Brasil
Decreto que regulamenta nova lei definirá como o país irá reagir a agressões
externas, Duas semanas após a sanção da lei que dá as linhas gerais de como o país deve reagir a “agressões estrangeiras”, o governo já trabalha para definir como ela será colocada em prática. Uma das dúvidas a serem esclarecidas no decreto presidencial que regulamentará a Lei 11.631/2007 é, justamente, o que poderá dar margem a uma eventual declaração de guerra do Brasil, uma vez que o próprio conceito de agressão estrangeira é amplo e vago. “Uma grande discussão é essa e isso vai estar na regulamentação. Porque eu não posso iniciar a minha mobilização depois que eu sou invadido. Então, certamente, a invasão não vai ser a característica da agressão estrangeira”, explica o diretor do Departamento de Mobilização Nacional do Ministério da Defesa, general Luiz Sodré. Entre as mudanças previstas na Lei 11.631/07, que foi aprovada pelo Congresso em 5 de dezembro e publicada no Diário Oficial da União no último dia 28, está a criação do Sistema Nacional de Mobilização (Sinamob), que reunirá informações e políticas públicas de dez ministérios para garantir o potencial de reação do país em casos de guerra ou calamidade pública. As propostas para a regulamentação estão sendo elaboradas pelo Departamento de Mobilização Nacional e deverão ser encaminhadas à Casa Civil até o final deste mês. “A mobilização vai dar um olhar do Estado brasileiro sobre diferentes setores críticos podendo coordenar esses setores críticos não apenas no caso da Defesa, que é o propósito principal da mobilização, como em qualquer outra situação em que o governo ache necessário fazer essa coordenação”, avalia Sodré. Reação a Chávez Apesar da coincidência, militares e especialistas negam que a aprovação da lei seja uma reação à política do presidente venezuelano Hugo Chávez que, só em 2006, comprou cerca de R$ 3 bilhões em equipamentos bélicos, entre eles 30 jatos russos. “Não é possível estabelecer essa ligação [de reação a Chávez], pelo menos com as informações disponíveis. A lei é fruto de um projeto apresentado em 2003 e cuja gestação se deu no governo FHC, em setembro de 2001, na esteira da reação de vários países aos atentados de 11 de setembro”, analisa o professor de Direito da Universidade de Brasília (UnB) Cristiano Paixão, doutor em Direito Constitucional. O diretor do Departamento de Mobilização do Ministério da Defesa diz que a nova lei começou a ser discutida ainda em 1962. “Em 1999 ela começou a ter uma redação mais ou menos parecida com a atual e, no início do governo Lula, ela começou a andar”, explica Sodré. “Então, não tem nada a ver com o governo Chávez”, acrescenta. Entre os argumentos usados pelos parlamentares que relataram o projeto nas diversas comissões pelas quais ele passou no Congresso, está o crescimento das ações de grupos terroristas no mundo e o avanço da tecnologia usada por organizações civis. As mudanças, no entanto, têm enfrentado críticas, principalmente no que diz respeito ao risco de violação do direito à privacidade (leia mais). Motivação Solicitação antiga das Forças Armadas, a Lei 11.631/2007 tenta fortalecer a capacidade de defesa do país, já que o potencial estratégico brasileiro atual é considerado frágil e ineficiente. “Essa lei é necessária porque, apesar de o Brasil não ter conflitos com outros países, ele tem que ter uma política dissuasiva”, avalia o deputado José Genoino (PT-SP). “A defesa é como um seguro: é bom ter e não usar, mas ela é importância para se ter influência”. Defensor do fortalecimento e do reaparelhamento das Forças Armadas e do aumento salarial para os militares, Genoino argumenta que a capacidade política das nações está muito ligada ao seu poderio militar. “Não é um discurso apenas diplomático. Para ter influência política e econômica hoje, é preciso mostrar que o país está pronto para dar uma resposta se for preciso”. Caso o país precisasse dar essa resposta imediatamente, os militares acreditam que ela seria muito improvisada, pois as Forças Armadas estão enfraquecidas e não há uma preparação civil prévia para uma eventual guerra. “O Brasil hoje tem um sistema dentro das Forças Armadas que é emergencial de mobilização. Mas ele realmente não é um sistema consistente. E eu gostaria que ele não precisasse ser acionado. Se ele for acionado, dará uma resposta, mas não será a resposta que poderemos ter com vários anos de trabalho, que é o que pretendemos desenvolver agora”, diz o diretor do Departamento de Mobilização Nacional. O general Sodré acrescenta que o Ministério da Defesa e as Forças Armadas já têm diretrizes para a mobilização, mas que é preciso formular os caminhos das outras áreas, dos ministérios civis. “É preciso ter as diretrizes setoriais da Saúde, dos Transportes, da Economia, da Ciência e Tecnologia”, exemplifica. Seguro da defesa Entre os exemplos de como o funcionamento pleno do Sinamob pode beneficiar o país mesmo em tempos de paz, o general cita a eventual incidência de uma epidemia de gripe aviária em determinado local. Nesse caso, explica Sodré, o Ministério da Defesa, órgão coordenador do sistema, será capaz de ver onde o Ministério da Saúde dispõe de estoques da vacina e acessar, a partir de dados do Ministério dos Transportes, os meios disponíveis para que essas vacinas cheguem ao local da epidemia. “A mobilização existe para a guerra, e isso tem que ficar bem claro. Mas, a partir do planejamento para atender uma situação de guerra, é levantada uma série de potenciais, de estruturas e de capacidades que podem resolver uma coisa menor do que a guerra, mas que também é um problema nacional”, argumenta o general Luiz Sodré. Assim como Genoino, o diretor do Departamento de Mobilização também compara o sistema a um seguro. “A mobilização é como um seguro. Você só descobre que é útil quando acontece o sinistro. Porque até acontecer alguma coisa, você tem dúvidas de se o seguro é necessário”, argumenta. “O que acontece é que a sociedade tem uma série de necessidades que ela não sabe ainda, e ela só vai saber quando for necessário”, defende Sodré, acrescentando que a mobilização é como um “seguro da nação”, pois “amplia a capacidade de defesa nacional”. Embora os defensores do Sinamob garantam que os esforços da mobilização sejam usados em outras áreas, após analisar a lei, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) reclamou que isso não está especificado claramente no texto aprovado sancionado pelo presidente Lula. “Eu lamento que a lei se dedique apenas a questões de guerra. Do jeito que está, a lei não permite que se use a mobilização para enfrentar guerras internas como a erradicação do analfabetismo e o combate a epidemias como a febre amarela. Mas se a intenção for essa, ela será positiva”, disse ele ao Congresso em Foco. Novo sistema De acordo com o general Luiz Sodré, a regulamentação da lei servirá para sanar dúvidas como essa do senador, já que um dos objetivos do Sinamob é integrar a logística nacional também em tempos de paz. “Quem pode mais, pode menos. Se eu posso montar um sistema com informações, dados e articulações para o caso de uma guerra, então por que não usar isso para outras situações quando necessário. Não se decretará mobilização nacional, mas podem ser usados os dados armazenados no sistema para se atender outras a necessidades”, garante o general. A coordenação do sistema ficará a cargo do Ministério da Defesa, que deverá centralizar as informações passadas pelos outros dez ministérios que compõem o Sinamob. As diretrizes e políticas que integrarão o sistema, no entanto, ainda não estão definidas. Elas serão discutidas pelo Conselho Nacional de Mobilização, que deverá ser implantado tão logo a Lei 11.631/2007 seja regulamentada. “Está corretíssimo que a coordenação seja do Ministério da Defesa. Ele é a interlocução das Forças Armadas com o Poder Civil. E, para ter uma política de defesa eficiente, é preciso articular com empresas e ministros civis. E não só em casos de guerra. Esse sistema será importante para diminuir a vulnerabilidade nas fronteiras do país, além de ajudar em situações emergenciais e em outras operações que necessitem da presença das Forças Armadas, como convulsões internas e missões de paz”, defendeu o deputado José Genoino. Lacuna jurídica Os apoiadores da lei que trata da mobilização nacional em caso de agressões estrangeiras argumentam que ela é uma conquista, pois vem preencher “uma lacuna jurídica existente desde a época da Segunda Guerra Mundial”. Embora a Constituição Federal de 1988 dê poderes ao presidente da República para declarar a mobilização nacional, desde que com prévia aprovação do Congresso, até a publicação da Lei 11.631 ninguém sabia ao certo o que seria essa mobilização e como o país deveria se preparar para ela. A única lei anterior existente sobre o assunto tratava especificamente da convocação de civis e militares para a Segunda Guerra. Essa outra norma, porém, foi extinta em 1945 logo após o término da guerra. Com a nova lei, a expressão foi finalmente definida como “o conjunto de atividades planejadas, orientadas e empreendidas pelo Estado, complementando a logística nacional, destinadas a capacitar o país a realizar ações estratégicas no campo da defesa nacional, diante de agressão estrangeira”. O texto enviado pelo Executivo e assinado por dez ministros foi aprovado por unanimidade e na íntegra em todas as comissões pelas quais passou no Congresso – de Relações Exteriores, de Trabalho, de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça, na Câmara; e de Relações Exteriores e de Constituição e Justiça, no Senado. Além da Defesa, farão parte do Conselho Nacional de Mobilização os ministérios da Justiça, das Relações Exteriores, do Planejamento, de Ciência e Tecnologia, da Fazenda e da Integração Nacional; a Casa Civil, o gabinete de Segurança Institucional da Presidência e a Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República. Fonte: Congresso em foco, Soraia Costa, 10/1/2008.
Nova lei é alvo de crítica
Professor da UnB vê endurecimento da política de segurança nacional e diz
que norma Apesar de aprovada por unanimidade pelo Congresso, a lei que cria o Sistema Nacional de Mobilização (Sinamob) e estabelece as diretrizes sobre como o país deve reagir a “agressões estrangeiras” não está imune a críticas. Doutor em Direito Constitucional, Cristiano Paixão vê na nova norma um “endurecimento” da política nacional de segurança. “É bastante discutível a necessidade desse dispositivo. A Constituição não reclama regulamentação específica neste ponto, e o país não está inserido numa situação, no plano internacional, que aponte para a possibilidade de mobilização”, defende o professor da Universidade de Brasília (UnB). Para o professor, a nova lei pode ameaçar o direito constitucional da privacidade. “A lei é visivelmente negativa. Ela se insere num contexto internacional de endurecimento da política de segurança de vários países após os atentados de 11 de setembro de 2001. É particularmente preocupante a possibilidade de requisição de informações de entidades e de pessoas ‘com prioridade absoluta’. Toda e qualquer requisição de informações deverá observar o princípio constitucional do direito à privacidade”, diz ele. “Além disso, a menção a ações de mobilização em períodos de normalidade não é convincente, e extrapola o próprio escopo do texto constitucional”, acrescenta. Informações necessárias Integrante da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) também se mostra preocupado com o artigo 8° da lei que estabelece que “o Sinamob poderá requerer dos órgãos e entidades dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e de pessoas ou de outras entidades as informações necessárias às suas atividades”. O mesmo artigo traz, ainda, um parágrafo único que acrescenta: “Na execução da mobilização nacional, as requisições referidas no caput deste artigo terão prioridade absoluta no seu atendimento pelos órgãos, pessoas e entidades requeridos”. “Esse artigo parece preocupar porque fala da exigência de se prestar informações. Mas imagino que não se trata de informações pessoais e sim de dados técnicos”, avalia o senador pedetista. Negando que haja “armadilhas” na lei, o tenente-coronel da reserva do Exército Paulo Kuhlmann, doutor em Ciência Política, argumenta que “se o Estado não pode compulsar cidadãos e estruturas para a Defesa, em caso de agressão, perde ele a base principal do conceito de soberania, que justifica a sua existência”. Para ele, em uma guerra pode ocorrer diminuição das liberdades individuais, tal como em situações extremas do estado de sítio, mas isso não significa uma afronta à democracia. “Os conceitos de cidadania, tal como conhecidos (política, civil e social) acabam por se chocar levemente em alguns casos, cabendo ao Estado legislar e cuidar de quando e como haverá a prevalência de um sobre o outro”, defende. Política de preservação O diretor do Departamento de Mobilização Nacional, do Ministério da Defesa, general Luiz Sodré, também faz questão de enfatizar que a implantação do novo sistema não dará novos poderes ao Executivo e que, para começar a valer, após ser declarada pelo presidente da República, a mobilização nacional precisa ser aprovada pelo Congresso. “A Constituição brasileira proíbe a guerra de conquistas, então ninguém quer conquistar nada, a gente quer sim preservar o que já se tem”. “Ela [a lei] inicia a estruturação de algo essencial, que é a possibilidade de o Estado brasileiro preparar-se e ter condições de reagir adequadamente, em caso de agressão”, diz Paulo Kuhlmann. Para ele, a nova legislação é positiva, pois cria um órgão que possibilita “pensar e estruturar algo nacional a respeito da mobilização”. “A partir daí serão elaboradas a Política de Mobilização Nacional e as Diretrizes de Mobilização Nacional”, complementa.
Fonte: Congresso em foco, Soraia Costa, 10/1/2008
|
|