Querem nos meter
medo
Todos
diziam que a lei seria aprovada. Os especialistas do universo já
estavam fazendo reservas para celebrar nos melhores restaurantes de
Manhattan. Os compradores particulares em Dallas e Atlanta foram
despachados para fazer as primeiras compras de Natal. Os homens loucos
de Chicago e Miami já estavam abrindo as garrafas e brindando entre
eles muito antes do café da manhã.
Mas o que não
sabiam era que centenas de milhares de estadunidenses tinham acordado
pela manhã e decidido que era tempo de se rebelar. Milhares de
chamadas telefônicas e correios eletrônicos golpearam o Congresso tão
forte como se Marshall Dillon (Comissário Dillon, personagem de uma
série de televisão) e Elliot Ness tivessem descido em Washington D.C.
para deter os saques e prender os ladrões.
A Corporação do
Crime do Século foi detida por 228 votos contra 205. Foi um
acontecimento raro e histórico. Ninguém conseguia lembrar de um
momento onde uma lei apoiada pelo presidente e pelas lideranças de
ambos os partidos fosse derrotada. Isso nunca acontece. Muita gente
está se perguntando por que a ala direita do Partido Republicano se
uniu à ala esquerda do Partido Democrata para votar contra o roubo.
Quarenta por cento dos democratas e dois terços dos republicanos
votaram contra a lei.
Eis o que
aconteceu:
A corrida
presidencial pode estar ainda muito parelha nas pesquisas, mas as
corridas no Congresso estão assinalando uma vitória esmagadora dos
democratas. Poucos questionam a previsão de que os republicanos
receberão uma surra no dia 4 de novembro. As previsões indicam que os
republicanos perderão cerca de 30 cadeiras na Câmara de
Representantes, o que representaria um incrível repúdio a sua agenda.
Os representantes do governo têm tanto medo de perder seus assentos
que, quando apareceu esta “crise financeira” há duas semanas, deram-se
conta que estavam diante de sua única oportunidade de separar-se de
Bush antes da eleição, fazendo algo que fizesse parecer que estavam do
lado da “gente”.
Estava vendo
ontem C-Span, uma das melhores comédias que assisti em anos. Ali
estavam, um republicano depois do outro que apoiaram a guerra e
afundaram o país em uma dívida recorde, que tinham votado para matar
qualquer regulação que mantivesse Wall Street sob controle – ali
estavam, lamentando-se e defendendo o pobre homem comum.Um depois do
outro, usaram o microfone da Câmara baixa e jogaram Bush sob o ônibus,
para baixo do trem (ainda que tenham cotado para retirar os subsídios
aos trens também), diabos, teriam jogado o presidente nas águas
crescentes de Lower Ninth Ward (bairro de Nova Orleans) se
pudessem prever outro furacão.
Os valentes 95
democratas que romperam com Barney Frank e Chris Dodd eram os
verdadeiros heróis, do mesmo modo como aqueles poucos que votaram
contra a guerra em outubro de 2002. Reparem nos comentários dos
republicanos Marcy Kaptur, Sheila Jackson Lee e Dennis Kucinich.
Disseram a verdade. Os democratas que votaram a favor do pacote o
fizeram em grande parte porque estavam temerosos das ameaças de Wall
Street, que se os ricos não recebessem sua dádiva, os mercados
enlouqueceriam e então adeus às pensões que dependem das ações e adeus
aos fundos de aposentadoria. E adivinhem? Isso é exatamente o que fez
Wall Street! A maior queda em um único dia no índice Dow da Bolsa de
Valores de Nova York.
À noite, os
apresentadores de televisão gritavam: os estadunidenses acabaram de
perder 1,2 bilhão de dólares na Bolsa! É o Pearl Harbour financeiro!
Caiu o céu! Gripe aviária! Obviamente, quem conhece a bolsa sabe que
ninguém “perdeu” nada ontem, que os valores sobem e baixam e que isso
também acontecerá porque os ricos compraram agora que estão baixo, os
segurarão, depois os venderão e logo em seguida os comprarão novamente
quando estiverem baixos de novo. Mas, por enquanto, Wall Street e seu
braço de propaganda (as redes de TV e os meios de comunicação que
possuem) continuarão tratando de nos meter medo. Algumas pessoas
perderão seus empregos. Uma débil nação de fantoches não suportará
muito tempo esta tortura. Ou poderemos suportar?
Eis no que
acredito: a liderança democrata na Câmara baixa esperava secretamente
todo o tempo que esta péssima lei fracassasse. Com as propostas de
Bush derrotadas, os democratas sabiam que poderiam então escrever sua
própria lei que não favoreça apenas os 10% mais ricos que estavam
esperando outro lingote de ouro. De modo que a bola está nas mãos da
oposição. O revólver de Wall Street, porém, aponta para suas cabeças.
Antes que dêem o próximo passo, deixem-me dizer no que os meios de
comunicação silenciaram enquanto se debatida essa lei:
1.
A lei de resgate NÃO prevê recursos para o chamado grupo de supervisão
que deve monitorar como Wall Street vai gastar os 700 bilhões de
dólares;
2. A lei NÃO considerava multas,
sanções ou prisão para nenhum executivo que roubar dinheiro público;
3.
A lei NÃO fez nada obrigar aos bancos e aos fundos de empréstimo a
renovar as hipotecas do povo para evitar execuções. Esta lei não
deteria uma sequer execução!
4. Em toda a legislação NÃO havia
nada executável, usando palavras como “sugerido” quando se referiam à
devolução do dinheiro do resgate a ser feito pelo governo.
5.
Mais de 200 economistas escreveram ao Congresso e disseram que esta
lei poderia piorar a crise financeira e provocar ainda MAIS uma
queda.
É hora de nosso
lado estabelecer claramente as leis que queremos aprovar. |