CRÔNICA
Se
não conhecer as regras, poderá um aluno escrever bem e, conseqüentemente,
É verdade que há conhecimentos obrigatórios para quem pretende construir um bom texto. Mas o que se aprende nas aulas de “português” raramente é utilizado na vida prática. Veja, por exemplo, a conjugação de verbo. Por que ela é difícil? Porque tem o tu e o vós. Se tivéssemos de lidar somente com o eu, o você, o nós e o eles, como acontece na vida real, tudo seria mais fácil. Quem, além dos gaúchos, utiliza o tu e o vós na conversação, ou mesmo na escrita? Há mais de trinta anos faço redações e nunca, exceto neste texto, utilizei as palavras tu e vós! É justo que qualquer ser humano tenha a liberdade para buscar os fundamentos de seu idioma, no tocante à formação das palavras, à estrutura das frases e às leis gramaticais, bem como o atleta deve ser livre para conhecer o funcionamento de seu instrumento de trabalho. Mas é absurdo obrigar alguém a tornar-se especialista nessas complicações. As autoridades do ensino deveriam saber que há aspectos da linguagem mais urgentes e substanciais a serem aplicadas em sala de aula e também fora da escola. Um sujeito pode escrever ou falar muito bem sem saber o que é gerúndio ou particípio, da mesma forma que um fundista não tem necessidade de saber quantos ATPs ele gasta para percorrer mil metros e vencer a corrida. O que ele precisa é de é inspiração, motivação e muita ginástica. Mas onde se adquire capacidade de expressão? Se não conhecer as regras, como um aluno poderá escrever bem e, conseqüentemente, comunicar-se adequadamente? A resposta é simples: lendo, escrevendo e falando, da mesma forma que o fundista corre, salta, rola, e nesse exercício descobre como dar aerodinâmica ao próprio corpo. Há regras que precisam ser conhecidas, caso contrário o texto fica horrível. Há “macetes” imprescindíveis a um bom redator, e há conhecimentos essenciais a um bom orador. Mas são coisas que apenas exercícios de produção e leitura de textos, ou uma vida de trabalho árduo, podem proporcionar. Se não concorda comigo, teste uma turma de jornalistas recém-formados, verifique quantos são capazes de domar um texto. Eles têm aulas de português, mas a maioria sai da faculdade com grande dificuldade em harmonizar num mesmo parágrafo a forma, o conteúdo e a regra gramatical. Os estudantes precisam ler, escrever e falar sobre o que leram todos os dias. E deixar as regras do tu, do vós, do gerúndio, do particípio, do fonema, do lexema, da voz passiva, do verbo defectivo, para o ano que antecede o vestibular — já que as universidades não abrem mão desse jogo idiota, como se com ele pudessem comprovar que um indivíduo é mais inteligente que o outro, e como se houvesse algum valor real nessa distinção. Na matemática a situação é a mesma. Os professores dizem que ela desenvolve o raciocínio, e se põem a ensinar equações de 2o grau, logaritmo, matrizes, derivadas, Binômio de Newton! Coisas horríveis para pessoas que estão descobrindo a vida. Há outros modos mais divertidos e eficazes de desenvolver o raciocínio. Os alunos de 1o e 2o Graus deveriam passar os anos escolares divertindo-se com jogos que ajudam a melhorar o desempenho mental, não com os ásperos logaritmos, as indecifráveis derivadas, as horríveis matrizes. Algum dia, caro leitor, você fez uso de uma equação de 2o grau em suas atividades cotidianas? Aplicou logaritmo na compra de uma geladeira? Utilizou derivadas na venda de um guarda-roupas?
Fonte: Ag. Carta Maior, Arte & Cultura,Chico Guil, 26/2/2007. |