Reforma
e desafios da universidade pública
Aos
desafios que a universidade pública brasileira tem pela frente, no contexto
de uma sociedade que ainda não descobriu de todo a importância da educação e
da ciência para o seu desenvolvimento, soma-se este mais recente, pontual,
mas não menos laborioso: o de uma reforma universitária que, ainda em estado
de anteprojeto, clama por uma "reforma de si mesma", capaz de convertê-la em
um plano estratégico para o ensino superior. Ao mérito de vir colocar ênfase na discussão do ensino superior no país, o que há muito não se fazia, o anteprojeto avança na questão do financiamento das universidades federais e de seu acesso ao regime de autonomia financeira, até aqui só praticado em plenitude pelas universidades estaduais paulistas. Ao lado desses pontos, entretanto, coexistem propostas no mínimo discutíveis que colaboram para a constatação de que, como diz o documento da Unicamp, "o anteprojeto não contém uma estratégia para o efetivo desenvolvimento do ensino superior no Brasil".
Se o
anteprojeto exprime vagamente o propósito de aumentar a abrangência social
do ensino superior, o que é justo e necessário, nada há ali sobre as ações
que o Estado deveria tomar para melhorar o ensino médio e desenvolver
qualitativamente o ensino fundamental. Escolhe-se começar a reforma do
edifício da educação brasileira não pelo alicerce e pelas fundações, como
seria recomendável, mas pelos andares superiores. Ou seja, fixa-se um
sistema de reserva de vagas na graduação e espera-se que esse paliativo dê
ao edifício uma aparência mais sólida e atraente, mesmo sobre uma base
frágil. A este último reclamo se opõem alguns obstáculos conjunturais sérios, como o decrescente investimento federal na manutenção da pesquisa, a participação crescente do setor privado nos recursos públicos (exemplo: a estatização de 100 mil vagas nas universidades particulares em 2005), certa renitente campanha contra a universidade pública e, por fim, uma política de inclusão que não leva em conta as causas da exclusão, especialmente, como já foi mencionado, o baixo desempenho do ensino fundamental e médio – além das conseqüências decorrentes da má distribuição de renda e da falta de justiça social. Ainda assim, a universidade pública sabe que não pode eludir as grandes demandas de seu tempo. A principal delas é continuar ampliando o número de vagas em seus cursos, especialmente na graduação, criando mais oportunidades com planejamento adequado e provisão de meios. Outra é, no contexto dessa expansão, encontrar formas de promover a inclusão social – e a maneira mais adequada é incluir a escola pública – sem depreciação da qualidade e do mérito acadêmico (a Unicamp o fez recentemente, através de um programa de ação afirmativa que não reproduz o sistema de cotas).
Em
paralelo, é patente a necessidade de a universidade pública fazer chegar à
população, em grau maior, os frutos do conhecimento nela gerado. Uma tarefa
nobilíssima e urgente, por exemplo, é o seu envolvimento mais profundo na
qualificação de professores das redes de ensino, seja por meio dos programas
governamentais (de que a Teia do Saber, em São Paulo, é um exemplo notável),
seja por meio de iniciativas institucionais próprias.
* José Tadeu Jorge, 52,
engenheiro de alimentos e professor titular da Faculdade de Engenharia
Agrícola da Unicamp, toma posse hoje como reitor da universidade. Fonte: Folha de S. Paulo, 19/04/2005. |