VEJA & POLÍCIA FEDERAL
A Polícia Federal abriu investigação para apurar denúncia contida em reportagem publicada pela Veja ("Um enigma chamado Freud", nº 1978, de 18/10/2006), sobre uma tentativa da cúpula da PF de abafar o caso conhecido como Dossiê Vedoin – coleção de documentos que seriam comprados por militantes petistas e usados para prejudicar a candidatura tucana ao governo de São Paulo. A matéria da revista informava que Freud Godoy, ex-assessor especial da Presidência da República, mantivera um encontro sigiloso em São Paulo, nas dependências da Polícia Federal, com o ex-policial federal Gedimar Passos, preso com o pacotaço de 1,7 milhão de reais. Os jornalistas Júlia Duailibi, Camila Pereira e Marcelo Carneiro foram intimados pela PF a prestar declarações, na terça-feira (31/10), sobre as informaçãoes publicadas pela revista. Na mesma terça-feira, o site Veja Online publicou uma nota em que acusa a PF de ameaçar e constranger os jornalistas durante o depoimento. "Para surpresa dos repórteres sua inquirição se deu não na qualidade de testemunhas, mas de suspeitos", diz a nota. Leia abaixo a íntegra do texto e, na seqüência, a nota da Polícia Federal de defesa dos procedimentos que adotou. *** Abusos, ameaças e constrangimentos a jornalistas de Veja A pretexto de obter informações para uma investigação interna da corregedoria sobre delitos funcionais de seus agentes e delegados, a Polícia Federal intimou cinco jornalistas de Veja a prestar depoimentos. Eles foram os profissionais responsáveis pela apuração de reportagens que relataram o envolvimento de policiais em atos descritos pela revista como "uma operação abafa" destinada a afastar Freud Godoy, assessor da presidência da Republica, da tentativa de compra do dossiê falso que seria usado para incriminar políticos adversários do governo. Três dos cinco jornalistas intimados – Júlia Duailibi, Camila Pereira e Marcelo Carneiro – foram ouvidos na tarde de terça-feira pelo delegado Moysés Eduardo Ferreira. Para surpresa dos repórteres sua inquirição se deu não na qualidade de testemunhas, mas de suspeitos. As perguntas giraram em torno da própria revista que, por sua vez, pareceu aos repórteres ser ela, sim, o objeto da investigação policial. Não houve violência física. O relato dos repórteres e da advogada que os acompanhou deixa claro, no entanto, que foram cometidos abusos, constrangimentos e ameaças em um claro e inaceitável ataque à liberdade de expressão garantida na Constituição. 1. Ao tomar o depoimento da repórter Julia Duailibi, o delegado Moysés Eduardo Ferreira indagou os motivos pelos quais ela escrevera "essa falácia". A repórter da Veja, então, perguntou ao delegado Moysés qual era o sentido de seu depoimento, uma vez que ele já chegara à conclusão antecipada de que as informações publicadas pela revista eram "falácias". Ao ditar esse trecho do depoimento para o escrivão, o delegado atribuiu a palavra à repórter, no que foi logo advertido pela representante do Ministério Público Federal, a procuradora Elizabeth Kobayashi. A procuradora pediu ao delegado que retirasse tal palavra do depoimento porque tratava-se de um juízo de valor dele próprio e que a repórter nunca admitira que escrevera falácias. 2. Embora a jornalista de Veja estivesse depondo na condição de testemunha num inquérito sem nenhuma relação com a divulgação das fotos do dinheiro do dossiê, o delegado Moysés Eduardo Ferreira a questionou sobre reportagem anterior, assinada por ela, que tratava do tema. O delegado exigiu, então, da repórter que revelasse quem lhe dera um CD com as fotos. A repórter se recusou a revelar sua fonte. 3. Durante todo o depoimento da repórter Julia Duailibi, o delegado Moysés Eduardo Ferreira a questionou sobre o que ele dizia ser uma operação de Veja para "fabricar" notícias contra a Polícia Federal. Disse que a matéria fora preconcebida pelos editores da revista e quis saber quem fora o editor responsável pela expressão "Operação Abafa". 4. O delegado disse que as acusações contra o diretor-executivo da Superintendência da PF, Severino Alexandre, eram muito graves. E perguntou "Foi você quem as fez? Como vieram parar aqui?". Referindo-se à duração do depoimento, o delegado Moysés Eduardo Ferreira disse: "Se você ficou duas horas, seu chefe vai ficar quatro". 5. Indagada sobre sua participação na matéria, a repórter Camila Pereira disse ter-se limitado a redigir uma arte explicativa, a partir de entrevistas com advogados, sobre como a revelação da origem do dinheiro poderia ameaçar a candidatura e/ou um eventual segundo mandato do presidente Lula. O delegado perguntou quais advogados foram ouvidos. A repórter respondeu que seus nomes haviam sido publicados no próprio quadro. O delegado, então, perguntou se Veja pagara pela colaboração dos advogados. Diante da resposta negativa, o delegado ditou para o escrevente que a repórter respondera que "normalmente a revista não paga por esse tipo de colaboração". A repórter, então, o corrigiu, dizendo que a revista nunca paga para suas fontes. 6. Embora os repórteres de Veja tenham sido convocados como testemunhas, o delegado Moysés Eduardo Ferreira impediu que eles se consultassem com a advogada que os acompanhava, Ana Dutra. Todo e qualquer aparte de Ana Dutra era considerado pelo delegado Ferreira como uma intervenção indevida. Em determinado momento, Ferreira ameaçou transformar a advogada em depoente. Ele também negou aos jornalistas de Veja o direito a cópias de suas próprias declarações, alegando que tais depoimentos eram sigilosos. A repórter Júlia Duailibi foi impedida de conversar com o repórter Marcelo Carneiro. A estranheza dos fatos é potencializada pela crescente hostilidade ideológica aos meios de comunicação independentes, pelas agressões de militantes pagos pelo governo contra jornalistas em exercício de suas funções e, em especial, pela leniência com que esses fatos foram tratados pelas autoridades. Quando a imprensa torna-se alvo de uma força política no exercício do poder deve-se acender o sinal de alerta de modo que a faísca seja apagada antes que se torne um incêndio. Nunca é demais lembrar: "Pior do que estar submetido à ditadura de uma minoria é estar submetido a uma ditadura da maioria".
A nota da Polícia Federal Em virtude de notícias veiculadas a partir de discurso proferido na tribuna do Senado Federal o Departamento de Polícia Federal informa: 1. Com o objetivo de investigar possíveis crimes praticados no âmbito da Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo denunciados pela revista Veja na edição nº 1978, ano 39, nº. 41, a Polícia Federal instaurou o inquérito nº 2-4672-Delefaz/SR/DPF/SP e ouviu hoje, 31 de outubro, em São Paulo os jornalistas Marcelo Theodoro Carneiro, Julia Dualibi de Mello Santos e Camila Cardosos Pereira; 2. Os depoimentos foram tomados com o acompanhamento da Procuradora da República Elizabeth Mitiko Kobayshi e da advogada da Revista Veja, Ana Rita de Souza Dutra. Estavam presentes ainda o Delegado de Polícia Federal que preside o inquérito e dois Escrivães de Polícia Federal; 3. Os questionamentos às testemunhas foram feitos normalmente pelo Delegado e em seguida pela Procuradora da República e versaram exclusivamente sobre os fatos constantes da matéria da Veja, como seria cabível em semelhante apuração; 4. Em nenhum momento os repórteres, ou sua advogada, manifestaram às referidas autoridades a contrariedade ou discordância com a condução do depoimento, causando surpresa à este órgão a conotação de suposta arbitrariedade que vem sendo dada ao procedimento em questão; 5. É objetivo do Departamento de Polícia Federal o rápido e total esclarecimento dos fatos relacionados à Operação Sanguessuga e seus desdobramentos; 6. A PF aguarda manifestação formal dos jornalistas para tomar as providências apuratórias cabíveis. Divisão de Comunicação Social – Tel.: (61) 3311-8142
Fonte: Veja On-line, 31/10/06, PF, Observatório da Imprensa, Luiz Egypto, 1/11/2006. |