O que Marta, Mano
Brown e o Papa têm em comum?
1. O Vaticano, sob pressão de Israel, vai ordenar mais estudos com relação à ação de beatificação do Papa Pio XII. A pressão dos judeus “quando fornos eram alimentados dia e noite, o Santo Padre que vivia em Roma não abandonou seu Palácio” realmente tem fundamento. Creio que Bento XVI deve refletir e meditar profundamente sobre o assunto e, assim, depois de constatar que o seu colega realmente foi omisso, o beatificará. Querem apostar? Quem não gostar que mude de Igreja. Quem for a favor do aborto e da camisinha que mude de Igreja. Ou leia Cioran e dê os ombros para toda essa baboseira. Na minha nada modesta opinião só existe um crime (ou pecado) que o ser humano pode cometer, que é a omissão. Além disso, existe o açodamento. A precipitação e a falta de reflexão. Joseph Ratzinger só é Papa porque consegue equilibrar esses dois pólos. Isto é, acende uma vela para Deus e outra para o Capeta. Os outros crimes – ou pecados – são apenas desdobramentos previsíveis. Deus podia ter sido mais sucinto e poupado Moisés de carregar tão pesada tábua. 2. Não foi somente o garoto aloprado quem matou a ex-namoradinha em Santo André. Foi o circo que deram a ele. A platéia compareceu. O mesmo tipo de gente que vibrou com as olimpíadas e que – antes da crise – comprava eletrodomésticos em mil prestações a perder de vista. Também conhecidos por consumidores, público-alvo, turba, linchadores, eleitores. O crediário acabou, mas a viralatice não tem fim. A reação no canil foi fermento e pólvora acrescentados à mediocridade e à vida modorrenta daqueles três adolescentes. Sob o ponto de vista do espetáculo, tanto o garoto que vai passar um bom tempo enjaulado, como a ex-namoradinha assassinada filha de um suposto matador das Alagoas e – principalmente – a super-amiga que, uma semana depois, dividiu pêsames e bolinhos de chuva no programa animadíssimo da Ana Maria Braga, enfim, sob o ponto de vista do circo de horrores, deu tudo certo – a operação do Gate foi um sucesso retumbante. Boninho deve ter morrido de inveja. 3. Vou reproduzir trechos de uma crônica que escrevi há dois anos só para ter o prazer de escrever: não disse? "Os pretos não têm todos as mesmas idéias". Palavras de Mano Brown,numa entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo, em 20 novembro de 2006 – por ocasião do Dia da Consciência Negra. À época eu me perguntava: será que ele fez essa declaração por ignorância ou foi por racismo mesmo? E chegava à conclusão de que a generalização atingia toda a comunidade negra – o que por si só era um fato gravíssimo: se Brown não havia sido racista por opção, fora por incompetência mesmo. Uma multidão de garotos sem esperança (não só da periferia e não exclusivamente de São Paulo) tem Mano Brown, líder do Racionais MC’s, como um ideólogo, guru. As palavras de Brown têm o peso incontestável da realidade. Nelson Motta o considera um gênio. Não se discute a autoridade de Brown. Porta-voz da periferia que entorpece a classe média, ele – para dizer o mínimo – é a verdade, o código, o cara. Também é uma espécie de leão-de-chácara da Vila Madalena; os moradores da rua Purpurina, Wisard e adjacências agradecem a Brown por manter a periferia longe das creperias, barzinhos e brechós ilustrados que freqüentam; isto é, longe dos seus filhos que consomem uma periferia batizada(rap e cocaína inclusos), afinal, são todos irmãozinhos, e é bom que os “pretos pensem como pretos” – as aspas são minhas e o pensamento é de Brown – e que tenham orgulho de seus puxadinhos lá longe, do outro lado da ponte João Dias. Há dois anos, nessa mesma entrevista, Brown dizia que estava feliz da vida porque os bares da periferia perdiam espaço para as pizzarias e salões de beleza. Esqueceu-se das Igrejas do Bispo Macedo, que deve ter vibrado com suas palavras. Mano Brown foi além. Tinha sonhos românticos. Ele sonhava com "a população ouvindo música nas ruas, fazendo academia, cuidando do corpo". Mano Brown foi condecorado por Lula. À época eu enxerguei voluntarismo, e muita demagogia. Quase fui linchado quando apontei o dedo. Fui acusado de ser um mauricinho, disseram que eu não conhecia a realidade da periferia, e, entre recados sinistros e telefonemas anônimos,me aconselharam a calar a boca. A chapa esquentou pro meu lado. Eis que, dois anos depois, leio a seguinte notícia: o grupo Racionais MC’s vai ser a estrela de uma campanha da Nike. Taí. Será que agora caiu a ficha? Não disse? Um cara que sonha com a população ouvindo música nas ruas, fazendo academia e cuidando do corpo só pode ser revolucionário no Rubaiyat da Av. Faria Lima. Viva a Revolução das Periferias! Se é periferia, tem talento. E se tem talento, tem verba. Tem cinema premiado e tem indicação para o Oscar. Tem droga para os filhos da diretoria. Tem alguma ONG pra administrar o negócio. O fato de o irmão de cor "se vestir melhor faz muita diferença", segundo Brown . Além de estúpidos "porque pretos não têm todos as mesmas idéias", Brown deve considerar que uma roupinha pode disfarçar a feiúra dos seus irmãos pretos. O fato de Mano Brown e o grupo de rap Racionais MC’s serem os novos garotos-propaganda na Nike apenas confirma as supracitadas declarações do nosso ex-Che do Jardim Ângela. O que me espanta, porém, não são as declarações de Brown, mas é o medo e a veneração que a classe média tem por esse racista desastrado. Se eu fosse negro, o processava. Mas, como sou um branquelo, só me resta lamentar o espaço exagerado que a mídia – a despeito da aparente aversão dos manos – concedeu/concede a Brown, esse títere do desespero. A situação lembra muito os assaltos à mão armada: onde a vítima não tem opção diferente do jugo e da submissão. Os especialistas nos ensinam a não reagir. Até quando? 4. O chefão do grupo Editorial Abril, Roberto Civita, perguntou a Marta Suplicy por que só faz propostas para as classes menos favorecidas, deixando de lado os outros 75% da população de São Paulo. A resposta de Marta Suplicy calou o empresário, e resume 508 anos de Brasil: “Para você ficar vivo”. E a derrotada candidata à prefeitura de SP ainda acrescentou que sem as políticas sociais os pobres poderiam fazer uma revolução: “Você sabe do que estou falando. Não ficariam nem as paredes”. Conclusão: Nem Caim, nem Abel. Independentemente da capacidade de reação da “turba”, o medo os faz, Marta e Civita, sócios do mesmo clube. São indissociáveis. Os interesses são os mesmos. Cada um cuida de sua exclusãozinha de uma maneira – aparentemente – diferente do outro. Não obstante tratam apenas de construir muros. São irmãos siameses. E sabem perfeitamente que jamais vão se separar.
*Marcelo Mirisola, 42, é paulistano, autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros.
Fonte: Congresso em Foco, 29/10/2008.
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