Precisamos de uma crise
Em 2000, desabou na Alemanha uma notícia aterradora. O país estava em 25º lugar no Pisa, um teste que mede a capacidade de leitura e o aprendizado de matemática e ciências, entre jovens de 15 anos, em cerca de quarenta países. Educadores, pais e autoridades oscilaram entre traumatizados e enfurecidos. Até hoje, o clima está tumultuado, com comissões, seminários e uma enxurrada de novas leis. Nesse mesmo exame, o Brasil obteve o último lugar, bem atrás do México. Só que, no nosso caso, há outra notícia pior: o resultado não criou uma crise. A imprensa não fez barulho. A esquerda e a direita ficaram mudas. Pesquisas com pais mostram um resultado quase inacreditável: eles estão satisfeitos com a educação oferecida aos filhos.
Em outras palavras, estamos diante de dois grandes problemas. Precisamos convencer os brasileiros de que nossa educação é péssima e, então, entender como melhorá-la. Mas quer nos parecer que, sem vencer a primeira barreira, não vamos mudar a qualidade da educação. A boa notícia é que o setor produtivo e seus braços de responsabilidade social começam a soar o alarme (por exemplo, a Fundação Victor Civita está lançando seu programa Reescrevendo a Educação). Tentemos entender o que está ocorrendo. Praticamente, terminamos o ciclo de criar escolas, contratar professores e oferecer livros, merenda e uma estrutura operacional mínima. Não resolveu. Então, alguma coisa deve estar errada na sala de aula, pois é lá que acontece a educação. Uma primeira pista discreta vem de uma pesquisa recente com professores (T. Zagury). De tudo o que disseram e reclamaram, em hora nenhuma mencionaram que os alunos não estão aprendendo – no fundo, o único assunto importante. Ou seja, aqueles que pilotam as salas de aula não reportam ser esse o problema. Os teóricos e os ideólogos da moda circunavegam os espaços intergalácticos com suas teorias impenetráveis e denúncias conspiratórias. Inevitavelmente, as propostas são exaltadas, complicadas e sem foco. Mas nenhum deles se lembra de pousar nas terras onde a educação funciona e ver como se faz lá. Teriam surpresas. O primeiro passo para pensar nas soluções é entender que há prioridades, ou seja, algumas coisas se fazem antes, sacrificando as outras. A primeira missão da escola é ensinar a ler, a entender o que foi lido, a escrever e a usar números para lidar com problemas do mundo real (é o que medem os bons testes!). E, obviamente, isso faz convergir todo o foco do esforço para os primeiros anos (é lá que deveriam estar os melhores professores). A emoção, o afeto, o amor e a auto-estima não são objetivos em si, mas condições necessárias para acontecer o ensino sério. Não há "consciência crítica" sem entender o texto escrito. O resto do currículo é uma maneira engenhosa de aprender e praticar a arte de ler e escrever. Os professores têm de receber essa missão, de forma clara. E precisam prestar conta dela. Os que tiverem êxito na missão devem ser festejados e premiados. Para isso, os alunos têm de ser avaliados e testados com freqüência. E bem sabemos que o sucesso depende de o professor haver aprendido o assunto que vai ensinar e de incorporar as técnicas de sala de aula que se revelaram mais produtivas. São necessários currículos detalhados, bons livros e professores que saibam usá-los. A disciplina "careta" tem de ser mantida, a jornada de trabalho é longa e há muito "para casa". Se tal fórmula deu certo em todos os países avançados, caberia aos gurus demonstrar por que o Brasil é "diferente" e que precisamos de fogos de artifício, e não de foco obsessivo no essencial.
Mas essas são
tecnicalidades. O que precisamos é de uma sociedade indignada contra a
educação que temos. Precisamos de uma crise grave. Fonte: Rev. Veja, Claudio de Moura Castro, ed. 1953, 26/04/2006. Leia
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