Processo de criminalização da pobreza é vital à manutenção do capitalismo
O processo de criminalização da pobreza, das lutas e das organizações sociais é uma necessidade do capital que tende a se aprofundar para garantir a manutenção do sistema. Foi o que demonstraram Plínio Arruda Sampaio, intelectual e tradicional militante político brasileiro, e José Vitório Zago, professor aposentado da UNICAMP e tesoureiro do ANDES-SN, em painel sobre a conjuntura econômica, política e social, apresentado durante o seminário “A criminalização da pobreza, das lutas e organizações dos trabalhadores”, organizado pela OAB, Conlutas, ANDES-SN, CUT, Anamatra, Ajufe e Abrat, nos dias 21 e 22/10. Conforme Plínio de Arruda Sampaio, a criminalização dos pobres, dos Estados pobres e também das organizações que defendem os pobres é uma processo antigo, aprofundado após os eventos de 11 de setembro de 2001. “Os ataques aos Estados Unidos deram o pretexto para que George Bush criasse a legislação antiterrorista, seguida depois pelos demais países, que liquidou algo que nós, democratas, custamos a conquistar: o estado democrático de direito. A criminalização da pobreza, portanto, é um movimento mundial, violentíssimo, que constitui hoje a principal forma de luta de classes”, afirma ele. O intelectual lembra que a tão propalada democracia norte-americana é um mito, que sempre dependeu de um inimigo público para se manter. “Primeiro, esse inimigo era o comunista. Agora, é o terrorista. E o terrorista é um inimigo muito pior, muito mais difícil de se combater, porque não sabemos exatamente quem é ou onde está. Então, terrorista se torna o diferente, o pobre”. As características brasileiras permitiram que o Brasil seguisse à risca a nova legislação antiterrorista norte-americana, sem nem mesmo precisar mudar sua Constituição para aderir à nova ordem mundial. “A Polícia brasileira já usa todos esses métodos sem precisar de lei para respaldá-la”, acusa Plínio, que avalia que a impunidade verificada no país tem gerado um brutal aumento do número de assassinatos praticados pela Polícia. Para Plínio de Arruda Sampaio, a criminalização da pobreza tem três objetivos claros. O primeiro é o econômico: obrigar o trabalhador a aceitar o trabalho da forma como interessa ao capital, aceitar a deteriorização dos serviços públicos, e mesmo o desemprego. “Se não aceitar, apanha”. O segundo, é social: “a burguesia está com mais medo dos pobres do que nunca. Sabe que haverá cobrança. O medo da senzala é parte da psicologia da burguesia brasileira que passa de geração em geração”, explica. O último, é político: “é preciso debilitar as organizações para que elas não possam organizar a pressão popular. E o caminho é cortar o dinheiro”. Para o intelectual, a Constituição só vale para os 60 milhões de brasileiros que encontram-se organizados de alguma forma. “Para 100 milhões de pobres, o que vale mesmo é o cacetete. E os 1 milhão que mandam nem precisam de Constituição: são aqueles que conseguem um habeas corpus em 24 horas”, denuncia. Conforme ele, são esses 60 milhões, entre os quais os sindicalistas, intelectuais e participantes dos movimentos sociais, que são afetados por essa espécie de “fascistização” do Estado brasileiro. José Vitório Zago discorda de Plínio a respeito de que os 1 milhão de brasileiros que mandam não precisam da Constituição. “Precisam sim e a utilizam muito bem para defender suas propriedades”, afirma ele, lembrando que se a Constituição não pegou no que diz respeito às garantias dos direitos, ela possui um núcleo central muito presente na vida brasileira. “A parte boa da Constituição está sendo destruída, mesmo antes de ser regulamentada. Entretanto, sua parte central, que prevê a defesa da propriedade privada dos meios de produção, essa ficou”. Para Zago, a criminalização da pobreza é proporcional às lutas empreendidas pelos movimentos. “Somos criminalizados porque lutamos, porque defendemos nossos direitos”. O professor lembrou que, além da pobreza criminalizada, há também a pobreza instrumentalizada pelas ONGs, igrejas e governos. “São 40 milhões de brasileiros vivendo de bolsas e adormecidos para a luta”. José Vitório Zago resgatou também a máxima positivista que prega que, com ordem, a humanidade caminha sempre para frente. “Não podemos acreditar nisso. A história registra períodos de retrocessos muito grandes, como foi o fascismo e como é esse período que vivemos hoje. Precisamos defender as liberdades individuais democráticas dos ataques do estado burguês, porque até isso está sob ameaça”, diz. Entretanto, Zago não se ilude e afirma que luta imposta aos movimentos é muito complexa. “Para combater esse novo fascismo, não adianta somente confiar na legalidade burguesa. Temos que empreender a luta de classes no seu mais alto nível”. Zago acrescenta, ainda, que a criminalização da pobreza tende a se aprofundar, tendo em vista que o chamado exército industrial de reserva – o contingente de trabalhadores sem emprego necessários à manutenção do capitalismo – encontra-se tão grande que pode sair do controle do sistema. “No Brasil de dois séculos atrás, havia leis contra a vadiagem. Hoje, se essas leis ainda vigorassem, teria muita gente na porta da prisão (se estas não fossem sucursais do inferno) para poder comer”, compara para demonstrar que a nova etapa do capitalismo exige mudanças profundas.
Fonte: Andes-SN, Najla Passos, 29/10/2008.
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