REFORMA UNIVERSITÁRIA
Entidade dos professores universitários desaprova retirada de mecanismos de controle do Estado sobre as instituições privadas, entre outras medidas. UNE faz uma avaliação geral positiva sobre nova versão do projeto, mas também identifica recuos no controle público sobre o setor privado. Desde o anúncio da intenção do governo federal em fazer uma reforma no ensino superior, os movimentos da área de educação (professores, servidores, estudantes) e os empresários do setor travam acirrada disputa pelo formato final da proposta. Após a divulgação da segunda versão do anteprojeto de Lei Orgânica da Educação Superior, ocorrida esta semana, a avaliação geral de grande parte dos defensores da educação pública e gratuita é de que perderam mais uma batalha. Depois da aprovação das Parcerias Público-Privadas, do Programa Universidade para Todos e da Lei de Inovação Tecnológica, apesar do questionamento das organizações de trabalhadores e estudantes, o governo federal novamente acena uma permeabilidade maior às demandas dos empresários. Na nova versão não constam mais os mencanismos de controle do Estado sobre as mantenedoras da instituições privadas de ensino superior. Foi extinta toda a seção I do capítulo 3, que previa, nestas escolas, a existência de um conselho administrativo composto por no máximo 20% de representantes das mantenedoras e no mínimo 30% de doutores ou profissionais com experiência educacional. O texto também estipulava a eleição de pelo menos um dirigente de forma direta e que qualquer alteração no patrimônio das emrpesas teria de ser comunicada e aprovada pelo Ministério da Educação. Na nova versão do texto, foram excluídas a criação dos conselhos administrativos e a necessidade de eleição direta de dirigentes das universidades e dos centros universitários particulares. Esses conselhos, que seriam responsáveis pela parte administrativa e acadêmica, teriam no máximo 20% de representantes das mantenedoras. “Agora, volta a reinar a livre iniciativa sem restrições ou obstáculos aos negócios!”, critica nota divulgada pelo Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES-SN). A argumentação usada pelo Secretário-Executivo do MEC, Fernando Haddad, foi de que os mecanismos estabelecidos seriam inconstituicionais. Questionada pela Carta Maior, a assessoria do ministério não havia respondido quais medidas seriam inconstitucionais e por que até o fechamento desta matéria. Para a professora da UFF, Marina Barbosa, presidente do ANDES-SN, o projeto fortalece a educação com fins lucrativos em uma série de outras medidas. Ela cita o prazo de oito anos que as faculdades irão possuir para se tornarem universidades e a baixa exigência de doutores, 25% para universidades e 12% para universidades especializadas em alguma área. A direção do ANDES-SN avalia negativamente também a instituicionalização da pós-graduação de cunho profissional e dos centros universitários. “A nova versão institucionaliza essas exóticas instituições [os centros] de modo definitivo e confere-lhes amplas prerrogativas de autonomia”, afirma a nota da entidade. Segundo Marina Barbosa, o governo irá incentivar a expansão do ensino pago também por meio da continuidade do recurso da isenção fiscal, muito usado no caso das filantrópicas. “Ao aferir isenção, o Estado deixa de aumentar o bolo orçamentário que é redistribuído por meio de serviços públicos”, explica. Ela critica também o dispositivo do oferecimento de bolsas por meio de isenção, previsto no Prouni e ratificado pela Lei Orgânica. Para a professora, a isenção pode gerar inclusive graves distorções regionais, pois grande parte das empresas do Norte e Nordeste já operam nestes locais com isenção, pois foi este benefício que as levou a ir para lá e não para o Sul e Sudeste. Falta de recursos para o ensino público Para o Andes-SN, em consonância com o fortalecimento do ensino pago, o governo opera um discurso de expansão da educação pública sem garantir condições para isso. A proposta do MEC prevê a recuperação da meta do Plano Nacional de Educação de participação do ensino público com 40% das vagas ofertadas até 2011. A principal crítica é a ausência de um novo padrão de financiamento que garanta isso. Marina Barbosa argumenta que a segunda versão retrocede em relação a primeira na única salvaguarda que exigia o aumento progressivo do orçamento anualmente. “A primeira versão previa que o montante de um ano não podia ser inferior ao do anterior, o que agora foi retirado”, afirma. Ela explica que a proposta de subvinculação de 75% dos 18% do orçamento da União reservados para a área não pode ser analisada sem considerar os problemas de arrecadação do governo e a Desvinculação de Recursos da União, aprovada em 2003 como parte da Reforma Tributária. A DRU prevê que o governo pode contingenciar 20% do orçamento anual da educação para pagamento da dívida externa brasileira. Segundo a professora, hoje os 75% dos 18% significariam menos do que o orçamento já destinado para a educação. “O MEC argumenta que não há recursos para expandir o ensino público, mas a destinação de 7,26% do PIB para pagamento de dívida [superávit primário anunciado esta semana] demonstra que falta vontade política em fortalecer o ensino público”, diz. Hoje, a verba destinada para a educação soma 4,25% do PIB brasileiro, 58,5% do superávit primário (7,26%) informado pelo governo esta semana. O MEC argumenta que o projeto avança no aumento de recursos, pois retira os servidores da folha do ministério, liberando mais verba para outros custos. O ANDES-SN questionou de onde sairia esta verba. Procurada pela Carta Maior, a assessoria do MEC também não se pronunciou sobre esta questão até o fechamento desta matéria. Outro ponto que traz receio aos professores na discussão sobre expansão do ensino público é a inserção da educação à distância na nova versão do projeto. Hoje, esta forma de ensino é a que gera maior aumento de vagas nas universidades públicas. O medo é de que seja por meio dela que o MEC e as instituições busquem a meta de reprsentar os 40% do total de vagas ofertadas até 2011. Outra medida pensada pelo Ministério foi a possibilidade de converter dividendos dos Estados em investimentos na área da educação superior. Mas a proposta não encontra consenso nem dentro do próprio governo. No dia 31, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, criticou a parte do projeto que fala nesta possibilidade argumentando que seria uma forma equivocada de estimular o investimento em educação. Em nota de esclarecimento, o ministro Tarso Genro afirmou que “não há nenhuma comprovação empírica, nenhum precedente histórico e nenhum suporte teórico, acadêmico ou não, que aponte que investimentos em educação, de qualquer natureza, sejam prejudiciais à saúde macroeconômica do País”. Concepção de democracia De acordo com Marina Barbosa, a concepção de democracia do MEC é bastante relativa, tanto no que toca aos pontos do projeto quanto ao processo de discussão dele. Ela critica o artigo que mantém o peso maior dos professores nas eleições para reitor, afirmando ser um retrocesso frente à reivindicação de eleições paritárias feita por servidores e estudantes. Em relação à discussão do anteprojeto, festejada pelo MEC como um exemplo de democracia, a professora afirma que o ministério só discute com quem concorda com sua política. “Se fosse assim, a maioria das mães abandonaria seus filhos aos cinco anos”, brinca. O ANDES-SN e outras instituições, como as estaduais paulistas, não foram chamadas para as negociações que vêm acontecendo com mais de 100 entidades da sociedade civil organizada sob a argumentação de que, se o sindicato é contra esta proposta, então não pode discuti-la. Para Barbosa, a disputa sobre os rumos da reforma será difícil. Ela diz que há peculiariedade do governo Lula e que isso gera conseqüências diretas nas entidades, que já não conseguem atuar com a mesma unidade da era FHC. De acordo com a professora, o ANDES-SN busca agora um esforço de rearticulação do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, espaço que congrega entidades como a União Nacional dos Estudantes, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e a Federação dos Servidores Universitários do Brasil (FASUBRA). “O trabalho já começa este fim de semana, no encontro da Associação Nacional pela Formação de Profissionais em Educação (ANFOPE), que tem interesse direto em pontos críticos do anteprojeto como a autorização da educação à distância para a formação de professores”, informa. A posição dos estudantes Diferente dos professores, a direção majoritária da UNE faz uma avaliação geral postiva no projeto. “Mesmo com recuos, o texto melhora em relação ao que está colocado hoje, fortalece a universidade pública e estabalece controle sobre as privadas”, afirma o presidente da entidade, Gustavo Petta. Ele critica a retirada dos mecanismos de controle sobre o ensino privado, principalmente no que se refere aos conselhos administrativos que seriam criados no âmbito das mantenedoras e à eleição de pró-reitores de forma direta nestas faculdades. No entanto, Petta avalia que a nova versão do projeto incorpora algumas das principais reivindicações dos estudantes, como a garantia de recursos para asssistência estudantil como restaurantes, moradia, bibliotecas qualificadas, creches, bolsas de permanência e transporte. A nova versão estipula que 5% do orçamento global das universidades deve ser destinado este fim. Apesar de considerar importante, o presidente da UNE assume que a verba é ainda insuficiente. “Vamos mobilizar os estudantes para aumentar este percentual, que deve ser de pelo menos 9%”, afirma. A preocupaçao de Petta tem fundamento. Se hoje a asssitência estudantil já é importante, se houver um real processo de inclusão de alunos de baixa renda no ensino superior por meio da expansão das vagas na rede pública isso irá demandar mais verba para manter estas pessoas na universidae e evitar a evasão, grande problema hoje nas instituições públicas. A presença destas pessoas, que estava mais assegurada na primeira versão, com a reserva de vagas para estudantes de escola pública, no novo documento virou uma meta para ser atingida em 10 anos. A argumentação do MEC é de que já há um projeto com este teor tramitando no Congresso e de que não havia necessidade de duplicar a proposta na Lei Orgânica. Para Gustavo Petta, a tática do governo tem chances de funcionar pois há mais possibilidade de o projeto de cotas passar sozinho do que atrelado ao anteprojeto do MEC. “Além disso, se aprovado ele terá validade imediata, e no projeto estava previsto um prazo longo, de 10 anos”, defende. O dirigente estudantil também avaliou postitivamente a reserva de um limite mínimo de 1/3 das vagas para o ensino noturno e o aumento de 45 para 120 dias o prazo de anúncio por parte das direções de instituições privadas das propostas de reajuste na mensalidade. “Isso evita que os donos das faculdades anunciem os aumentos logo antes das férias, o que desmobiliza a resistência dos estudantes”, analisa. Mas para a direção da UNE, ainda é preciso avançar mais. “A UNE acredita que deveria haver no Anteprojeto o condicionamento do reajuste a uma negociação obrigatória entre as instituições, o movimento estudantil, e as associações de pais, impossibilitando a simples imposição de aumentos abusivos nas universidades particulares, como ocorre atualmente”, diz nota da entidade. Para o diretor de Políticas Universitárias da UNE e representante do campo Contraponto (de oposição à majoritária), Rodrigo Pereira, a proposta do MEC possui viés progressista, mas conteúdo conservador. Assim como no caso do ANDES-SN, Pereira critica duramente o que chama de “falsa regulação do ensino privado”, representada em medidas como a instituicionalização dos centros universitários e a ausência de mecanismos de controle real “para que as privadas não promovam aumentos abusivos de mensalidade”. O estudante questiona também a incorporação do ensino à distância, pois considera ser de péssima qualidade e não incentivar o diálogo. “Com aulões como os telecursos, não há discussão, só decoreba de conteúdo”, argumenta.
Segudo Rodrigo
Pereira, um dos grandes problemas do projeto é a correlação de forças do
Congresso Nacional. “Quando chegar no parlamento, os tímidos pontos
positivos serão facilmente derrubados pelo lobby dos donos das
particulares”, prevê. Ele cita como exemplo a provável diminuição da
limitação de 30% de presença de capital estrangeiro nas instituições
públicas citando o caso do Programa Universidade para Todos. “O governo
começou dizendo que seriam 20% de bolsas integrais e quando foi aprovado, o
texto final falava apenas em 8%”, lembra. Para o estudante, a UNE deveria
lutar pelo não envio da proposta ao Congresso e não disputá-lo no governo e
no parlamento. “Esta tática não unifica o movimento estudantil e enfraquece
nossas mobilizações para garantir as bandeiras históricas”, completa. Fonte: Ag. Carta Maior, Jonas Valente, 04/06/2005. |