O recuo do recuo do recuo
Eliane Cantahêde*

 

O governo ganhou num dia com o rompimento do acordo com o FMI e perdeu no dia seguinte ao ser obrigado a jogar no lixo a medida provisória que corrigia a tabela do Imposto de Renda, de um lado, e aumentava o imposto de prestadores de serviço e profissionais liberais de outro. Nos dois casos, rendeu-se à pressão da opinião pública. O "fora FMI" e o "basta de impostos" têm um bom apelo popular.

Lula e seu governo, portanto, estão perdidos na articulação político-partidária e tentam compensar "conversando" diretamente com o eleitor. Lula se acha expert nisso, e talvez seja mesmo, mas política não se faz só assim.

Partidos e parlamentares, por mais que estejam em baixa, são eleitos diretamente e representam o interesse, as ansiedades e as inclinações da maioria. Têm de ser respeitados. Não era o que vinha acontecendo no atual governo. Como é sobejamente sabido, Lula é um político que tem profundo desdém por políticos. Mas precisa deles. E precisa entender que não adianta sair comprando um por um, numa "política de varejo" que o PT condenou durante décadas.

As negociações políticas envolvem também cargos e liberações de verbas em qualquer lugar do mundo, mas não são apenas isso. E não são feitas a granel, têm de ser feitas institucionalmente - governo com partidos, partidos com partidos.

Em vez de acertar carguinhos e cargões com parlamentares duvidosos como Janenes e Pedros Corrêa, do PP, ou Borbas, do PMDB, é mais prudente e correto conversar com as cúpulas partidárias. E, para compor, não precisa engolir goela abaixo senadores cheios de suspeitas e histórias mal contadas, como o senador Romero Jucá - única nomeação da tal "reforma ministerial".

Enquanto atrai elogios pelo rompimento com o FMI, depois de quatro acordos em sete anos, o governo tenta recuar dessas práticas velhas e inúteis e recompor sua base política, que anda em frangalhos. Lula, pessoalmente, conversa com PL, PTB e PP. José Dirceu passa a mão na cabeça de Roseana Sarney (que rompeu com o PFL para virar ministra e ficou no limbo) e visita o PMDB de oposição (por exemplo: Eliseu Padilha, homem de FHC), além de líderes do PSDB e do PFL.

Essas providências, porém, vêm depois da derrota para Severino Cavalcanti na presidência da Câmara, dos aumentos de gastos públicos por votações atrapalhadas, da reforma ministerial que consumiu meio ano para nada, da ambição desenfreada de aliados desleais. "Depois da casa arrombada..."

Pode dar certo? Poder sempre pode, mas é difícil. Parece tarde demais para voltar a ter controle da situação política, da base parlamentar e das negociações institucionais.

Como diz o deputado Roberto Brant (PFL-MG), respeitado à direita e à esquerda no Congresso: "Governos se sustentam e são vitoriosos pela credibilidade, pela simbologia, pelo respeito. Depois que perdem, não recuperam mais. Ainda mais no caso do PT, que gerou enormes expectativas".

Expulso do baile

Por falar nisso, e o PT? A última grande notícia que se tem é que o Diretório Municipal do partido em São Paulo expulsou o vereador Carlos Giannazi por desobedecer a orientação petista de votar no dissidente tucano na eleição para a presidência da Câmara de Vereadores. Nessa bagunça toda, seria cômico, não fosse trágico.

Para o deputado federal Ivan Valente, que articula um grupo de esquerda do PT, essa demonstração de força confirma "a formação de oligarquias partidárias que só pensam nos seus interesses próprios e que não suporta críticas e divergências". Estava se referindo ao pessoal de Marta Suplicy e, de quebra, ao pessoal que está no poder com Lula.

Para ficar bem claro: quem diz é ele, Ivan Valente. E ele é... do PT.

 

* Eliane Cantahêde é colunista da Folha. Escreve para a F. Online às quartas-feiras.

Fonte: Folha Online, 30/03/2005.


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