Prouni ainda
desperta suspeitas e críticas na Universidade
Para entidade
nacional de professores universitários e um setor do movimento estudantil, o
governo pode deixar de arrecadar até R$ 2,7 bilhões junto a instituições
privadas, recebendo como contrapartida uma quantidade de bolsas muito
pequena. Para sair da crise, o presidente Luis Inácio Lula da Silva vem patrocinando uma campanha na mídia para mostrar iniciativas exitosas do governo que possam ter impacto positivo junto à opinião pública e à sociedade. A agenda positiva do Executivo visa amenizar o clima gerado pelos últimos acontecimentos da crise do mensalão, que colocaram o PT na parede e começam a respingar no gabinete presidencial. Nesta segunda-feira (11), no programa matinal de rádio “Café com o Presidente”, Lula centrou parte de sua fala nas ações do governo na área da educação, com destaque para o Programa Universidade Para Todos (Prouni). Com a crise, a sanção do Prouni, ocorrida no final de junho, passou desapercebida para a maior parte da mídia. Agora, o governo tenta por meio de propagandas e dos veículos estatais repercutir a sanção do programa. No entanto, a iniciativa é vista com receio e críticas pelas organizações de trabalhadores da educação e estudantes. No programa que vai ao ar quinzenalmente, o presidente Lula enfocou novidades na área da educação, como o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica, a criação de novas unidades e campi de universidades públicas em cidades do interior do país e a sanção do Prouni, carro chefe de sua entrevista. Segundo Lula, o programa "marca definitivamente um novo patamar de educação no Brasil". Ele defendeu também o Prouni como importante iniciativa para melhorar o acesso e a permanência da população de baixa renda à educação superior. Atualmente, menos de 10% dos jovens entre 18 e 24 anos conseguem entrar em uma universidade ou faculdade. O Prouni faz parte do pacote de ações que compõem a reforma da educação superior promovida pelo MEC desde a gestão de Cristóvam Buarque. Em sua primeira versão, o programa previa a destinação de 25% das vagas das instituições privadas que se inscrevessem para bolsas em troca de isenção fiscal. Após a pressão dos empresários da área de educação tanto junto ao MEC quanto na tramitação da matéria no Congresso, a Lei foi aprovada estabelecendo o limite de 8,5% das vagas, sem a obrigação de que este montante seja atendido todo em bolsas integrais. Para poder entrar em uma universidade através do programa, o estudante tem de ter cursado o ensino médio em uma escola pública ou em uma escola privada na condição de bolsista integral e ser aprovado no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Segundo os artigos 2° e 3° da Lei 11096/05, que institui o programa, as bolsas integrais serão concedidas a pessoas que tenham concluído o ensino médio cuja renda familiar mensal per capita não ultrapasse o valor de até um salário-mínimo e 1/2 (meio) e as bolsas de estudo parciais de 50% (cinqüenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) serão concedidas a brasileiros com renda familiar mensal per capita de até três salários-mínimos. Críticas Na avaliação de parte do movimento da áera de educação, o Prouni tem um traço perverso, pois trabalha com uma demanda legítima de ampliação do acesso ao ensino superior para justificar a transferência de recursos para o ensino privado. Para a presidente do Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES-SN), Marina Barbosa, o problema da ausência de grande parte da juventude do ensino superior deve ser resolvido garantindo o direito amplo e irrestrito à educação em todos os seus níveis tendo com a expansão da rede pública. “O governo trabalha com a concepção do público enquanto bem que ele não é nem mais responsável por prover, mas por regular, e não enquanto direito universal da população que deve ser garantido de forma gratuita”, critica Barbosa. De acordo com o ANDES-SN e parcela do movimento estudantil, o governo, ao contrário do que sugere Marina Barbosa, vem optando até agora pela saída ligada ao aproveitamento das vagas ociosas no setor privado. Segundo o diretor da União Nacional de Estudantes (UNE) e estudante da Universidade de São Paulo (USP), Antônio David, do campo Contraponto, a evasão na rede particular chega hoje a mais de 50% das matrículas. Ele informa que mesmo os educadores ligados ao governo passado e comprometidos com a expansão do ensino privado reconhecem que hoje são os alunos do 1° ano que bancam o lucro das instituições. Os empresários querem agora que o Estado pague a conta. O Prouni seria então uma saída para esta crise e para a necessidade de aumentar o acesso ao ensino superior. Mas, para Antônio David, a solução para o problema do acesso via rede privada não passa pela criação de um programa como o Prouni, mas pela revisão da Lei de Mensalidades, permitindo que os inadimplentes pudessem permanecer nos cursos, e da Lei da Filantropia, com normas que obrigassem as instituições privadas sem fins lucrativos a conceder bolsas. Hoje, estas instituições, para manter este título, precisam mostrar que estão reaplicando os recursos oriundos da isenção fiscal em investimentos nelas próprias, e não necessariamente na concessão de bolsas. Outra crítica feita é de que os recursos que o Estado deixa de arrecadar com os impostos não recolhidos junto a estas instituições poderiam ser investidos na expansão do ensino privado. De acordo com Maurício Piccin, diretor da UNE pelo campo Reconquistar a UNE, esta lógica mantém a política operada pela gestão de Paulo Renato de Souza, ministro na época de FHC. “Nos anos 90, o governo brasileiro chegou a deixar de arrecadar R$ 900 milhões junto às instituições privadas de ensino superior enquanto a verba destinada para custeio das universidaes públicas ficou na casa de R$ 600 milhões”, lembra Maurício. Para o professor Roberto Leher, ex-presidente do ANDES-SN, a totalidade de impostos que o governo deixará de arrecadar junto às instituições com fins lucrativos, que com o Prouni passam a poder utilizar este mecanismo, e às filantrópicas pode chegar a R$ 2,7 bilhões, “valor muito alto em troca de uma quantidade de bolsas muito pequena”. Para Leher, o governo "promove propaganda enganosa" quando afirma que o Prouni visa apenas regulamentar melhor as contrapartidas das instituições que já concedem bolsas em troca de isenções fiscais. “Hoje são 1610 instituições privadas no país. Sob a argumentação de regulamentar melhor as 305 que não possuem fins lucrativos, o governo vai diminuir os 25% que deveriam ser pagos em impostos pelas outras 1305 instituições de caráter empresarial e deixar de contar com recursos que poderiam ser voltado ao fortalecimento da educação pública”, argumenta. Dados da Associação Nacional dos Dirigentes do Ensino Superior (Andifes), que reúne reitores de universidades federais, indicam que com os recursos não arrecadados seria possível criar cerca de 400 mil vagas no ensino noturno em universidades públicas. Outro problema detectado é a tendência, que começa a ser confirmar, de o Prouni gerar uma diminuição do número de bolsas. Com o início de seu funcionamento, explica Marina Barbosa, para as filantrópicas passará a ser mais vantajoso manter apenas as bolsas vinculadas ao programa, e não as que já vinham sendo concedidas. Exemplos são a PUC-SP e o Mackenzie, duas importantes universidades paulistas, e a Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, que já são alvo de denúncias de organizações estudantis sobre a redução nas bolsas para o patamar exigido apenas pelo Prouni. Outra conseqüência ainda mais drástica, na opinião de Maurício Piccin, da UNE, é a recuperação de parte das instituições filantrópicas da possibilidade de obtenção do lucro. Com o Prouni, a isenção concedida pelo programa seria tão vantajosa que compensaria abrir mão daquela permitida às escolas comunitárias, como são chamadas as privadas sem fins lucrativos. Para Roberto Leher, o Prouni ainda possui outro problema crônico, a falácia das bolsas parciais. Na sua opinião, apenas os 50% dos 8,5% (4,25%) de vagas podem ter algum efeito real de inserir pessoas de baixa renda na universidade. Mesmo assim, lembra Marina Barbosa, a mensalidade não é o único custo, podendo a pessoa abandonar os estudos por não ter como se deslocar até a universidade ou como se alimentar durante o seu período de estudo, além das despesas nada baratas com materiais didáticos. Leher afirma que dificilmente os 4,25% das vagas destinadas às bolsas parciais, de 50% e 25% serão ocupadas ou a pessoa que ocupar conseguirá se manter. “Uma pessoa cuja família possui renda familiar per capita de até 3 salários mínimos, como limita o programa, terá sérios problemas para conseguir pagar 50% ou 75% do preço de uma mensalidade”, pondera o professor. Sucessor incerto Enquanto Lula comemorava os acertos na área da educação, também como forma de fortalecer a imagem do novo presidente do PT, Tarso Genro, o Ministério da Educação (MEC) iniciava a semana em clima de incerteza. Trava-se, no interior do governo, uma batalha pela sucessão de Genro à frente do MEC. O até agora ministro defende a entrada de seu secretário-executivo, Fernando Haddad. Haddad saiu do Ministério do Planejamento onde ajudou a formular a proposta das Parcerias Público-Privadas, para comandar, junto com Tarso, o ante-projeto de Lei Orgância do Ensino Superior, peça mais importante da reforma universitária. Haddad vem sendo o braço-direito do ministro neste processo, operando as negociações com empresários e movimentos sociais. Outro nome no páreo é Luiz Dulci, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência. Dulci iria para o lugar de Tarso e sua pasta, assim como a Coordenação Política, ficaria sob a responsabilidade de Jacques Wagner. Assim, Lula colocaria alguém com perfil para o cargo (Dulci é professor e entende da área) e diminuiria o número de ministérios, uma das principais críticas que vem sofrendo. Mas a dança das cadeiras entre Dulci e Genro sofre também a influência de um elemento “externo” ao governo, as eleições para as direções do PT. Ainda não está definido quem será o candidato do campo majoritário ao pleito, e dois dos nomes mais cotados são justamente Tarso Genro e Luiz Dulci.
Fonte: Ag. Carta Maior, Jonas Valente, 11/07/2005. |