O professor "data-show"
Inácio Feitosa Neto* 

 

Não tenho nenhuma dúvida que a educação superior pode (e deve) se beneficiar da tecnologia para o aprimoramento da relação ensino-aprendizagem. As ferramentas educacionais de auxílio ao docente se aperfeiçoam a cada dia; não temos como ficar atônitos. Há uma verdadeira revolução tecnológica a cada segundo, mas não podemos esquecer que o profissional docente deve estar preparado para esse desafio.

Considero também que a internet é o marco tecnológico da globalização no mundo. Junte-se a isso o surgimento no Brasil do neoliberalismo na década de 1990 que, subtraindo a visão mercadológica, busca a aproximação do Estado-Mercado, descentralizando os serviços não-exclusivos do Estado para a iniciativa privada.

A tecnologia inova a cada dia. Primeiro tivemos os "pageres", mas conhecidos como BIP's, onde o proprietário desse aparelho recebia mensagens de texto retornando ao emissário; em seguida, no Brasil tivemos a internet, que representa a possibilidade de conexão imediata com o mundo da informação; depois vieram os celulares - tipo "tijolo"; hoje se fala do GPS (Global Position System), localizador via satélite; dos computadores portáteis; das USB (Universal Serial Bus) que permitem a utilização dos "pen drives" (canetas 'drives'); canetas a 'laser'; data-show; conferências virtuais; etc. Um mundo de praticidade ao nosso alcance.

Sobre o uso de data-show gostaria de tecer algumas observações que anotei no meu velho "borrão" de recados, com uma típica caneta de tampa azul, da marca "Bic", que não troco por nenhuma "Mont Blanc" vendida nas melhores magazines do mercado. Talvez minha resistência a esse padrão de tinteiro seja devida a minha outra característica peculiar de perder canetas, ou tê-las levadas pelos amigos constantemente. Tanto que na minha mesa a caneta fica amarrada a um barbante. Assim, consigo manter querida caneta azul perto de mim.

Voltando ao data-show, queria registrar que esse equipamento é fantástico. Ele dá qualidade à aula quando projeta no telão a síntese dos pontos do conteúdo a ser ministrado; quando projeta filmes; exibe a internet; usa figuras, sons, imagens etc. É um grande instrumento a serviço das práticas pedagógicas, sem dúvida.

A utilização desse equipamento na educação merece questionamentos, pois ao mesmo tempo em que representa modernidade, pode causar o grande transtorno na relação aluno x professor. Enumero a seguir o que nunca deve ser feito no uso desse equipamento:

1. o data-show não substitui o docente;

2. ele deve ser utilizado como um instrumento auxiliar de interação entre o professor e o aluno na sala de aula;

3. as aulas somente com data-show cansam os alunos, diminuindo o rendimento do conteúdo ministrado;

4. o data-show não deve ser utilizado como um projetor de textos. Para isso temos os retroprojetores tradicionais, a um custo bem menor;

5. é um crime acadêmico utilizar o data-show para exibir textos pesados, e o pior são os casos em que o professor ainda fica sentado ao lado da máquina lendo o que está escrito;

6. deixar a máquina ligada por mais de duas horas seguidas; ou ficar ligando e desligando o equipamento. Esse material é sensível e sua lâmpada tem um custo muito alto.

As situações acima são um pequeno alerta do que deve ser evitado no dia-a-dia da sala de aula. Conheço professores que usam o equipamento e não ministram mais a aula se ele não estiver presente ao seu lado. Certa vez uma professora pediu demissão, pois informou que não teria condições de ministrar o conteúdo sem a máquina... Isso é um absurdo!

O mau uso desse equipamento em sala de aula tem causado um enorme prejuízo didático aos alunos. O professor não é um transmissor de informações, um "repassador" de conteúdos, ou algo semelhante. A relação professor x aluno tem que ser humanizada. Não defendo aqui o fim do uso da tecnologia. Não é isso. Os que me conhecem sabem que não largo meu "pen drive" de jeito nenhum. 

Estamos vendo surgir a cada dia um novo tipo de docente, o que chamo de "Professor data-show". Para mim, esse perfil de profissional que enumerei, está com os dias contados nas instituições de ensino. Educar é uma arte, do contrário contrataríamos robôs, ou melhor "data-shows". Vejam que as vantagens em contratar esse equipamento seriam muitas: não teríamos salários, décimo terceiro, FGTS, aviso prévio, etc.

Sugeri a um amigo que, ao realizar o processo seletivo para contratação de professores universitários, adotasse o seguinte critério: definisse o ponto com o candidato; formasse a banca de avaliação; liberasse o uso do data-show; e na metade da exposição desligasse o equipamento; em seguida, deveria sugerir que o candidato simulasse uma quebra do data-show durante uma aula.

O resultado final foi catastrófico. Somente 1 a cada 5 avaliados conseguiu terminar sua apresentação.

É preciso que fique claro que a responsabilidade do docente em sala de aula é enorme. Mais uma vez registro que ensinar é uma arte, é para poucos. Quem não tiver competência para tal mister deve escolher outra profissão, ou ir pescar com os filhos. No mundo globalizado em que vivemos não existe espaço para amadores. Os alunos sabem o que precisam e onde encontrar caso sua instituição e seus professores não estejam conscientes do seu papel: na concorrência.  
 

* Inácio Feitosa Neto - Advogado, Especialista em Cooperativismo pela UFRPE, Especilista em Direito do Trabalho e em Didática do Ensino superior e Mestrando em Educação pela UFPE. 

  • O artigo assinado é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião da Revista.

 

Fonte: Rev. Gestão Universitária, 13/09/2006.


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