Severino e Jobim trombam com opinião pública
Kennedy Alencar*
A
opinião pública deu uma bela surra nos presidentes da Câmara, Severino
Cavalcanti (PP-PE), e do STF (Supremo Tribunal Federal), Nelson Jobim.
Por incompreensão ou astúcia (talvez os dois), alguns políticos chamam a
opinião pública de "opinião publicada", reduzindo a primeira ao poder de
pressão exercido pela mídia em assuntos rumorosos.
A opinião pública, que muitas vezes se materializa em "opinião publicada",
entrou em campo ontem, quarta-feira (02/03), e marcou um gol. O presidente
do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), revelou-se sensível a ela e pulou fora
de uma vergonhosa tentativa de aumentar o salário dos deputados por meio de
uma brecha jurídica soprada aos ouvidos de Severino por Jobim.
Se desse certo, seria criado o clima para que um projeto que aumenta o
salário dos magistrados viesse a ser aprovado por alegres deputados
assessorados pelo presidente do STF. O efeito dominó sobre as finanças de
Estados e municípios seria desastre financeiro.
Ouvindo a voz das ruas e as manchetes dos jornais, Renan estragou a festa
dos dois, negando-se a endossar manobra de tapetão da dupla Severino-Jobim.
A chicana
Eleito, o presidente da Câmara disse que cumpriria sua primeira e mais
importante promessa: reajustar o salário dos deputados. Queria um aumento de
67%, elevando a remuneração mensal para R$ 21.500. Na própria Câmara, a
lucidez não deu chance à intenção de Severino. A maioria dos deputados se
recusou a apoiar a votação em plenário da proposta.
Jobim, que luta para aprovar um projeto que fixa o teto do funcionalismo
público federal em R$ 21.500, ouviu de Severino que um reajuste para os
magistrados dependeria do mesmo presente aos deputados. O presidente do STF
sugeriu que um ato administrativo, assinado pelas Mesas da Câmara e do
Senado, sem necessidade de votação em plenário, poderia elevar o salário dos
594 congressistas (513 deputados federais e 81 senadores) de R$ 12.847 para
R$ 19.115--R$ 2.385 a menos do que os sonhados R$ 21.500.
No STF, a maior remuneração é de R$ 19.915. Logo, haveria brecha legal para
a equalização por atos das Mesas do Senado e da Câmara.
Renan consultou os líderes partidários do Senado. Pressionados pela opinião
pública, todos se recusaram a apoiar o aumento. Resultado: Severino, que
está indo com sede demais ao pote, sofreu a primeira derrota.
Jobim, um homem de respeitável biografia que atuou como assessor de deputado
louco por aumento, saiu arranhado. Líderes partidários da Câmara que se
reuniram com Severino e Jobim avaliaram que não pega bem para um presidente
de poder, como o chefe do STF, dar conselhos a respeito de como aumentar
salário de deputado sem necessidade de voto em plenário.
O país, entretanto, ganhou. E muito. O poder de pressão cada vez maior da
sociedade civil e a responsabilidade de parte da classe política mostram que
o Brasil mudou para melhor nos últimos anos.
Convém
prestar atenção
Severino é rodeado por um grupo de parlamentares de muita influência quando
se trata de conversas ao pé do ouvido. Formam o trio Ciro Nogueira (PP-PI),
2º vice-presidente da Câmara e tido como o mais influente, Ricardo Fiuza
(PP-PE), um dos expoentes do governo Collor, e José Janene (PR), líder do PP
na Câmara.
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Kennedy Alencar,
colunista da Folha Online, é repórter especial da Sucursal de Brasília da
Folha de S. Paulo.
Fonte: Folha Online, 03/03/2005. |