Ninguém quer
descobrir quem fez o "Vídeo da Propina"
A mídia só pensa naquilo – a CPI dos Correios. Corrupção é assunto quente e o impacto produzido pelo "Vídeo da Propina" não permite tergiversação. Aquela conversa tranqüila e camarada entre o corrupto e o corruptor jamais poderia ser reproduzida com tamanha força mesmo que fosse ensaiada, retocada, desenhada ou recriada em computador. Aquela happy hour descompromissada e distendida (faltou o uisquinho e uns salgadinhos) é um flagrante inédito, impressionante e definitivo da vexatória e fraterna convivência entre a máquina corruptora e a máquina corrompida depois do expediente. O "Vídeo da Propina" ganharia fácil um Oscar ou a Palma de Ouro de Denúncia se tal categoria existisse num festival de cinema ou TV. No entanto, nem a mídia (que o divulgou) nem o governo (do qual é vitima) perceberam que o "Vídeo da Propina" é muito mais do que o ponto de partida para o desvendamento de um tenebroso episódio da nossa vida política. Poderia ser, além disso, o meio através do qual as primeiras investigações pudessem ganhar tal velocidade que tornaria secundária a CPI. Para isso bastaria que tanto a imprensa como o governo dessem mais atenção ao vídeo e às perguntas básicas nele entrelaçadas: ** Quem eram os empresários que armaram o impecável flagrante? ** De que maneira aquela esplêndida peça videográfica foi parar na redação do mais importante semanário brasileiro? A próxima atração O governo não se mexeu nesta direção por puro pudor – desconhecia e, por isso, temia a extensão do pantanal nos porões dos Correios. Preferiu concentrar-se durante as primeiras semanas no esforço para impedir a CPI. A mídia não se mexeu igualmente por pudor – não lhe interessava (como instituição) desvendar suas intimidades à sociedade nem expor os canais de comunicação estabelecidos nos últimos anos entre os interesses contrariados e o chamado "jornalismo investigativo". Nenhum dos grandes veículos – nem as entidades que os congregam – estão dispostos a condenar a espúria conexão e este tipo de jornalismo a serviço da corrupção simplesmente porque estão à espera de que, numa próxima oportunidade, sejam eles os beneficiados. E na expectativa do próximo prêmio, nossa mídia desenvolveu uma moralidade às avessas na qual as únicas infrações denunciadas são aquelas cometidas por infratores mal-sucedidos. As bem-sucedidas jamais serão conhecidas e a mídia raramente anima-se a investigá-las. Quando a imprensa e seus procedimentos forem efetivamente assuntos da imprensa, quando os holofotes da mídia puderem dirigir-se à própria mídia, então teremos uma sociedade provida de instrumentos capazes de saneá-la. Enquanto isso não se dá, aguardemos o próximo vídeo. Uma coisa é certa – será de grande qualidade.
Fonte: http://observatoriodaimprensa.com.br, Alberto Dines, 01/06/2005. |