Desvinculação de receitas da União e reserva de contingência retiram R$ 1,1 bilhão dos Fundos Setoriais 

  

O MCT vai dispor só de 41,5% dos recursos dos
Fundos Setoriais em 2005

 

Dos R$ 1,8 bilhão que devem ser arrecadados pelos fundos este ano, R$ 1,1 bilhão ficarão para o Tesouro, graças à Desvinculação de Receitas da União (DRU), aprovada pela emenda constitucional 42/2003, e ao direcionamento de R$ 901,2 milhões para a reserva de contingência.

Em 2004, ambos os artifícios resultaram no 'sumiço' de R$ 988,3 milhões dos fundos. Ou seja, apenas 30% dos recursos para o exercício do ano passado estiveram de fato disponíveis.

As medidas vão na direção contrária da promessa de campanha feita pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva, e reiterada pelo presidente, de aumentar de 1% para 2% do Produto Interno Bruto (PIB) o investimento nacional em ciência, tecnologia e inovação (C&T&I).

Apenas a desvinculação vai tirar dos fundos setoriais este ano R$ 184,1 milhões. Em 2004, a União ficou com R$ 177,1 milhões dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) por causa da DRU.

A DRU se originou da proposta de emenda constitucional 41-A/2003, que altera o Sistema Tributário Nacional, convertida na emenda 42. Seu artigo 76 desvincula 20% do arrecadado pela União (impostos, contribuições sociais ou de intervenção no domínio econômico), de ‘órgão, fundo ou despesa’ a que estivessem vinculados, para o período 2003-2007.

Isso vale para o que já existe e para novos impostos e contribuições que venham a ser criados no período e vale para vinculações em qualquer área de ação do governo.

Os fundos setoriais, que são formados por dinheiro arrecadado de contribuições sociais, foram diretamente afetados pela medida, informa Francisco Cleodato Porto Coelho, chefe da Assessoria de Captação de Recursos da Secretaria Executiva do MCT.

É o caso dos fundos Verde-Amarelo, Agronegócio, Saúde, Biotecnologia, Aeronáutico, Informática, Amazônia (voltado para o setor de informática da Zona Franca de Manaus) e Energia.

‘Com a DRU, o governo pode gastar os recursos, eles não ficam acumulados no Tesouro, como acontece com o dinheiro direcionado para a reserva de contingência’, explica Coelho, funcionário de carreira no MCT na área técnica.

Por ser uma emenda à Constituição, é possível ao governo fazer a desvinculação, apesar de as leis que criaram os fundos setoriais serem explícitas no direcionamento dos recursos arrecadados.

Eles só podem ser usados em projeto de pesquisa e desenvolvimento para os setores de origem das receitas. Como as leis que criaram os fundos são ordinárias, são superadas pelas emendas constitucionais.

Coelho explicou que o dinheiro desvinculado em 2004 dos fundos setoriais foi empregado em despesas ordinárias. Isso significa que o Tesouro aplicou o dinheiro dos fundos em despesas do MCT previstas no orçamento federal e que deveriam ter sido bancadas pela União.

Frente Plurissetorial quer excluir dinheiro dos Fundos da Emenda 42

Parlamentares reunidos na Frente Plurissetorial em Defesa da Ciência, Tecnologia e Inovação, presidida pelo deputado federal Renato Casagrande (PSB-ES), apresentaram em sua última reunião, no dia 7 de abril, em Brasília, uma proposta de emenda à Constituição que exclui o FNDCT, onde estão os fundos setoriais, da DRU autorizada pela emenda constitucional 42.  

A questão da DRU abriu uma nova frente de batalha entre os setores acadêmico, empresarial e o recentemente engajado setor parlamentar pela manutenção dos recursos para CT&I.

Antes, as preocupações estavam voltadas apenas para o constante direcionamento de grandes somas dos fundos para a reserva de contingência.

O governo vem usando esse expediente desde 1999, quando começou a operar o primeiro fundo setorial, de Petróleo (CT-Petro), criado em 1997. Ao elaborar o orçamento, a União retira da rubrica referente à ciência e tecnologia uma parte dos recursos e a direciona para a reserva, ficando então ‘guardada’ no Tesouro Nacional no fim do ano.

A reserva é usada no cumprimento do superávit fiscal, para assegurar que o Estado brasileiro tem condições de pagar a quem tem títulos da dívida pública.

O artifício da reserva empregado aos fundos setoriais é polêmico do ponto de vista jurídico porque a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) diz que é proibido contingenciar recursos das áreas de saúde, educação e ciência e tecnologia.

Contudo, em um eventual processo, o presidente da República deveria ser o agente governamental acionado e isso dificulta o questionamento na Justiça, do ponto de vista jurídico e político.

Cálculos feitos por Francisco Cleodato Porto Coelho indicam que o Tesouro acumula um total de R$ 2,9 bilhões por conta dos sucessivos contingenciamentos aplicados aos fundos setoriais desde 1999. 

O governo pode, a qualquer tempo, utilizar os recursos da reserva de contingência, precisando apenas elaborar uma lei para desvincular esse dinheiro. Foi o que aconteceu com a lei 10.595/2002. Com ela, o governo pegou R$ 252,4 milhões do saldo financeiro dos fundos setoriais para amortização da dívida pública federal. 

Ou seja, na realidade, o saldo dos fundos deveria ser de R$ 3,1 bilhões, se fosse somado esse valor.  

Outra perda foi registrada com a lei 10.848, de 15 de março de 2004, que dispõe sobre a comercialização de energia elétrica. A lei reduziu de 50% para 40% o porcentual dos recursos arrecadados junto ao setor elétrico e direcionados ao FNDCT. Com isso, o Fundo Setorial de Energia perdeu R$ 7,5 milhões e o de Infra-estrutura R$ 37,6 milhões.  

E há ainda outras ameaças 

Não bastassem as perdas já mencionadas, outra medida de desvinculação pode afetar os fundos, no caso a lei 10.762/2003, que dispõe sobre a criação do Programa Emergencial e Excepcional de Apoio às Concessionárias de Serviços Públicos de Distribuição de Energia Elétrica. 

Ela prevê o uso de recursos disponíveis ao final de 2002 no Tesouro que não estivessem comprometidos com restos a pagar, para amortizar a dívida pública federal. 

Segundo Coelho, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, se comprometeu com a comunidade científica e empresarial a não efetuar essa desvinculação. Ao final de 2002 os fundos setoriais registravam um saldo de R$ 697,9 milhões por conta da reserva de contingência e todo esse valor poderia ser usado para atender a lei 10.762.

Outra preocupação diz respeito ao projeto de lei 7.188/2002, de autoria do poder Executivo e assinado pelo então ministro do Orçamento, Planejamento e Gestão, Guilherme Gomes Dias.

Ele desvincula, parcialmente, a partir do ano de 2003, os royalties arrecadados nas atividades de exploração de petróleo e gás natural, que são a base da receita do CT-Petro. 

Pelas contas do MCT, esse fundo setorial perderia R$ 22,6 milhões em 2004, se tivesse sido aprovado.

O projeto está em tramitação na Câmara dos Deputados e foi aprovado nas comissões de Minas e Energia; Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio; e Finanças e Tributação, com substitutivos e emendas apresentados pelos deputados.

Desde 14 de julho de 2004, está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, nas mãos do relator Sigmaringa Seixas (PT-DF). Nessa comissão, não foram apresentadas emendas até o dia 13 de agosto de 2004, prazo final para a apresentação das mesmas, segundo a última ação relacionada ao projeto de lei registrada pelo site da Câmara.

Cortes afetam os programas para inovação

Enquanto o MCT trabalha para criar novos mecanismos de incentivo às empresas, a área econômica do governo corta os poucos recursos existentes hoje no orçamento para alavancar a inovação no setor privado.

No final de março, um decreto presidencial cortou as verbas das ações para o estímulo à inovação propostas no âmbito da lei 10.332/2001, relacionada ao Fundo Setorial Verde-Amarelo.

O programa de equalização de juros da Finep sofreu um corte de 42% — dos R$ 40,9 milhões previstos, restaram R$ 23,9 milhões. O incentivo às empresas tecnológicas foi o que sofreu maior perda: 92%.

Agora, a Finep tem apenas R$ 1,3 milhão para empregar na participação no capital de empresas de base tecnológica. A subvenção econômica para as empresas perdeu R$ 1 milhão do total de R$ 3,6 milhões previstos inicialmente.

Por fim, na rubrica garantia de liquidez para fundos de capital de risco, a redução foi de R$ 500 milhões — dos R$ 2 milhões orçados, o decreto presidencial deixou apenas R$ 1,5 milhão.

Com isso, os programas de incentivo à inovação nas empresas têm agora apenas R$ 29,3 milhões do total de R$ 63,8 milhões que constavam na Lei Orçamentária deste ano. O jornal Valor Econômico de 2 de maio conta que o MCT pretende reaver o dinheiro por meio de um projeto de lei a ser enviado ao Congresso.
 

Fonte: Inovação Unicamp, Janaína Simões, 5/5/2005


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