O
projeto de reforma do ensino superior
(...)
um projeto de lei de reforma do ensino superior que cria Em primeiro lugar, apesar de toda a retórica sobre autonomia, o projeto, de fato, retoma a velha tradição burocratizante e centralizadora do Estado brasileiro, descendo a minúcias de regulamentação que sufocam a liberdade de ensino e pesquisa. São, de fato, cem artigos para tratar de um assunto que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação havia competentemente regulamentado em não mais que 14. Há no projeto uma clara intenção de ampliar a área de controle e influência do Ministério da Educação sobre o sistema de ensino superior, avançando, inclusive, sobre outras áreas. Neste sentido, é particularmente impróprio o inciso III do artigo 1º, que subordina às normas gerais estabelecidas pelo projeto "as instituições de pesquisa científica ou tecnológica, públicas ou privadas e as entidades de fomento ao ensino e à pesquisa", o que incluiria instituições tão díspares como, por exemplo, a Fapesp, o CNPq, a Embrapa, a Fundação Ford e a Fundação Rockfeller. A lei aplica-se também a todas as fundações de apoio e suas congêneres, públicas ou privadas. O expansionismo do ministério também inclui as universidades estaduais, que ficam agora sujeitas às inúmeras injunções que desrespeitam o princípio federativo. é particularmente preocupante a extensão às universidades da obrigação de apresentarem ao Ministério da Educação, para avaliação e homologação, planos qüinqüenais que comprovem, inclusive, o cumprimento de suas "responsabilidades sociais". O projeto cria, no caso das universidades públicas e privadas, um novo Conselho Comunitário Social, com mínima participação da comunidade acadêmica (mas ampla representação do governo e de organizações corporativas e sindicais), com atribuições de fiscalização, avaliação e estabelecimento de diretrizes da política geral da universidade. Até este projeto, julgávamos que o interesse social ou a responsabilidade social das instituições de ensino superior no seu conjunto consistiam na formação de pessoal qualificado, por meio do ensino de qualidade, no desenvolvimento do conhecimento, por meio da pesquisa, e na extensão, isto é, na promoção do acesso ao conhecimento que elas detêm e produzem aos setores da sociedade que dele possam e desejem se beneficiar. Na nova concepção adicionam-se uma série de outras finalidades, formuladas de modo ambíguo, subsumidas no termo "responsabilidade social". A preocupação com a "responsabilidade social" parece incluir-se naquele tipo de boas intenções das quais o inferno está calçado. São ou inócuos, mera retórica populista, ou perigosos, se efetivamente aplicados, por permitirem a inclusão de critérios político-ideológicos nos processos de controle das instituições. Certamente, a responsabilidade social é concebida de forma muito diversa por um governo neoliberal (como o de Margaret Thatcher, na Inglaterra), por um governo populista ou por um socialista. Foi justamente para evitar esse tipo de interferência ideológica que se instituiu o princípio de autonomia didático-científica. Na mesma linha, o projeto estabelece que cabe às instituições a "implantação de políticas públicas nas áreas de saúde, cultura, ciência e tecnologia, avaliação educacional, desenvolvimento tecnológico e inclusão social", item este de estranha redação, na qual o termo "implantação" parece transformar as instituições de educação superior numa agência de execução de políticas governamentais. É estranho também que, com tanta preocupação no ministério com inclusão social, responsabilidades sociais e democratização, não haja nenhuma referência ao ensino tecnológico, à diversificação dos cursos de modo a atender os alunos com interesses mais práticos que acadêmicos. Finalmente, é necessário ainda observar que o projeto todo dá pouquíssima atenção à questão da pesquisa. No mundo moderno, com a importância crescente do conhecimento científico como elemento essencial para o desenvolvimento econômico e social, as universidades se constituem como instituições importantíssimas e mesmo indispensáveis para a geração de conhecimento inovador pela manutenção de equipes de pesquisa estáveis e pelo processo de formação de novos pesquisadores. é essa, na verdade, a responsabilidade social fundamental das universidades, e é ela que merece a atenção central do legislador. Um dos poucos aspectos positivos do projeto de lei diz respeito ao estabelecimento de subvinculação de recursos para o financiamento das universidades federais, como foi feito há 15 anos com as universidades paulistas. Essa medida era necessária. Entretanto, ela não prevê os critérios e os instrumentos de repartições dos recursos entre os diferentes estabelecimentos federais, nem estabelece qualquer vinculação do quantitativo orçamentário a critérios de desempenho das instituições. Além do mais, com a eleição direta dos dirigentes e a inexistência de limites percentuais para os gastos com pessoal (que não deveriam ultrapassar 80%), podemos prever que as demandas salariais corporativas acabarão por prejudicar seriamente os recursos para custeio e investimento, com o conseqüente sucateamento das instituições.
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