MÍDIA & CRISE POLÍTICA
Revistas dão vexame e ninguém se incomoda
Alberto Dines*
 

Charge: Ique
Alberto Dines

A mídia ligou os holofotes, mas detesta holofotes em cima dela. Acionou o ventilador giratório, mas esconde que a lama respingou nela. Adora fazer barulho, desde que o barulho não seja sobre ela. É um fenômeno, essa nossa mídia.

 

Ágil, criativa e ousada mas, ao mesmo tempo, penosa, omissa e pusilânime. A transfiguração da bela em fera dá-se apenas em uma circunstância: quando lhe oferecem um espelho. Basta ver-se equiparada às instituições dos comuns mortais, nossa alada mídia vira bruxa. Ou um tiranossauro.

Foi uma matéria de capa na Veja (edição 1.905, de 18/5) que deflagrou a cascata de escândalos que está virando o país de ponta-cabeça. Mas quando a CPI dos Correios, criada pela repercussão desta matéria, desvendou na terça-feira (5/7) como esta matéria foi realizada e quem a realizou, o quinto maior semanário do mundo comporta-se como um panfleto paroquial: por pudor ou despudor, omitiu dos leitores qualquer referência sobre esta revelação.

Em sua última edição (1.913, de 13/7, página 9), a Veja comporta-se como a grande vestal da crítica da imprensa. Denuncia o denuncismo, defende a apuração diligente, parece até fiel seguidora deste Observatório, não fosse a omissão sobre as constrangedoras confissões do araponga-videomaker-e-agora-jornalista Jairo Martins sobre as suas promíscuas relações com a sucursal brasiliense.

Operação de compra e venda

Não apenas a Veja enrustiu seus pecados perante a opinião pública. No dia seguinte, quarta-feira, foi a vez do lobista Marcos Valério revelar diante da CPI e das câmeras de televisão que a reportagem de capa da IstoÉ Dinheiro com a entrevista-bomba de Fernanda Karina, programada para sair em setembro do ano passado, foi engavetada depois da visita de Marcos Valério a Domingo Alzugaray, dono da Editora Três, responsável pela publicação da Istoé Dinheiro. O lobista revelou ainda que pagou R$ 300 mil ao jornalista Gilberto Mansur, funcionário da editora e seu consultor.

Menos de 24 horas antes, no programa Observatório da Imprensa na TV, o repórter Leonardo Attuch, autor da matéria com Fernanda Karina, declarava peremptoriamente que a matéria não foi publicada em setembro de 2004 por falta de provas; negava, também peremptoriamente, qualquer encontro com Marcos Valério. O depoimento no dia seguinte de Marcos Valério mostrou que o jornalista mentiu duas vezes: esteve com Marcos Valério e a razão que impediu a publicação daquela bomba não foi a falta de provas, mas o peso dos R$ 300 mil pagos à Editora Três.

Na última edição da IstoÉ (o carro-chefe da Editora Três, com data de 14/7, na página 29), numa pequena e ardilosa nota, tenta-se defender Gilberto Mansur (que não precisa ser defendido, foi apenas intermediário de uma operação de compra e venda) e tira-se de cena o ex-galã de fotonovelas Domingo Alzugaray, atual publisher da editora.

Gentleman’s agreement

A revista Época, completamente livre para mostrar à opinião pública os lamentáveis tropeços dos concorrentes, de repente foi atacada de um inopinado surto de discrição e solidariedade. Parecia uma lady inglesa que finge um pigarro para não revelar as malícias da vizinha. Com o título "Bastidores da notícia", descreve rapidamente as transações da IstoÉ, mas ignora totalmente o modus operandi investigativo da Veja (edição 373, 11/7, página 38).

O recato dos semanários sobre as mazelas do setor contrasta vivamente com o esbanjamento de indignação no relato sobre as patranhas do PT, do Executivo e do Legislativo. E não foi acidental. Os jornalões de quarta e quinta-feira (6 e 7/7) também foram omissos ou, na melhor das hipóteses, parcimoniosos ao contar os vexames das revistas na CPI dos Correios. Na quarta-feira, sobre a Veja, a Folha publicou pequena nota, O Globo algo ligeiramente maior e o Estadão, nada. Na quinta-feira, sobre a IstoÉ, apenas o Estadão registrou as constrangedoras revelações de Marcos Valério. 

A fleuma não foi casual, é pactual. Faz parte de um histórico gentleman’s agreement, acordo de cavalheiros, montado no início dos anos 1980 (como reação à greve dos jornalistas) que resultou na criação da ANJ (Associação Nacional de Jornais, onde se incluía a Editora Abril). Mais tarde, em função de interesses específicos, a ANJ gerou um filhote, a Aner (Associação Nacional de Editoras de Revistas), controlada pela Abril mas no momento presidida por Carlo Alzugaray, filho de Domingo.

Falta alguém na CPI

Como esperar, então, que a Aner condene a falta de decoro de duas poderosas associadas e que a loquaz e beligerante ANJ saia em defesa do bom nome da imprensa, se o grande pool da mídia impressa foi montado justamente para abafar as críticas?

Esta atuação corporativa tem origem fisiológica e pode ser flagrada no episódio da custosa campanha de publicidade para promover a imagem da Câmara dos Deputados, então comandada pelo desastrado João Paulo Cunha (PT-SP).

Num país verdadeiramente democrático, com uma imprensa verdadeiramente independente, seria inconcebível que o Poder Legislativo usasse o dinheiro do contribuinte para lustrar a imagem de uma instituição que abriga 300 picaretas.

Não obstante, a campanha foi lançada com estardalhaço no ano passado na TV, no rádio, em jornais e revistas. Nenhum veículo jornalístico protestou contra este abuso. Exceto este Observatório.

Ninguém quis abrir mão dos caraminguás que a Câmara distribuía tão generosamente. Agora descobre-se na CPI que o deputado João Paulo Cunha contratou uma das agências de Marcos Valério para promover a gastança na mídia. Se 10 meses atrás algum jornal ou jornalista tivesse se indignado diante da promiscuidade do Legislativo com a imprensa, parte dos escândalos poderiam ter sido abortados.

Nesta última semana, ficou claro que falta alguém na CPI. Mas nenhum dos seus integrantes terá coragem para fazer esta convocação.

* Alberto Dines é Jornalista, Editor do Observatório da Imprensa.
 

Fonte: http://observatoriodaimprensa.com.br, 12/07/2005


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