Ponto de vista:
Claudio de Moura Castro*
Nos dias que correm, duelam o governo e o Senai. Mais uma tentativa de estatização? Ou de arrancar uma lasca do seu orçamento? O MEC quer ensinar ao "Sistema S" como operar suas escolas? Como as propostas não são escritas, fica tudo meio no ar. Disputa de poder com sindicatos patronais? Exumação tardia das controvérsias entre soluções privadas e públicas? Talvez os fatos iluminem as batalhas políticas e ideológicas. Afirma-se que o "Sistema S" não deveria cobrar dos técnicos (o que ocorre em alguns estados), e sim oferecer-lhes ensino gratuito, uma vez que recebe verbas públicas. Esse argumento é tolo. Justificadamente, para poder oferecer mais cursos, o sistema passou a cobrar das empresas e de alunos capazes de pagar. Mas usa todo o tributo compulsório para oferecer cursos gratuitos ou subsidiados a 1,1 milhão de operários. Comprometidos os recursos, não há como oferecer mais gratuidade. Para cada técnico dispensado de cobrança seria necessário tirar vários operários do sistema. Um argumento politicamente explosivo é o de que as federações surripiam recursos do Senai, permitindo-se mordomias espantosas. Tal promiscuidade é injustificável. Felizmente, os gastos do Senai são rotineiramente examinados pelo Tribunal de Contas da União e pelos órgãos estaduais correspondentes. Como nos últimos cinco anos não foram impugnados vazamentos para federações, se eles existem, a falha é dos tribunais. A guerra dos números ainda não tem vencedores. O Senai é acusado pelo MEC de ser mais caro (por aluno/hora) que os técnicos e universidades federais. Dados do Senai revelam equívocos nas estimativas do MEC que, quando corrigidos, mostram o Senai menos caro, mesmo sem incluir os aposentados do MEC (que, para economistas, são um custo inalienável). Ainda assim, o Senai ofereceu no ano passado 100 000 atendimentos às empresas, faz pesquisa aplicada, patenteia e mantém equipamentos de última geração em suas escolas. O MEC propõe criar um fundo com o orçamento do "Sistema S" para ser distribuído de acordo com os méritos de cada curso, medidos por testes que vai preparar. Na teoria, parece interessante (aliás, por que o governo não aplica o sistema antes em suas próprias universidades e com seus próprios técnicos e tecnólogos? Ou no FAT?). Na prática, há cursos profissionalizantes para centenas de ocupações, cada um podendo ser oferecido em diversos níveis. Não há como o MEC realizar 2 milhões de testes profissionais em oficinas, sobretudo porque jamais fez algum. Tampouco o Ministério do Trabalho conseguiu fazer certificação ocupacional, depois de trombetear suas intenções por décadas. Por outro lado, a prática consagrada internacionalmente é avaliar os cursos pela empregabilidade efetiva dos graduados e pelo desempenho nos empregos. Sob tais critérios, o "Sistema S" mostra bons resultados. Mas isso jamais foi praticado pelo MEC, que desconhece o destino dos graduados de suas escolas técnicas e universidades. Obviamente, o "Sistema S" tem falhas que precisam ser impiedosamente cobradas. O Senai e o Senac acumularam uma sólida reputação, mas são teimosos como mulas e respondem lentamente. O Sebrae é criativo, mas com altos e baixos. Como o Sesi e o Sesc não oferecem formação profissional, para alguns são uma relíquia do papel paternalista dos empresários no Estado Novo. Por que, por exemplo, seus orçamentos são superiores aos do Senai e do Senac? É um risco trocar um operador historicamente bem-sucedido pela ingerência de outro com folha corrida muito mais incerta. Arriscamo-nos a passar de cavalo para burro. Mas, se as ameaças servirem para corrigir as falhas do "Sistema S", não terão sido em vão.
* Claudio de Moura Castro é economista.
Fonte: Rev. Veja, ed. 2067, 2/7/2008.
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