Sem sair do lugar
O MEC continua
passando ao largo do fato crucial de que o problema
Um pai de aluno de escola particular recebe carta do colégio onde estuda sua filha de sete anos pedindo uma ‘Informação autodeclaratória’ para atender a portaria do Ministério da Educação que objetiva coletar dados para o programa ‘Mostre sua raça — declare sua cor’. O formulário, em forma de múltipla escolha, perguntava ‘qual a sua cor/raça: amarela, branca, indígena, parda ou preta’, deixando em aberto uma última opção: ‘opto por não declarar neste momento tal informação’. O pai da aluna, evidentemente perplexo, escreveu artigo que foi publicado domingo último na página 7 de ‘O Globo’. É o caso de perguntar, mais uma vez, onde querem chegar os responsáveis pela nossa república pedagógica. Escreve o articulista: ‘Na turma da minha filha existem algumas crianças negras. Elas estudam e brincam juntas, recebem as mesmas aulas, vestem o mesmo uniforme e pagam a mesma mensalidade. Até hoje, elas provavelmente se achavam iguais, crianças. Agora saberão que não são simplesmente crianças; são crianças brancas, pardas, pretas ou amarelas (acho que não há índios no colégio).’ Podia ser apenas mais uma história pitoresca, de pessoas bem-intencionadas procurando caminhos para melhorar a sociedade brasileira. Mas a freqüência com que isso vem acontecendo na área pedagógica dá a impressão de uma ausência de rumos, ou de absoluta falta de clareza sobre onde se quer realmente chegar. O MEC continua passando ao largo do fato crucial de que o problema da educação (e até da sociedade) brasileira é um problema de base, de fundamentos. Gastaram-se rios de tinta para falar de uma pretensiosa e confusa reforma universitária. Mas providências concretas (e sobretudo inteligentes) para melhorar a base, até agora, não existem. A última ‘novidade pedagógica’ é aumentar o ciclo básico de oito para nove anos. Não chega a ser mau; mas é a velha tendência de querer resolver as coisas com uma penada, ou com uma portaria. Simplesmente um ano a mais não faria muita diferença, num sistema que funciona mal em seu dia-a-dia, por falta de lucidez e de estímulo.
Fonte: O Globo, Editorial, 18/5/2005 |