Algumas considerações a respeito da Proposta do
Reuni na UFRRJ
Primeiramente
cabe destacar quais são as chamadas “cláusulas pétreas” do REUNI do
MEC: a) relação de 18 alunos por professor (RAP); b) 90% dos alunos
que ingressam na universidade devem concluir o curso no prazo
estabelecido; c) reestruturação curricular, “de forma a evitar a
profissionalização precoce”, com saídas intermediárias, e redução da
carga horária de alguns cursos.
Ora, para atingir a estas metas, de acordo com os números do próprio
MEC, a UFRRJ, que tinha uma matrícula projetada na graduação, em 2005,
de 8527 alunos e deverá ter um acréscimo de 4885, para chegar a 13412
matrículas projetadas ao final do Reuni. Isso significa o crescimento
de 57,28%. A proposta da Rural assume a necessidade de crescimento de
43,10%, enquanto cálculos desenvolvidos pela ADUR apontam para 46,67%.
Como se vê, os números não são precisos. Mas, o que importa é que este
crescimento tem que acontecer para: a) ampliar, no mínimo, em 20% a
oferta da graduação em todas as instituições que aderirem ao REUNI; b)
atingir a relação de 1 professor para 18 alunos. Continuando o
raciocínio, para a Rural atingir uma das metas pétreas do REUNI, ela
terá que aumentar o número de alunos, mantendo o mesmo número de
docentes estipulado no quadro de Professor Equivalente. Se ampliar o
número de alunos e contratar mais professores, a RAP de 1 para 18 não
será atingida. E a UFRRJ tem que oferecer um acréscimo maior que os
20%, exatamente para atingir essa meta específica, que na Universidade
está em 13,73 (dados do MEC). Dessa forma, afirmar que vai contratar
mais professores a partir do REUNI não se sustenta, pela própria
filosofia do Programa. No entanto, o documento proposto pela Comissão
Consultiva afirma ter como um de seus fundamentos a “compreensão de
que somente se pode expandir com contratação efetiva de pessoal
docente e técnico-administrativo, como também, sem a exploração e
sobrecarga de trabalho das categorias em questão”. A contradição é,
portanto, muito evidente, e talvez esteja aí incluída para convencer
aqueles que não se debruçaram sobre os documentos que fundamentam a
proposta do MEC.
Para crescer, a UFRRJ deve estabelecer onde e em que áreas. A Comissão
consultiva propõe abertura de novos cursos nas seguintes áreas: a)
Humanas (licenciatura, principalmente noturno) e b) Saúde
(Biomedicina, Nutrição, Fonoaudiologia, Fisioterapia e Psicologia).
Cabe, aqui, perguntar: Como foi feita esta escolha? Baseada em quais
critérios? Além disso, foram também apontados os cursos com alta
demanda que deverão abrir novas vagas: História, Arquitetura e
Urbanismo, Engenharia Florestal, Geologia, Engenharia Química e
Ciências Biológicas. Outros cursos “não apresentam uma demanda que
justifica um aumento muito expressivo de vagas”: Veterinária,
Agronomia, Zootecnia e Administração.
Já que o documento não esclarece quais os critérios adotados, algumas
inferências podem ser adiantadas. A educação, que sempre foi
periférica na Rural, ficará com a maior carga de trabalho
(licenciaturas). Aumento no número de cursos, de turmas, de alunos,
etc. Todas as licenciaturas têm uma grande carga horária de formação
pedagógica, oferecida pelos Departamentos de Teoria e Planejamento de
Ensino e Psicologia. Os professores desses Departamentos já contam com
uma sobrecarga considerável de trabalho. O Instituto de Educação já
não comporta o número de turmas em vários dias da semana. No entanto,
não estão previstas obras ou ampliação do IE, somente ampliação do
trabalho docente. Há, sim, a previsão de construção de um “pavilhão
específico para o Curso Pré-Vestibular, com salas adequadas e
infra-estrutura multimídia”, e de um “Pavilhão de Aulas” para as
turmas de alunos do primeiro semestre (Bacharelado Interdisciplinar?).
Para os Institutos que ampliarão o número de alunos e turmas, nada
está previsto.
No que se refere ao item Reestruturação Acadêmico-curricular, o
diagnóstico deveria ter contemplado uma análise mais aprofundada dos
fatores que originaram os problemas apontados. Faltou um
aprofundamento dos nossos problemas estruturais e das políticas
públicas que sustentam o quadro atual. Mas, talvez, se isso tivesse
sido feito, a Comissão poderia ter concluído que não deveria ter
elaborado um projeto para ingresso da Rural no REUNI. Neste item, são
usadas generalizações, análises superficiais e discursos tirados do
senso comum, sem nenhuma preocupação com o embasamento das afirmações
ali contidas.
Porém, a reestruturação curricular é uma das metas do REUNI. É
preciso, segundo eles, evitar a profissionalização precoce, ou seja, o
aluno que entrar na universidade pública federal faz, de início, um
curso generalista (bacharelado interdisciplinar), para depois ser
selecionado, de acordo com o seu aproveitamento, para o curso
profissionalizante (a proposta da Rural prevê que isso se dará
primeiro nas Engenharias). A quem interessa isso?
Vamos refletir mais um pouco sobre o assunto. Na época da Ditadura
Militar surgiu uma lei (5692/71) que interferiu de cima para baixo nos
currículos do ensino médio, que se transformou, na época, em 2º grau.
Todos os currículos de 2° grau tiveram que assumir uma considerável
carga horária do ensino profissionalizante e se transformar em cursos
técnicos. As instituições públicas que na época eram as mais
procuradas pelos estudantes foram obrigadas a implementar o novo
currículo. As privadas deram um jeitinho: mantiveram seus currículos
propedêuticos e incorporaram, na prática, pouco ou quase nada da
educação profissional. Conclusão: a reforma curricular obrigatória
destruiu o ensino médio público e abriu todas as portas para o ensino
médio privado. Acontece que depois do médio, os alunos querem a
universidade pública e só ficam nas privadas em último caso. Essa é,
portanto, a nova “pedra no meio do caminho” dos empresários da
educação. Com os novos currículos, incluindo bacharelados
interdisciplinares, a universidade pública fica menos atrativa para um
grande número de discentes, que se dirigirão às instituições privadas.
A obrigatoriedade de 90% de concluintes, instituirá quase uma
aprovação automática, se considerarmos os índices de evasão,
aproximando a universidade federal, cada vez mais, da realidade das
instituições privadas.
Um outro ponto a considerar é que, dentro da mesma instituição, serão
formadas ilhas de excelência, constituídas pelos cursos de maior
prestígio que serão, logicamente, preservados. Esses cursos não terão
aumento de vagas de ingresso, para que seus docentes possam ter tempo
suficiente para pesquisa e cursos de pós-graduação strito sensu.
Com isso não se pretende mais que cada professor atue através do tripé
ensino/pesquisa/extensão, e que, em última análise, é o que garante a
qualidade diferenciada da universidade pública. Ao invés disto, se
passa cada vez mais a ter o ensino e a pesquisa em “nichos”
especializados dentro da instituição. O documento proposto torna isto
mais agudo.
Outro item interessante de análise é aquele que diz respeito aos
estudantes e à Assistência Estudantil. Além de instituir oficialmente
o sistema de cotas ao longo do primeiro ano de implantação do REUNI,
sem uma discussão mais aprofundada do tema, o que está prometido aos
estudantes é literalmente fantástico! Recuperação e ampliação dos
alojamentos; oferta gratuita de residência estudantil a pelo menos 20%
do corpo discente; construção de um prédio para sediar o centro de
convivência; reforma do Restaurante Universitário; aumento de 100% no
número de bolsas de alimentação, de monitoria, do PIBIC e PROIC, até
2008; reforma e ampliação do ambulatório médico e odontológico;
contratação de médicos e odontologistas; reforma das dependências de
práticas desportivas, dentre outros. Parece o caso daquela instituição
que resolveu criar um curso de oceanografia com o dinheiro do REUNI e,
feitas as contas, na carta consulta ao MEC, descobriu que o montante
de dinheiro não dava nem para construir o casco da embarcação-escola.
É mais ou menos isso. O problema é prometer muito mais do que a verba
minguada e sem correção do REUNI pode bancar, para conseguir apoio dos
mais desavisados.
Para finalizar, é importante reforçarmos que somos a favor das
revisões constantes dos currículos dos cursos de graduação e
pós-graduação, da ampliação de oferta de vagas, da redução da evasão
escolar, da ocupação das vagas ociosas da ampliação da assistência
estudantil. Mas consideramos que todas essas coisas se constituem em
obrigação da Universidade, independente de assinar ou não um contrato
de gestão. A autonomia se constitui, portanto, na possibilidade de
cada instituição traçar seus próprios caminhos e não na
obrigatoriedade de seguir fórmulas prontas que interessam mais a uns
do que a outros. Somos favoráveis, principalmente, à ampliação
constante da qualidade que envolve a capacitação docente (não abordada
no REUNI), à reforma estatutária e regimental que poderá dar uma
feição mais moderna e democrática à UFRRJ. E, por falar em democracia,
quando ocorreu o “amplo debate da comunidade acadêmica” a respeito do
REUNI? Mesmo que comece agora, no curto espaço de 20 dias nunca
teríamos o amplo debate que uma reforma estrutural como essa
mereceria. Amplo debate pressupõe ouvir os três segmentos que compõem
a comunidade universitária e isso é o mínimo que se poderia exigir da
atual Reitoria.
Associação dos Docentes da
Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro
ADUR-RJ |