Por um ensino melhor
[Editorial da "Folha de SP"]

 

 

 

          

"É louvável a iniciativa de entidades sociais de propor que candidatos assumam compromissos públicos com a educação antes da eleição"

 

Editorial:

Duas dezenas de organizações lançam nesta terça-feira (31/8) em Brasília a "Carta-Compromisso pela Garantia do Direito à Educação de Qualidade", que pretendem ver adotada por candidatos aos Poderes Executivo e Legislativo.  

Trata-se de um passo adiante na crescente tomada de consciência da esfera pública quanto ao papel estratégico do ensino. Ela já levou à formação do movimento Todos pela Educação, articulador da carta, que logrou conferir ao tema uma prioridade perto de consensual.  

O documento repete a fórmula bem-sucedida de vincular prioridades gerais com metas concretas, passíveis de acompanhamento e verificação.  

Entre os objetivos específicos estão alfabetizar todas as crianças até oito anos de idade antes de 2014, incluir todos os jovens e crianças de 4 a 17 anos na escola até 2016 e cobrir toda a demanda por vagas em creches até 2020. São propostas factíveis, mas nem por isso triviais.  

Além das metas relativas ao ensino, fixa-se o objetivo mais geral de elevar a fatia do PIB investida no setor a 10%, dos quais 8% para a educação básica e 2% para a superior. Já houve melhora: a educação básica recebe hoje cerca de 5% do PIB, contra 3,7% em 2006.  

Embora desejável, o aumento de verbas precisa ser contextualizado. Parece improvável que candidatos se comprometam previamente com metas de elevação de investimentos no ensino sem levar em conta demandas de outras áreas, como a de saúde.  

Além disso, o acréscimo de recursos precisa estar vinculado a objetivos determinados e ao aperfeiçoamento da gestão, sob pena de desperdício.  

Outros objetivos da proposta também suscitam reserva, pois os meios de alcançá-los não se mostram tão consensuais quanto poderia parecer. Além da parcela do PIB, são eles: valorização dos profissionais da educação, gestão democrática das escolas e aperfeiçoamento das políticas de avaliação e regulação.  

Ora, são bem conhecidas as divergências de fundo ideológico a respeito dos três pontos que separam gestões do PT e do PSDB em todos os níveis de governo. As políticas tucanas de premiação por mérito para educadores, por exemplo, são malvistas nos círculos sindicais petistas.  

Tampouco parece corriqueiro, no campo dos conflitos reais, chegar a acordo sobre o que seja uma gestão democrática, que não resulte em aparelhamento da escola por grupos partidários. Ou, então, sobre que consequências dar para resultados de avaliação.  

À parte essas discordâncias, não resta dúvida de que cabe pôr em prática de uma vez por todas o piso salarial nacional para docentes de R$ 1.024,67 (inferior até à renda média do país, R$ 1.117,95), ainda ignorado em alguns estados. Para esses casos, uma Lei de Responsabilidade Educacional não seria má ideia.  

Todos os candidatos deveriam subscrever o compromisso, ainda que fazendo as ressalvas cabíveis no que respeita à aplicabilidade e explicitando que interpretação dariam aos princípios sujeitos a controvérsia. Se a campanha eleitoral seguisse esse figurino, o público não estaria presenciando o festival de inanidades marqueteiras que assola o país.

Fonte: Folha de S. Paulo, 31/8/2010.



    Íntegra da Carta-Compromisso:
    
(Fonte: Todos Pela Educação)

 

PELA GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
Uma convocação aos futuros governantes e parlamentares do Brasil
 

Para consagrar o Estado Democrático de Direito, implantado pela Constituição Federal de 1988, as entidades e os movimentos proponentes desta Carta-Compromisso entendem que a questão educacional ocupa lugar central dentre todas as urgências que se impõem à nação brasileira. O enfrentamento do desafio constitucional de garantir o direito à Educação de qualidade para todos e todas e cada um dos brasileiros e brasileiras passa necessariamente pela implementação de medidas urgentes que possam não só consolidar os avanços alcançados, mas levar à construção de um Projeto Nacional de Educação capaz de tornar mais justa, sustentável e próspera a sociedade brasileira. Para tanto, no curso dos seus mandatos, os futuros governantes e parlamentares devem empreender os esforços necessários para a superação dos seguintes desafios prioritários:

- inclusão, até o ano de 2016, de todas e cada uma das crianças e adolescentes de 4 a 17 anos na escola, em conformidade com a Emenda Constitucional n° 59/ 2009.

- universalização do atendimento da demanda por creche, manifestada pelas famílias, nos próximos dez anos.

- superação do analfabetismo, especialmente entre os brasileiros e as brasileiras com mais de 15 anos de idade.

- promoção da aprendizagem ao longo da vida, como direito assegurado pela Constituição Federal, para toda criança, adolescente, jovem e adulto.

- garantia de que, até o ano de 2014, todas e cada uma das crianças brasileiras até os 8 anos de idade estejam plenamente alfabetizadas.

- estabelecimento de padrões mínimos de qualidade, conforme estabelecem a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (1996), para todas as escolas brasileiras,

  reduzindo os atuais níveis de desigualdade na oferta de insumos educacionais.

- ampliação das matrículas no ensino profissionalizante e superior capaz de garantir a oferta de oportunidades educacionais aos jovens e atender às necessidades de desenvolvimento socioeconômico e soberania técnico-científica do Brasil. 

A superação desses desafios prioritários depende de compromissos políticos efetivos e da consequente execução de políticas públicas educacionais, que devem ser empreendidas de forma colaborativa entre todos os níveis da federação. Deste modo, o primeiro e mais decisivo passo é institucionalizar o Sistema Nacional de Educação, tal como determinado pelo Art. 214 da Constituição Federal e deliberado pela Conferência Nacional de Educação (Conae-2010). O Sistema Nacional de Educação deve ser estruturado em três pilares: (1) a elaboração do Plano Nacional de Educação – PNE que deverá provocar a construção articulada de planos estaduais e municipais de educação; (2) o estabelecimento de Regime de Colaboração legalmente constituído entre os entes federados; e (3) a implementação de Lei de Responsabilidade Educacional, tal como aprovou a Conae (2010). 

O primeiro pilar determina as metas a serem alcançadas nos próximos dez anos (2011-2020) para a Educação brasileira, em consonância com as deliberações da Conae (2010). O segundo estabelece o compromisso legal de cada um dos níveis da federação para alcançar essas metas e demais compromissos educacionais. O terceiro pilar institui as consequências legais inerentes ao não cumprimento das respectivas responsabilidades pelos entes federados. 

Se a superação dos desafios prioritários passa pela institucionalização do Sistema Nacional de Educação, o estabelecimento deste sistema exige que os futuros governantes e parlamentares assumam quatro compromissos fundamentais, os quais devem ser devidamente transformados em leis e políticas públicas. São eles: 

1 Ampliação adequada do financiamento da Educação pública: é imprescindível elevar, até o ano de 2014, progressivamente, o percentual do PIB investido em Educação pública. Este novo recurso deve ser destinado à ampliação de matrículas e à garantia da oferta dos insumos básicos necessários para o alcance dos padrões mínimos de qualidade determinados pela Constituição Federal e pela LDB. Portanto, o financiamento da educação pública deve ser estruturado e organizado em torno de uma efetiva política de Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi). A União, ente federado que mais arrecada, deve assumir o compromisso de transferir os recursos necessários para o cumprimento do CAQi, em apoio aos esforços das esferas de governo que possuem arrecadação insuficiente. Assim, em consonância com as deliberações da Conae (2010), é imprescindível mobilizar esforços, de maneira efetiva, com o objetivo de ampliar gradualmente os recursos para a Educação pública a 10% do PIB. Deste total, 8% do PIB devem ser investidos em Educação básica pública e 2% do PIB devem ser destinados à ampliação e à qualificação do ensino superior público. 

2 Implementação de ações concretas para a valorização dos profissionais da Educação: os futuros governantes e parlamentares, nos âmbitos federal, estadual e distrital, em parceria com seus equivalentes municipais, devem implementar de forma integral e imediata, a Lei N° 11.738/ 2008, que determina o Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica. Complementarmente, até o ano de 2014, os mesmos devem produzir leis e políticas públicas capazes de estabelecer Planos de Carreira e Remuneração que tornem a educação uma área valorizada e atrativa profissionalmente. 

3 Promoção da gestão democrática: como princípio legal previsto na LDB, a gestão democrática nas escolas brasileiras é condição fundamental para melhorar a qualidade da Educação. Até o ano de 2014, quatro medidas são imprescindíveis: (a) assegurar os meios necessários para que todos os gestores da Educação (nos níveis estadual, distrital e municipal) sejam administradores plenos dos recursos da área, tal como determina a LDB; (b) aprimorar os mecanismos de transparência na construção e execução dos orçamentos da Educação pública; (c) criar programas de fortalecimento da gestão democrática, por meio da necessária estruturação dos conselhos escolares, municipais, estaduais, distrital e nacional de Educação, garantindo a participação de toda a comunidade na gestão educacional, especialmente dos estudantes; (d) institucionalizar o Fórum Nacional de Educação, que deve ser composto por representantes da sociedade civil e das esferas governamentais de todos os níveis da federação. O Fórum terá a responsabilidade de convocar e organizar as próximas edições da Conae, bem como auxiliar a realização de suas etapas preparatórias (municipais, estaduais e distrital), além de monitorar a implementação das políticas públicas deliberadas na etapa nacional da conferência. 

4 Aperfeiçoamento das políticas de avaliação e regulação: é preciso avançar nas práticas nacionais de avaliação, aprimorando a regulação e fortalecendo o controle social na Educação pública e privada. Na Educação Básica: aperfeiçoar os sistemas de avaliação existentes por meio de três esforços complementares. (1) Examinar de forma mais ampla os resultados obtidos nas avaliações, aprofundando a análise de dados sobre os diferentes níveis de aprendizagem entre os estudantes de uma mesma escola ou rede pública. (2) Relacionar os resultados das avaliações, com outras informações pertinentes às políticas educacionais, tais como: insumos existentes nas unidades escolares, formação e remuneração dos profissionais da educação, mecanismos de participação na gestão escolar da referida escola, nível de escolaridade dos pais de alunos, além de dados socioeconômicos do entorno. (3) Produzir relatórios que devem ser debatidos por toda comunidade escolar nas escolas e nas esferas de tomada de decisão das redes de ensino. No Ensino Superior: fortalecer e aprimorar o sistema de avaliação das instituições de ensino, para elevar os padrões de qualidade. Deste modo, é imprescindível aperfeiçoar a regulação das Instituições de Ensino Superior públicas e privadas. 

As instituições e os movimentos proponentes desta Carta-Compromisso avaliam que há condições favoráveis para a construção e implementação de um novo Projeto Nacional de Educação. Nos últimos anos, a sociedade brasileira compreendeu que a Educação com Qualidade é um dever do Estado e um direito a ser exigido pelos cidadãos e cidadãs e é uma condição fundamental para o desenvolvimento social e econômico do país. Além disso, mesmo sendo insuficientes (mas fruto de intensa luta social), o Brasil hoje dispõe de sistemas mais avançados de financiamento, monitoramento, avaliação e controle social das ações educacionais, o que permite melhor acompanhamento do que vier a ser planejado e executado. Por sua vez, a Conae (2010), a qual contou com uma ampla participação social, propõe novas diretrizes para os próximos dez anos da Educação brasileira, que deverão estar expressas no novo Plano Nacional de Educação. Por fim, a construção do PNE 2011-2020 é uma grande oportunidade de avanço no marco legal educacional, podendo transformar em metas e estratégias todos os desafios e compromissos propostos nesta Carta-Compromisso.  

Por todos esses aspectos, um novo Projeto de Educação para o Brasil tem de ir além do tempo de um governo, incorporando toda esta energia crítica e criativa e aproveitando as oportunidades políticas para avançar na perspectiva dos direitos sociais. Os proponentes reconhecem que tanto a institucionalização do Sistema Nacional de Educação, como os desafios prioritários apontados e os quatro compromissos fundamentais para a superação dos mesmos devem contribuir de maneira decisiva para a efetivação de um país mais justo e menos desigual, assegurando às atuais e às futuras gerações uma Educação de qualidade para todos e todas.

Brasília, 31 de agosto de 2010

 

 INSTITUIÇÕES E MOVIMENTOS PROPONENTES 

Academia Brasileira de Ciências – ABC
Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais – Abruem
 Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – Andifes
Associação Nacional de Política e Administração da Educação – Anpae
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – Anped
 Associação Nacional de Pós-Graduandos – ANPG
Campanha Nacional pelo Direito à Educação – Campanha
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária – Cenpec
Centro de Estudos Educação e Sociedade – Cedes
Confederação Nacional dos Trabalhadores de Estabelecimento de Ensino – Contee
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB
Conselho Nacional de Educação – CNE
Conselho Nacional dos Secretários de Educação – Consed
Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação
Fundo das Nações Unidas para a Infância – Unicef
Ordem dos Advogados do Brasil – OAB
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco
Sociedade Brasileira de Educação Matemática – SBEM
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC
Todos Pela Educação – Todos
União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – Ubes
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação – Uncme
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – Undime
União Nacional dos Estudantes – UNE

 


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