Por que o rebotalho dá as
cartas
Se a ligeireza e a patifaria dominam a
política brasileira,
O primeiro trecho é do artigo publicado por Eliane Catanhêde na Folha de S. Paulo no dia 18 de fevereiro: "Não foi um eleitor descrente, um jornalista cáustico ou um deputado qualquer, mas, sim, o próprio presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), quem admitiu que o troca-troca entre partidos não é à toa, mas em espécie: 'Um recebe dez, outro recebe quinze, outro recebe vinte...', disse à Folha. 'Vinte o quê? Reais?', perguntei. E ele, claríssimo: 'Vinte mil, trinta mil' ". O segundo trecho apareceu na coluna de Ancelmo Gois no O Globo de 4 de janeiro: "São tenebrosos os relatos de quem passou a madrugada no Congresso para aprovar o Orçamento de 2005 na última sessão do ano passado. Há registro de negociações de relatórios e de modificações de destino de verbas de até R$ 500 mil para deputados a título de comissão. Na última sessão, lobistas de empreiteiras agiam livremente. (...) Aliás, já está na hora de fazer uma nova CPI do Orçamento, como aquela que levou à cassação dos deputados-anões". Por fim, aí vão as linhas iniciais da coluna de Dora Kramer, no O Estado de S. Paulo da última quarta-feira, 9: "Invocando a condição de 'partido do presidente da Câmara dos Deputados, o qual o presidente da República gostará de ver aliado ao governo', o PP reclama direito à ocupação de ministérios de 'porteira fechada' – no molde das fazendas vendidas com o gado dentro. A exigência é explícita por estruturas ministeriais postas inteiramente, de cima a baixo, à disposição da sanha de um partido cujo mérito inequívoco aqui é o de ter inaugurado uma nova modalidade de fisiologismo de aplicação direta. Na veia". Será que ninguém está percebendo? Ou melhor, percebendo está, mas será que está levando na devida conta o novo patamar de ligeireza e patifaria que se está atingindo? Mais de doze anos depois da deposição de Fernando Collor, e da redenção dos costumes políticos que os mais esperançosos – ou mais ingênuos – vislumbraram à época, eis-nos a nos lambuzar num melado de degenerescência remanescente daqueles dias. Se o troca-troca de partidos e as barganhas da chamada reforma ministerial foram e continuam sendo fartamente noticiados, o mesmo não se dá com as manobras da Comissão de Orçamento. Isso se deve em parte à opção preferencial da imprensa pelo meramente político, em detrimento dos assuntos com conteúdo técnico, como é o Orçamento, mas não apenas. Deve-se também ao fato de as oportunidades para a prática da prevaricação serem múltiplas. Fixa-se a atenção em uma e outra passa por baixo da perna. Corre-se atrás da outra e uma terceira se consuma no impenetrável do escondidinho. O fato de o PT e o PSDB se colocarem em pólos opostos, como os dois grandes rivais da política brasileira, facilita os movimentos dos que estão na vida pública atrás de negócios e oportunidades. Explica-se. Esses dois partidos são os que concentram o maior número de pessoas com bons níveis de qualificação técnica e intelectual e de decência pessoal. Não são lá uma esquadra inglesa, mas vá lá – são o que temos. Juntos, poderiam se opor ao rebotalho. Separados, precisam se unir a ele. O PSDB se uniu ao rebotalho para enfrentar o PT, quando estava no governo. Agora é o PT que a ele se une, para enfrentar o PSDB. O resultado é o espetáculo triste e cansativo do troca-troca partidário ("Vinte mil, trinta mil"), da eleição de pessoas inadequadas para a direção da Câmara ou do Senado, da exigência de ministérios com "porteira fechada" por parte de facções de escassa representatividade e duvidosa reputação.
Muita coisa une o PT e o PSDB. Inclusive,
desde que o PT assumiu o poder, o grosso da linha doutrinária. Separa-os
algo mais importante do que as doutrinas, mais decisivo do que as
ideologias: a disputa pelo poder. Seria impensável, a esta altura, uma
união, porque não há hipótese de um ficar a reboque do outro. Resta que,
como nenhum tem, nem, até onde a vista alcança, terá, maioria no esfacelado
quadro partidário brasileiro, é destino de um e de outro, quando no poder,
amparar-se no largo regaço da banda podre da política nacional, sempre
atenta às oportunidades, sedenta de transações e com incorrigível inclinação
à chantagem. Azar do Brasil.
* Jornalista desde 1966, Roberto Pompeu de Toledo trabalhou em vários órgãos da imprensa diária e semanal do País. Foi editor-executivo do Jornal do Brasil e correspondente da revista Veja em Paris, e, como editor especial da Veja, faz reportagens especiais e mantém uma coluna na revista, publicada na última página, a cada dois números. Fonte: Revista Veja, Edição nº 1896, 16/03/2005. |