O prende-e-solta
O leitor há de se lembrar da Operação Vampiro, promovida pela Polícia Federal em maio de 2004. A operação estourou uma quadrilha que fraudava licitações em órgãos federais e prendeu dezessete suspeitos. Passados três anos, não tem ninguém na cadeia e não tem ninguém condenado. O leitor também há de se lembrar da Operação Sanguessuga, mais famosa que a outra por ter revelado o envolvimento de dezenas de parlamentares. Realizada em maio do ano passado, a operação descobriu a existência de um propinoduto na compra de ambulâncias com recursos públicos. No dia em que foi deflagrada, a operação prendeu 48 pessoas. Um ano depois, o número de presos é zero. O de condenados também. Dos 72 parlamentares suspeitos, nenhum foi cassado. Os vampiros e sanguessugas são dois exemplos de uma regra: as operações da Polícia Federal sempre prendem muita gente, que logo é libertada e nunca é condenada. Em novembro passado, o jornal O Globo fez um levantamento sobre vinte grandes operações de combate à corrupção e organizações criminosas desde 2003. Descobriu que 785 pessoas haviam sido presas, mas apenas quarenta permaneciam atrás das grades. O saldo: 94% dos presos estavam soltos. Claro que é melhor 6% de ladrões presos do que nada, mas há uma constante incômoda: um bando de gente vai para a cadeia, o bando inteiro é libertado e não há condenação de ninguém. O que isso significa? Na semana passada, doze advogados criminalistas entregaram uma carta ao presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, na qual reclamam, entre outras coisas, da "forma açodada e descriteriosa com que o Judiciário tem deferido medidas de força" – entre elas, as prisões temporárias. Os advogados estão dizendo que o prende-e-solta é resultado de uma Justiça destrambelhada. Talvez tenham razão, talvez não tenham, mas uma coisa é inegável: o festival de prisões, seguido do festival de solturas, autorizadas sempre depois da simples tomada de depoimento do preso, mostra que algo está errado. Ou as prisões ou as solturas. O pior é que as operações policiais, que no início foram como um sopro de alento para uma sociedade exausta de tanta impunidade, começam a disseminar uma atmosfera de folia inconseqüente. À impressão de que as prisões de tubarões da corrupção podiam ser o começo de um combate efetivo à corrupção segue-se a sensação de que tudo não passa de pirotecnia. Afinal, qual o efeito concreto de fazer uma saraivada de prisões e, logo em seguida, uma saraivada de solturas? A Operação Sanguessuga flagrou um sistema de propina em torno de emendas ao Orçamento – no caso, para trambicar com ambulâncias. Agora, a Operação Navalha descobriu um esquema semelhante – no caso, para roubar em obras públicas. Ou seja: quando os sanguessugas estavam sendo presos (e soltos), os navalhentos encontravam-se em plena roubalheira. O prende-e-solta pode fazer a festa da polícia, mas parece que não intimida ninguém. Será que querem nos iludir, simulando que se disparam mísseis contra a corrupção, quando na verdade são apenas fogos de artifício?
Fonte: Rev. Veja, André Petry, ed. n. 2010, 30/5/2007.
Dos 48 presos pela Operação Navalha,
44 estão soltos; Dos 48 presos pela Operação Navalha, da Polícia Federal, 44 já foram soltos pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) ou por habeas corpus concedido pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Apenas quatro continuam presos – Zuleido Veras (dono da Gautama), Maria de Fátima Palmeira (diretora da construtora e braço-direito de Zuleido), Vicente Vasconcelos Coni (diretor da Gautama no Maranhão) e João Manoel Soares Barros (funcionário da Gautama). Confira abaixo a lista dos que já foram soltos:
1) José Ivan de Carvalho Paixão (ex-deputado federal do
PPS-SE) Fonte: Folha On-line, 29/5/2007. STF manda libertar Zuleido
Dono
da Gautama e mais quatro investigados deixam cadeia. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu habeas-corpus determinando a libertação, ontem à noite, do empresário Zuleido Veras, dono da Construtora Gautama, empresa acusada de liderar as fraudes flagradas pela Operação Navalha da Polícia Federal. Zuleido está preso há 13 dias na sede da PF, em Brasília, e a expectativa era de que ele fosse libertado até o fim da noite. O STF concedeu ainda a liberdade para outros quatro investigados na operação: Vicente Vasconcelos Coni, Maria de Fátima Cesar Palmeira, João Manoel Soares Barros e Abelardo Sampaio Lopes Filho. Com a decisão, os 48 presos pela Polícia Federal na Operação Navalha estão soltos. (...) Fonte: O Dia, 30/5/2007.
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