claro se haverá nova licitação para as obras civis da usina. Ele admitiu que os contratos existentes poderão ser aproveitados se forem considerados vantajosos. Marina não chegou a tempo da reunião. Segundo Hubner, o licenciamento de Angra 3 já está bastante adiantado. O local já tem licença, disse, porque é o mesmo onde funcionam as outras duas usinas. Também já houve um trabalho de recuperação ambiental da área. Foram realizadas na semana passada, pelo Ibama, três audiências públicas sobre a construção da usina: em Angra dos Reis, no dia 19; em Paraty, dia 20; e em Rio Claro, dia 21. — A aprovação de Angra 3 considerou as necessidades de energia do país e o custo dessa fonte térmica. O país já gasta muito dinheiro só na conservação dos equipamentos imobilizados — disse o ministro. Com relação ao urânio, matéria-prima da energia nuclear, Hubner disse que o país tem reservas suficientes para 500 anos de funcionamento das três usinas, e domina todo o ciclo de processamento, não havendo necessidade de importação do produto ou da tecnologia. Hoje, segundo ele, isso não é feito no país porque não é economicamente vantajoso. O CNPE discutiu também a questão dos rejeitos das usinas. Segundo Hubner, a proposta é colocá-los em depósitos intermediários. Atualmente, o lixo de Angra 1 e Angra 2 é depositado em uma espécie de piscina na área das próprias usinas. A Associação Brasileira das Indústrias de Base (Abdib) considerou positiva a retomada de Angra 3. A entidade estima que a obra significará mais de R$ 3 bilhões em encomendas de bens e serviços. O presidente da Abdib, Paulo Godoy, afirmou em nota que “a retomada das obras é fundamental para garantir mais segurança energética à matriz brasileira”. A votação do CNPE marcou mais uma vez a posição contrária da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. A ministra, que se encontrava no Rio, em um evento da Câmara Americana de Comércio, não teve tempo de participar da reunião do conselho. Mas mandou como representante seu secretário-executivo, João Paulo Capobianco. Marina afirmou à Agência Brasil que o alto investimento não deve ser destinado a uma fonte energética se não se sabe o que fazer com os resíduos que esta produz. Para ela, é melhor investir em fontes que não tragam o “risco da energia nuclear”. O ecologista e secretário-executivo do Instituto Sócio-ambiental da Baía da Ilha Grande (Isabi), Ivan Marcelo Neves, é contra Angra 3. Ele afirmou que o Brasil tem fontes alternativas de energia em abundância, como hidrelétrica, solar e eólica. Segundo Neves, se os R$ 7,2 bilhões previstos para construir a usina fossem aplicados em programas de eficiência energética, seria possível, em pouco tempo, ampliar a oferta de energia em cerca de 50 mil MW, praticamente a metade da atual capacidade instalada no país. O ecologista destacou que somente as perdas técnicas de energia no sistema brasileiro chegam a 20%, enquanto a média mundial é de 6%. Segundo ele, isso mostra que o sistema tem equipamentos obsoletos. Já o professor titular do Programa de Energia Nuclear da Coppe/UFRJ Aquilino Senra afirmou que construir Angra 3 não é apenas fundamental para atender ao mercado de energia para 2012, como para não desperdiçar o que foi investido até agora. Senra lembra que, somente para desenvolver o enriquecimento do urânio, foi gasto cerca de US$ 1 bilhão, e que as reservas brasileiras de urânio estão entre as seis maiores do mundo. Em comparação a outros países, o Brasil tem um setor nuclear modesto. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, a França tem 59 usinas nucleares, que geraram 78,1% da energia doméstica. Os EUA têm 103 reatores em uso, responsáveis por 19,4% da energia do país. Na China, que tem 11 reatores e está construindo mais quatro, essa proporção é de 1,9%. Na Argentina, é de 6,9%. Fonte: O Globo, 26/6/2007. Investimentos na Usina vão atingir quase R$ 8 bilhões
Especialistas calculam que, antes mesmo de a obra começar, governo terá de
Batido o martelo sobre a conclusão de Angra 3, o governo terá de deslanchar investimentos da ordem de R$ 600 milhões, além dos R$ 7,2 bilhões previstos para a usina, no sistema de produção do combustível nuclear e no reaparelhamento da Nuclep, estatal responsável pelos equipamentos pesados para a central. A conta, ainda não fechada, faz parte de um trabalho em elaboração pelo setor para driblar os gargalos que surgirão com a expansão do parque nuclear brasileiro. “Já temos um balanço das dificuldades e propusemos um conjunto de ações para serem tomadas até 2010”, informa o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), Odair Dias Gonçalves. Em um primeiro momento, o governo precisa desenvolver o ciclo de produção de energia nuclear, cuja tecnologia já existe no País, mas ainda não é usada em escala industrial. O projeto inicial prevê investimentos de pelo menos R$ 500 milhões para tornar a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) apta a enriquecer um volume de urânio suficiente para abastecer 60% das necessidades das usinas de Angra 1 e 2 até 2010. A produção de combustível nuclear é composta por cinco etapas. O Brasil não domina apenas duas: o enriquecimento de urânio e a conversão do minério em gás. Há tecnologia para as duas, mas a escala de consumo com duas usinas não animava o governo a investir nos equipamentos. Com a perspectiva de uma terceira usina, a situação mudou. Segundo o presidente da INB, Alfredo Tranjan, os investimentos devem ser iniciados ainda neste ano, em pequena escala, já que não estavam previstos no orçamento. A origem dos recursos, aliás, ainda é uma incógnita, admite Gonçalves, da Cnen. O governo estudava exportar urânio para financiar o projeto, mas ainda não há definição. Tranjan diz que, após 2010, a INB passará a gerar caixa suficiente para aportar recursos na próxima etapa: atingir escala para abastecer as três usinas. A etapa de conversão do minério para gás só deve começar a receber recursos a partir de 2012. Tranjan diz que não é preciso antecipar essa etapa, pois é a parte mais barata do processo. Em outra frente, o governo terá de reaparelhar a Nuclep, criada para construir os equipamentos pesados do primeiro programa nuclear. A empresa passou anos desativada e hoje opera na construção de cascos para plataformas da Petrobras. “Nuclear é opção de desespero”, diz José Goldemberg
Para
professor da USP e ex-secretário de Meio Ambiente de SP, energia nuclear é
viável O professor da USP e ex-secretário de Meio Ambiente de SP, José Goldemberg, é ferrenho opositor da energia nuclear. “E olha que eu sou do ramo”, diz o físico nuclear por formação. “Energia nuclear é opção de desespero. A Alemanha vai desativar seu parque nuclear até 2020. Estão trocando pela matriz eólica, mais limpa e barata.” Para Goldemberg, a energia nuclear é viável em países de territórios menores, sem abundância de recursos naturais. “O Brasil tem outras opções. Podemos explorar o potencial imenso da biomassa da cana, por exemplo.” Segundo ele, o aproveitamento da cana para produzir energia é uma opção cada vez mais viável. “ Brinco que, se houver apagão no Brasil, não vai haver em São Paulo, por causa da cana.” Angra 3: Falta de mão-de-obra é obstáculo, dizem analistas
Presidente da Eletronuclear quer que governo lance programa de qualificação
de O governo deve lançar um programa de qualificação de mão-de-obra para a usina nuclear de Angra dos Reis. A proposta é do presidente da Eletronuclear, Othon Pinheiro, e tem como objetivo resolver um dos principais gargalos à expansão do parque nuclear brasileiro, na opinião de especialistas do setor. “Se não começarmos a treinar pessoas no ano que vem, não vai ter gente para operar Angra 3”, diz o coordenador do programa de engenharia nuclear da Coppe/UFRJ, Aquilino Senra. Ele estima que serão necessários 150 engenheiros, que precisam de cinco anos de preparação. Em palestra na semana passada, Pinheiro afirmou que há tempo hábil para a qualificação dos profissionais, uma vez que as obras da usina devem durar seis anos. Estima-se que, entre todos os profissionais, a operação de Angra 3 gere 600 empregos. O executivo afirmou que vai procurar instituições de ensino para negociar o desenvolvimento de cursos. A necessidade de formação tende a aumentar à medida que o governo se decidir pela construção de novas usinas no país, conforme prevê o Plano Nacional de Energia 2030, da Empresa de Planejamento Energético. A Eletronuclear já estuda a construção de duas novas centrais, com capacidade para até seis usinas cada. O desenvolvimento do setor vai demandar cérebros não apenas para a operação, mas para pesquisa e desenvolvimento, ressalta o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), Odair Gonçalves. “Formar gente para a operação é fácil. O problema maior é produzir massa crítica para o desenvolvimento do setor.” Gonçalves lembra que a idade média dos empregados no setor nuclear brasileiro é de 52 anos e, por isso, há grande contingente de profissionais se aposentando a cada ano. A Cnen vai propor ao MCT a criação de cursos de especialização no setor em parceria com órgãos estatais de fomento à pesquisa, como Finep e CNPq. Angra 3 põe Brasil em nova onda de expansão de usinas nucleares
Estudo do Instituto de Engenharia mostra que existem 30 unidades em
construção A decisão do governo de retomar o projeto de construção de Angra 3 põe o Brasil na nova onda de expansão de usinas nucleares desencadeada no mundo. Estudo recente do Instituto de Engenharia (IE) de São Paulo mostra que hoje existem 30 unidades em construção, 74 planejadas e 182 propostas, que representam 255 mil megawatts elétricos (MWe). “Durante algum tempo houve uma demonização da energia nuclear, mas é uma opção a outras fontes mais poluentes”, afirma o diretor do IE, Miracyr Marcato, responsável pelo trabalho “A quem vamos recorrer quando faltar energia?”, perguntou ele. Marcato se refere ao movimento antinuclear que levou ao abandono da opção pela energia nuclear na Itália, na Alemanha e em outros países industrializados. Mas, destaca ele, esses países continuam dependentes da energia nuclear. “A Itália, por exemplo, deixou de expandir seu parque, mas importa energia da Suíça e da França, onde a produção é nuclear.” Segundo o levantamento do instituto, os países com maior número de usinas em construção são os emergentes com taxas elevadas de crescimento. A Índia tem seis usinas de 2.976 MWe, a Rússia, cinco de 2.720 MWe, e a China, quatro de 3.170 MWe. Juntos esses países têm 35 unidades planejadas para construção. Segundo informações recentes, para diversificar as fontes energéticas e reduzir o gasto de carvão e petróleo, a China pretende atingir uma capacidade nuclear de 40 mil MWe. Para tanto, teria de construir dois reatores de mil megawatts por ano nos próximos 15 anos. No Brasil, além de Angra 3, há propostas de outras quatro unidades, diz Marcato. Na avaliação dele, a energia nuclear vai contribuir para dar maior confiabilidade ao sistema elétrico nacional, cuja produção é predominantemente hídrica e tem grande dependência das chuvas. Além disso, Angra 3 vai dar algum fôlego ao governo, que não tem conseguido contornar com agilidade as questões ambientais na construção de grandes hidrelétricas, como o Complexo do Rio Madeira e Belo Monte. Marcato lembra ainda que a nova geração de hidrelétricas não tem capacidade de armazenamento de água, como as usinas antigas de grandes reservatórios. Essa tem sido uma saída para amenizar os impactos ambientais causados pelas inundações de florestas. “A outra alternativa é o gás, mas não temos oferta abundante para a produção de energia elétrica”, diz ele. O diretor destaca no estudo que, para garantir um crescimento da economia de 4% ao ano, o país precisará duplicar a oferta de energia per capita até 2020. A capacidade terá de aumentar em 13 mil MW até 2010, 27 mil MW entre 2010 e 2015 e 65 mil MW entre 2015 e 2030. Isso significa cerca de 5 mil MW/ano de forma continuada a partir deste ano, destaca o estudo, que será apresentado quinta-feira em evento do IE, em São Paulo. Números 30 usinas estão em construção hoje em todo o mundo, sobretudo nos países emergentes com altas taxas de crescimento econômico 74 usinas estão sendo planejadas para serem construídas 255mil MW é o quanto de capacidade produtiva de energia será adicionada quando todas estiverem prontas. Opiniões
Angra 3: Marina Silva nem foi à reunião do CNPE Ministra já sabia que perderia a votação, que terminou em 8 a 1 A decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de aprovar a construção da Usina Nuclear de Angra 3 estava prevista desde a segunda quinzena de abril. Foi quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu a informação de que o Ibama não concederia as licenças prévias para a construção de duas hidrelétricas no Rio Madeira até 31 de maio. Mesmo assim, de acordo com um auxiliar do presidente, a decisão de Lula, comunicada a pouquíssimos ministros, aguardou um pouco para ser tornada pública. Ele optara por esperar mais um pouco, na esperança de que o Ibama concedesse as licenças para as Hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio. Como esperou em vão, na segunda quinzena de maio Lula comunicou que tiraria Angra 3 da gaveta. O presidente decidiu, na mesma época, que marcaria uma reunião do CNPE. Como havia problemas na agenda, Lula a marcou para um mês depois, mas não pôde participar. Da parte da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a certeza de que a decisão de retomar as obras de Angra 3 era tão grande que ela resolveu nem participar. Alegou que tinha encontro no Rio de Janeiro com representante da Câmara de Comércio Brasil/Estados Unidos e mandou seu secretário-executivo, João Paulo Capobianco, representá-la. Capobianco foi o único a dar o voto contrário, na goleada de 8 a 1. Marina limitou-se a dizer ontem, no Rio, que a posição de seu ministério é contrária à construção de usinas nucleares por entender que o Brasil tem condição de optar por outras fontes de energia mais baratas e menos perigosas. Mas Marina não moveu uma palha para tentar reverter o voto dos conselheiros. Tudo o que antecedeu a reunião do CNPE apontou para o desejo do governo de retomar a construção de usinas nucleares, tanto que a previsão é de que Angra 3 entre em operação por volta de 2012. Mas o Brasil necessita de energia já em 2009. Portanto, mais que a correria atrás de fontes de energia a qualquer custo, a decisão de construir Angra 3 indica uma política de governo. No início, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, resistiu à idéia de construir Angra 3, não por questões ambientais, mas por motivos econômicos. Ela dizia que a energia nuclear é muito cara. Mas, diante da necessidade do Brasil de ampliar urgentemente a matriz energética, cedeu. Até porque fontes alternativas de energia levantadas por Marina, como a solar e a eólica, estão com preços iguais ou superiores ao da energia nuclear. O trabalhos de revisão do programa nuclear ficaram prontos em junho de 2006, na véspera do início da campanha eleitoral.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 26/6/2007.
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