Rogéria tinha razão
Agora, um mês depois, constata-se que o travesti tinha razão. A prova é a absolvição de Renan Calheiros, por 48 votos a 29, de uma acusação com início, meio, fim, indícios, documentos e testemunhos. Enfim, com uma abundância de evidências que constrange até advogado de defesa. A honestidade é a única coisa capaz de chocar 48 senadores. O caso Renan e Rogéria soa como nome de dupla sertaneja – não seria impagável assistir à dupla atuando sobre um palco? –, mas é mais que isso. Mesmo sem ser explícito ou ofensivo, o retrato de um travesti seminu não é algo muito apropriado para ser exibido na sede de um Parlamento. Mas é curiosa a moralidade de nossos congressistas. Para eles, Rogéria é um escândalo que não pode ser visto. E Renan, o que é? Para eles, a ambigüidade sexual deseduca – a moral ambígua não. A ameaça aos bons costumes ofende – a ofensa à lei não. Fotos à mostra chocam – roubos à sorrelfa, não. É injusto que a infância brasileira, ao ser confrontada com a produção mais recente do Congresso Nacional, tenha de escolher entre fotos de travesti seminu e absolvição de senador mandrake. Mas, como a realidade é incontornável, cabe indagar o que é menos pedagógico para as nossas crianças: um Renan solto e livre em carne e osso ou uma Rogéria em trajes sumários numa fotografia? A frase completa de Rogéria, quando lhe censuraram a foto, é a seguinte: "Os brasileiros gostam de mim porque nunca fiquei dentro do armário, nunca neguei que fosse homem, nunca fiz plástica ou escondi a idade. Sou autêntica. Esse pessoal ficou chocado porque sou honesta". Esse pessoal, bem entendido, são os deputados e senadores. Autenticidade e honestidade estão entre valores apreciados por milhões de brasileiros, e, com certeza matemática, pode-se afirmar que nesses milhões não se incluem os 48 de Renan. O silêncio que se seguiu à vergonhosa absolvição de Renan – não houve um protesto, uma manifestação, uma passeata, um buzinaço, nada – pode soar aos 48 como um sinal de concórdia ou indiferença, mas tudo leva a crer que se trata mesmo é de exaustão. Ninguém, e o mutismo das ruas é a evidência, espera nada que preste do Senado Federal. Os 48, fiéis apenas aos laços mafiosos que conectam interesses de ocasião com moralidade de fancaria, acabaram por dar inestimável e involuntária contribuição ao país e às nossas crianças: deixaram patente que há algo de pornográfico no Congresso Nacional. E não é a foto de Rogéria.
Fonte: Rev. Vejal, André Petry, ed. 2038, 12/12/2007.
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