SESu aberta ao diálogo

 

Novo secretário da Secretaria do Ensino Superior, Carlos Roberto Antunes, assume o cargo com a missão de envolver a universidade nas soluções dos problemas nacionais. Prometendo "não decidir nada de cima para baixo", pretende estabelecer um pacto com a comunidade acadêmica para definir um novo projeto para as IES brasileiras


Toma posse na próxima segunda-feira o novo secretário da SESu (Secretaria do Ensino Superior), órgão ligado ao MEC (Ministério da Educação) responsável pela coordenação e implementação da política de Ensino Superior do Governo Federal. O escolhido para o cargo é o ex-presidente da Andifes (Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior) e ex-reitor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Carlos Roberto Antunes.

A nomeação de Antunes para a presidência da SESu trás um componente novo no critério de escolha do cargo: o nome foi indicado para o ministro da Educação pela Andifes, entidade que reúne dirigentes de IFES de todo o país. "O presidente da associação já havia feito uma consulta com alguns reitores e o meu nome passou por consenso. Quando o ministro pediu uma sugestão, ele achou correto me indicar", conta o novo secretário. Segundo Antunes, o convite foi feito oficialmente na última segunda-feira, durante reunião com o ministro em Brasília.

O cargo é considerado uma das peças-chave no ministério. Em seu discurso de posse, Buarque ressaltou que seria o "ministro das universidades" e que destas seria cobrada uma participação ativa na construção do novo governo. "O papel da SESu, neste novo governo, é procurar fazer com que o Ensino Superior tenha uma participação efetiva na resolução dos problemas da sociedade", concorda Antunes. "A universidade precisa mudar, precisa se renovar, precisa ser repensada".

O novo secretário, porém, vai encontrar um sistema repleto de defeitos crônicos. Alguns deles, inclusive, exigirão soluções de curto prazo. A pior situação se encontra nas universidades federais, que enfrentam problemas históricos de falta de verbas e acúmulo de dívidas. Segundo Antunes, a prioridade da SESu, neste momento, será regularizar o repasse de verbas para as federais. "É preciso fazer o desembolso no tempo correto, dentro do prazo, para que possamos desenvolver uma outra cultura nas IFES: a do planejamento. Isso é fundamental", opina.

Para Antunes, porém, seu grande objetivo será a criação de uma nova universidade pública, que tenha um perfil mais ágil, livre da burocracia herdada da época em que foi estruturada, há cerca de 30 anos. De acordo com o secretário, é preciso realizar esta transformação para aproximar as universidades da sociedade em que estão inseridas. "A universidade pública precisa se integrar mais com a sociedade. Muros têm que ser derrubados para que a instituição possa trabalhar em conjunto com a comunidade", conclui.
 


Leia abaixo a entrevista realizada como novo secretário do Ensino Superior, Carlos Roberto Antunes:

Quais as prioridades que o senhor identifica neste início de mandato à frente da SESu?

Na minha opinião, a prioridade em curtíssimo prazo para a SESu é tentar resolver as questões ligadas ao financiamento das universidades, inclusive aquelas ligadas a recursos humanos, como os concurso para professores e servidores. Nesse sentido, a primeira coisa a se fazer é o desembolso dos recursos para as Federais de uma forma contínua. Isso deve ocorrer para que os reitores tenham certeza de que, na data determinada, o recurso será liberado, possibilitando trabalhar com um planejamento - o que não acontece hoje. Para se ter uma idéia, os últimos duodécimos de 2002 (outubro e novembro) foram pagos nos dois últimos dias do ano. Não é isso que queremos e esse é o primeiro ponto.

A segunda prioridade é a questão dos hospitais universitários, que também passam por uma situação muito difícil. Vamos fechar um convênio com o ministério da Saúde para ampliar a discussão e apoiar aos hospitais universitários.

E há um terceiro ponto ainda, que é fundamental, mas para ser finalizado a médio prazo. Precisamos começar desde agora a discutir a possibilidade de repensar a universidade. Pensar uma nova universidade. O presidente Lula já explicitou esse desejo, o ministro Cristovam também e eu sou um fervoroso adepto desta idéia.

Mas é preciso repensar a universidade em que sentido? Mudar a estrutura administrativa, acadêmica?

A universidade tem uma estrutura muito pesada, que data dos anos 70, portanto, já tem mais de 30 anos. A sociedade mudou, mas a universidade muda muito lentamente. A educação superior pública precisa se integrar mais com a comunidade. Muros têm que ser derrubados para que a universidade se aproxime mais da sociedade. Muitas têm feito isso, com as atividades de extensão, mas não na velocidade desejada. E por quê? Porque a universidade ainda tem muita burocracia, o custo é elevado, a estrutura é muito pesada. Esse peso, essa morosidade acaba tornando o custo ainda maior. É preciso ter um sistema mais flexível, mais ágil, mais identificada com o seu tempo. O saber hoje é cada vez mais híbrido, cada vez mais multi-interdisciplinar e a universidade continua ainda, não totalmente, mas em muitas áreas, fechada com a ciência pela ciência. É preciso haver o diálogo entre as ciências. Precisamos criar cursos que tenham esse caráter multi-interdisciplinar. A universidade precisa mudar, precisa se renovar, precisa ser repensada. E isso nós vamos colocar para os reitores, vamos fazer um pacto com a academia, fazer um pacto com a comunidade universitária.

Como pode ser feito esse pacto? Como discutir com o meio acadêmico esta reformulação?

Para estabelecer as bases de uma nova universidade, inclusive da própria autonomia universitária, é necessário um novo projeto, que será construído a partir de um amplo debate com a comunidade acadêmica, com fóruns estabelecidos onde estejam pessoas abalizadas, que possam dar suas contribuições. Podemos até estabelecer algumas diretrizes, mas nada virá de cima para baixo. A única coisa da qual não abrimos mão - eu, o ministro e o presidente - é do conceito de universidade pública, gratuita e de qualidade.


A construção de uma universidade nova, mais flexível e próxima da população passa pela concessão de autonomia? O que a autonomia poderia trazer de positivo e de negativo para o sistema?

Essa questão passa obrigatoriamente pela autonomia. E eu acho que não há pontos negativos, uma vez que os reitores sabem que há uma lei de responsabilidade fiscal que impossibilita gastar mais do que se arrecada. Hoje, até mesmo o pedido de afastamento de um professor que pretende realizar pesquisas no exterior passa pelo gabinete do ministro. E isso, na verdade, pode ser resolvido pela própria instituição. Cabe a ela saber que, se liberar o professor, tem de haver outra pessoa para assumir o lugar dele. Por que tivemos que abrir concurso nas áreas que o MEC impôs no ano passado? Por exemplo, por que precisamos fazer concurso para professor adjunto, que exige título de Doutor? Apesar desta exigência ser boa, não são todas as áreas que tem uma titulação adequada, como Medicina e Comunicação Social, por exemplo. Para estes casos, o ideal seria abrir inicialmente um concurso para auxiliar de ensino ou professor assistente. Da maneira como ocorre, a universidade não consegue preencher seus quadros e então precisa abrir um novo concurso, aí sim pedindo professor assistente. Com isso, passa o ano abrindo editais. Isso é uma falta de autonomia grande da instituição. São só alguns exemplos para mostrar que essa autonomia, regida com competência, não cria problema nenhum. Inclusive, porque temos que partir do princípio de que autonomia não é soberania. A universidade tem que prestar contas à população, porque é mantida pelos cofres públicos.

O senhor é favorável à criação de uma agência de avaliação que seja independente do governo?

Não. Eu acho que a universidade tem competência para se auto-avaliar. E essa auto-avaliação é tão séria que a instituição tem competência para pedir que a comunidade a avalie. O Provão é importante, vai permanecer. Mas será aperfeiçoado e precisa integrar um sistema maior de avaliação. O provão é importante, mas é um instantâneo de um processo avaliativo. É preciso avaliar também a produção docente, os grupos de pesquisa, a qualidade que a universidade tem nos seus intercâmbios com outras instituições no Brasil e no exterior. E se faz necessário ainda uma avaliação externa. Para saber como a comunidade vê a universidade.

O sistema de ensino superior tem vivido uma crise séria em relação à criação de vagas. Nas universidades privadas, o número de vagas ociosas chega a 300, 400 mil. O estudante não está conseguindo chegar na universidade e os que chegam não conseguem se manter. Como resolver este problema?

Eu não gosto do termo ociosas. Porque dá a impressão que a universidade é ociosa, e ela não é. Eu chamo de vagas remanescentes. Estas vagas existem no ensino público e isso é péssimo, pois representa um custo desnecessário e significa que se está deixando de formar um profissional. É fundamental preencher estas vagas rapidamente e isso também vai entrar no pacto que vamos fazer com os reitores. Mas esse é um processo que tem que ser discutido com cada universidade. Com os docentes, com os estudantes, com os funcionários. Tem que ser um trabalho objetivo, que respeite uma agenda, mas que seja construído dentro da comunidade. Até porque isso é uma decisão do conselho universitário de cada universidade. Nas instituições privadas, eu acho que existem poucas vagas ociosas. O que existem são vagas abertas por inadimplência: pessoas que desistem do curso por não terem dinheiro para pagar. Nesse caso, é preciso trabalhar com uma outra diretriz, dialogar com estas instituições para avaliar o que é possível fazer para trazer os alunos para as salas de aula novamente.

O senhor citou agora a questão da inadimplência. É sabido hoje que o FIES (Financiamento Estudantil) não atende a demanda do sistema de Ensino Superior: no ano passado, eram 300 mil postulantes para 80 mil vagas. O que precisa ser feito? Reestruturar o sistema para que ele possa atender a demanda do setor ou ampliar o FIES nesses moldes em que ele é empregado hoje?

Eu acho que é preciso trabalhar em duas direções. É possível buscar mais recursos para o FIES, mas há a necessidade de que as universidades privadas repensem essa questão da inadimplência. Dependendo da situação econômica do estudante é preciso uma tolerância maior. Porque senão o recurso público passa a financiar o ensino privado. E claro que o ensino privado tem que dar lucro. Isso é evidente. Faz parte do sistema capitalista e do mercado de trabalho. Mas eu acho que tem que se repensar esse sistema. É uma questão que teremos de trabalhar de uma forma delicada.

Há um consenso atualmente, nas próprias universidades, de que o setor privado tem sofrido muito com esse desequilíbrio financeiro. E há um medo de que o setor passe por uma "quebradeira", com as universidades falindo porque não sustentaram o crescimento depois do "boom" vivido nos últimos anos. O senhor acha que deve haver uma proteção por parte do governo para que o setor não sofra com esse risco?

Eu acho isso complicado, porque o governo já mantém o FIES e muitas vezes as universidades privadas concorrem com as públicas perante as agências de fomento. Tem um economista, chamado Peter Schumpeter, que diz que os setores da economia passam por uma fase de expansão e depois uma fase de retração, quando há um saneamento natural do sistema. O que eu quero dizer com isso? Que nesses últimos anos surgiram muitos cursos de graduação nas instituições privadas, criados em uma conjuntura de demanda muito forte. O que acontece depois é que o estudante não tem como se manter na universidade em função das altas taxas. E vem a crise. Mas isso não é geral: muitas universidades privadas até se expandem. Por isso, é preciso discutir o tema com as universidades e ver qual é a real situação.

O que eu tenho absoluta clareza é a necessidade de fortalecimento do FIES. Mas não há espaço para fazer nenhum "Proer" para as universidades privadas. Nós temos questões gravíssimas no campo social que precisam ser resolvidas primeiro, como os milhões de analfabetos, o problema da merenda escolar, uniformes etc.

Vamos retomar a discussão sobre as federais. É possível criar uma nova matriz de distribuição de recursos para as IFES, que leve em conta as diferenças regionais, tamanho da universidade, alcance, serviço social prestado, ou o caminho é apenas estabilizar os pagamentos na matriz atual?

Não, acho que é preciso rever a matriz. Porque quando essa matriz foi imposta, e o termo é esse, ela não teve a participação da comunidade universitária. Inclusive, o fórum de pró-reitores de planejamento e finanças já tinha uma matriz pronta e discutida com o próprio MEC, quando na última hora apresentaram essa, que se chama matriz inglesa. Ela possui certos parâmetros que são interessantes, mas outros não. É necessário repensar esses conceitos. Pode ser até que se chegue a conclusão de que esta é mesmo a melhor, mas há a necessidade de discuti-la.

Nos últimos anos, a verba de custeio não tem sido suficiente para a manutenção das universidades e é preciso complementar o orçamento com a Emenda Andifes. Além disso, as verbas vêm com atraso. Resultado: a maioria das IFES têm dívidas pesadas, inclusive com fornecedores de serviços básicos, como água e energia elétrica. O que fazer com essas dívidas? É possível federalizar as dívidas, ou as universidades vão ter que, de fato, arcar com elas?

Em geral, essas dívidas foram contraídas pelo desembolso em atraso por parte do governo. Claro, se você não paga luz até a data prevista você paga com multa. Dificilmente as universidades pagam em dia luz, água, telefone e serviços terceirizados. E não pagam exatamente porque o repasse não é regular. Então, quando vão quitar, já não tem mais condições de pagar aquele mesmo preço que foi estabelecido anteriormente. Assim, as dívidas vão aumentando consideravelmente. É preciso fazer o repasse no tempo correto, dentro do prazo, para que possamos desenvolver uma outra cultura, a do planejamento. Isso é fundamental.

Mas é preciso avaliar cada situação. Algumas universidades não arcam com a conta de luz. É o caso da Universidade Federal do Pará (UFPA), quem paga é o governo do Estado. Outras universidades não pagam água. O Hospital das Clínicas da UFPR, por exemplo, não paga luz porque a atividade que ele desempenha é tão benéfica para a sociedade que o Estado resolveu liberá-lo do pagemento, mesmo sendo federal. É preciso analisar cada situação para poder discutir como poderemos ajudar as federais a solucionar esse problema.

Em um primeiro momento então, não há a possibilidade, sugerida por alguns reitores, de transferir a dívida para a União?

Em princípio não.

Como a SESu pretende trabalhar a questão da educação a distância? O governo anterior excluiu as universidades do FUST, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, e boa parte das universidades ficou com esse tipo de serviço defasado. Atualmente o ensino a distância tem sido visto como um dos caminhos para que a universidade amplie o seu alcance. Como o senhor pretende trabalhar essa questão dentro da SESu?

Em princípio, a idéia é estimular a Educação a distância, que é uma ferramenta fundamental. Está adaptada as condições da realidade presente, é viável. Nós temos experiências muito interessantes - na UnB (Universidade de Brasília), na UFPR (Universidade Federal do Paraná), na UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso), na pós-graduação em Santa Catarina - que mostram os bons resultados do ensino a distância. Em princípio a idéia é, indiscutivelmente, estimular o uso desta ferramenta.

Outro ponto importante é a questão do relacionamento da SESu com as universidades. Uma das coisas que as IES mais reclamam é a falta de diálogo com o ministério. Qual o caminho para estabelecer um canal de comunicação para atender as instituições?

Ele já foi estabelecido a partir do momento em que o ministro Cristovam Buarque assumiu o ministério e reforçado agora, ao me convidar para ser o secretário do Ensino Superior. Ele é um homem extremamente aberto e eu fui indicado pelos próprios reitores porque sabem qual a minha postura. Para se ter uma idéia: dificilmente nós conseguíamos uma reunião com o ministro anterior. Agora não. O ministro me disse que já recebeu uns 30 reitores, e isso em dez dias úteis de mandato. Nós já temos reuniões com reitores marcadas para a semana que vem e vamos fazer ainda marcar uma grande reunião de trabalho durante a qual colocaremos duas grandes questões para os dirigentes. A primeira é: "o que a universidade pode fazer pelo Brasil?". E a segunda é: "o que o governo deve fazer pelas universidades?". Nós vamos ficar fechados o dia todo trabalhando e a partir disso, vamos criar um documento. Nele, colocaremos a questão das vagas remanescentes, o modelo de distribuição, o que a universidade pode fazer para combater a fome, o que pode fazer para combater o analfabetismo. Será uma espécie de pacto com as universidades.

Para finalizarmos, qual será o papel da SESu neste governo?

O papel da SESu, neste novo governo, é, segundo o que está sendo colocado pelo presidente, procurar fazer com que o Ensino Superior se integre cada vez mais com o Ensino Básico e que tenha uma participação efetiva no sentido de resolver os problemas da sociedade. A universidade tem feito grandes pesquisas, mas muitas vezes, estes trabalhos não trazem resultados efetivos no que diz respeito a resolver problemas e fortalecer a paz. A universidade vai ser chamada a cumprir esse papel. E a função da SESu é dar condições para que isso aconteça, ser uma animadora desse processo. Como eu disse anteriormente: nada virá de cima para baixo, é preciso dialogar, é preciso discutir.

 

Fonte:  Universia Brasil – 16/01/2003.

 


 

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