Químico que deu Nobel a colegas hoje dirige uma van

 

 

 

Douglas Prasher isolou o gene da proteína fluorescente, descoberta laureada em 2008. Americano teve proposta para estudar gene recusada, mas deu seus resultados a vencedores
do prêmio; hoje ele ganha US$ 10 por hora
 

Em um par de meses, Roger Tsien e Martin Chalfie irão para Estocolmo para receber o Prêmio Nobel de Química e embolsar US$ 450 mil cada um em reconhecimento por terem desenvolvido uma técnica revolucionária que ilumina as funções internas das células.

Enquanto isso, o cientista que forneceu a peça essencial que tornou o trabalho de Tsien e Chalfie possível – um gene de água-viva que produz uma proteína fluorescente – não está mais fazendo ciência.

Douglas Prasher, que conduziu suas pesquisas sobre a água-viva Aequorea victoria quando trabalhava na Instituição Oceanográfica de Woods Hole, em Massachusetts (EUA), hoje dirige uma van de cortesia para uma concessionária de veículos em Huntsville, Alabama. Ele ganha US$ 10 por hora.

Ele disse que não tem raiva ou ciúmes dos laureados deste ano: Tsien, da Universidade da Califórnia, Chalfie, da Universidade Columbia (Nova York) e Osamu Shimomura, que descobriu a proteína, em 1961.  

No entanto, se as coisas tivessem sido um pouquinho diferentes, Prasher, 57, poderia ter compartilhado a glória.  

Formado em bioquímica, Prasher tinha interesse em estudar como alguns animais são capazes de emitir luz. No final dos anos 1980, ele pediu aos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA uma verba de cinco anos para procurar o gene da proteína fluorescente.

Ele diz que sua proposta incluía especulações sobre como a proteína poderia ser usada como um marcador para iluminar estruturas das células. "Isso certamente teria sido meu projeto de pesquisa", disse. "Eu sabia que ela poderia servir como um marcador genético e que ela seria muito, muito útil, como revelou ser, de fato." Mas a proposta foi recusada.

Uma proposta paralela à Sociedade Americana do Câncer foi aceita, mas ela só deu a Prasher dois anos de financiamento. Tempo o bastante para que Prasher pescasse milhares de águas-vivas das águas de Friday Harbor, em Washington, e isolasse o gene.

No entanto, naquela época Prasher já havia decidido que Woods Hole não era o lugar para ele. Foi procurar outro emprego e largou a água-viva. Chalfie e Tsien contataram Prasher independentemente, perguntando-lhe sobre o gene da água-viva. Prasher generosamente entregou-o a ambos.

Desemprego

Então, Prasher foi trabalhar para o Departamento de Agricultura dos EUA. Mais uma vez, ele não estava feliz, e começava a ter surtos de depressão. A próxima parada seria Huntsville. Ali, ele trabalhou para uma empresa subcontratada da Nasa para desenvolver minilaboratórios de química, que seriam necessários para diagnósticos de saúde em missões a Marte.

Mas a Nasa eliminou o financiamento para o projeto, e Prasher ficou desempregado. Por razões familiares, ficou em Huntsville, o que limita enormemente suas oportunidades de carreira. "Faz-se muito pouca biociência aqui", disse.

A depressão voltou. Depois de um ano de desemprego, ele começou a dirigir a van para a concessionária Bill Penney Toyota, um emprego no qual ele se mantém há um ano e meio.

Na semana passada, o Nobel de Química foi anunciado, Um repórter da Rádio Pública Nacional dos EUA descobriu Prasher e sua história. Ele disse que alguém em Chicago que havia lido a história ligou para ele e lhe ofereceu um cheque.

Prasher – que disse à rádio que Chalfie e Tsien deveriam lhe pagar um jantar se fossem a Huntsville – também disse, talvez de forma um tanto surpreendente, que ele teria ficado desconfortável se tivesse sido selecionado para o Nobel, eliminando um dos outros três (são no máximo três ganhadores em cada área).

"Há outras pessoas que mereceram muito mais do que eu", afirmou. "Elas ralaram a vida toda pela ciência, eu não." (Kenneth Chang, do "New York Times")

 

Fonte: Folha de S. Paulo, 18/10/2008.

 


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