Crônica
Esquadrinhando os jornais pude constatar um processo típico desta era dita "neoliberal": a interferência cada vez mais ostensiva do mundo midiático virtual sobre a nossa dura e prosaica realidade cotidiana. Afinal de contas, mesmo ciente das agruras que a esfera privada inflige ao espaço público, quem poderia imaginar que em pleno século 21 a decantada "aldeia global" servisse apenas de passarela eletrônica para o fetiche da mercadoria? O gosto pelo banal e o fait divers, por certo, não é nenhuma novidade na história burguesa. Ele nasce junto com a própria imprensa na Europa, consolida-se nos folhetins do século 19 e torna-se hegemônico no século 20 com a ascensão da "indústria do entretenimento", um dos maiores investimentos da moderna economia capitalista. Seu tema, quase sempre, é a vida (de preferência, exótica ou escandalosa) dos artistas e personalidades globais - o que hoje também inclui estrelas do futebol (Beckham e Ronaldo que o digam) e desportistas em geral. Os tablóides ingleses e os paparazzi italianos são dois ícones eloqüentes desse processo. Na própria sede do atual império, quantas matérias não têm sido dedicadas às peripécias sexuais de seus presidentes, desde o esfuziante caso de Kennedy com Marilyn Monroe até o rumoroso episódio de Clinton com uma estagiária da Casa Branca? O que diferencia a nossa época não é, pois, a obsessão pelos tititis daqui ou de acolá, mas sim a irrefreável invasão da realidade pelo universo virtual da mídia. Enquanto os sem-terra marchavam em busca de soluções para a justíssima causa da reforma agrária no Brasil, com que se deleitava a "opinião pública" nacional? Sem falar da novela Ronaldo & Cicarelli, um prato cheio para o nosso edificante jornalismo, ou da visita da senhorita Rice à colônia (que, não por acaso, foi saudada por virulentos ataques a Chávez nos mais reacionários magazines), tudo o mais eram refrações da telegenia pasteurizada que nos servem de bandeja a cada minuto. O patético cenário pode ser muito bem resumido no "drama" que uma ex-BBB (a mais nova categoria de aposentados em Tupinicópolis) "protagoniza": deverá ela posar nua para a Playboy ou aceitar o convite para substituir Xuxa no posto de "rainha dos baixinhos"?
No reino do
faz-de-conta, a vida é assim: sob a égide do Big Brother Mercado, seus 15
minutos de fama servirão somente para vender um novo produto, talvez uma
reluzente prótese para suas nádegas ou, quem sabe, a própria educação dos
filhos pelas protuberantes titias da telinha.
* Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e
professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-Americana pela
Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña?
(Editora Ciencias Sociales, Cuba). Fonte: BrasildeFato, 19/05/2005 |