Crônica
No reino do faz-de-conta

Luiz Ricardo Leitão*
 


A marcha dos trabalhadores semterra logrou ocupar algum espaço no poderoso latifúndio da mídia tupiniquim, essa enorme sesmaria controlada por meia dúzia de "modernos" coronéis da burguesia nativa, quase sempre em sólida parceria com alguma corporação transnacional. É claro que boa parte dos editores de plantão apenas se interessou em saber como - e de onde - a direção do MST obteve recursos materiais e financeiros para organizar a iniciativa. Até os "colunistas sociais", mestres na arte de destilar veneno em três ou quatro linhas, trataram de lançar suas farpas contra o movimento, disparando ironias furiosas acerca dos ônibus ou computadores que algumas prefeituras e ONGs cederam aos lavradores.

Esquadrinhando os jornais pude constatar um processo típico desta era dita "neoliberal": a interferência cada vez mais ostensiva do mundo midiático virtual sobre a nossa dura e prosaica realidade cotidiana. Afinal de contas, mesmo ciente das agruras que a esfera privada inflige ao espaço público, quem poderia imaginar que em pleno século 21 a decantada "aldeia global" servisse apenas de passarela eletrônica para o fetiche da mercadoria?

O gosto pelo banal e o fait divers, por certo, não é nenhuma novidade na história burguesa. Ele nasce junto com a própria imprensa na Europa, consolida-se nos folhetins do século 19 e torna-se hegemônico no século 20 com a ascensão da "indústria do entretenimento", um dos maiores investimentos da moderna economia capitalista. Seu tema, quase sempre, é a vida (de preferência, exótica ou escandalosa) dos artistas e personalidades globais - o que hoje também inclui estrelas do futebol (Beckham e Ronaldo que o digam) e desportistas em geral. Os tablóides ingleses e os paparazzi italianos são dois ícones eloqüentes desse processo. Na própria sede do atual império, quantas matérias não têm sido dedicadas às peripécias sexuais de seus presidentes, desde o esfuziante caso de Kennedy com Marilyn Monroe até o rumoroso episódio de Clinton com uma estagiária da Casa Branca?

O que diferencia a nossa época não é, pois, a obsessão pelos tititis daqui ou de acolá, mas sim a irrefreável invasão da realidade pelo universo virtual da mídia. Enquanto os sem-terra marchavam em busca de soluções para a justíssima causa da reforma agrária no Brasil, com que se deleitava a "opinião pública" nacional? Sem falar da novela Ronaldo & Cicarelli, um prato cheio para o nosso edificante jornalismo, ou da visita da senhorita Rice à colônia (que, não por acaso, foi saudada por virulentos ataques a Chávez nos mais reacionários magazines), tudo o mais eram refrações da telegenia pasteurizada que nos servem de bandeja a cada minuto. O patético cenário pode ser muito bem resumido no "drama" que uma ex-BBB (a mais nova categoria de aposentados em Tupinicópolis) "protagoniza": deverá ela posar nua para a Playboy ou aceitar o convite para substituir Xuxa no posto de "rainha dos baixinhos"?

No reino do faz-de-conta, a vida é assim: sob a égide do Big Brother Mercado, seus 15 minutos de fama servirão somente para vender um novo produto, talvez uma reluzente prótese para suas nádegas ou, quem sabe, a própria educação dos filhos pelas protuberantes titias da telinha.
 

* Luiz Ricardo Leitão é editor, escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Literatura Latino-Americana pela Universidade de La Habana, é autor de ¿A dónde va la telenovela brasileña? (Editora Ciencias Sociales, Cuba).
 

Fonte: BrasildeFato, 19/05/2005


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