'Plano sem metas encoraja resistência', avalia José Goldemberg
Faltam cronograma, alvos e fontes de recursos na proposta do Plano Nacional
Seria bom, se não fosse um problema: o plano efetivamente não é um plano, mas um emaranhado de iniciativas já existentes, com lacunas e oportunidades perdidas, avalia José Goldemberg, professor da Universidade de São Paulo e um dos maiores especialistas em mudanças climáticas do País. "O governo não teria dificuldade em fazer um plano que fosse pelo menos medianamente aceitável", diz. A interpretação é compartilhada por mais de 20 ONGs brasileiras, que preparam um documento de repúdio ao texto apresentado, pedem sua reestruturação e um adiamento do prazo de avaliação pública. Uma reunião já foi feita em São Paulo e outras três estão marcadas para esta semana. Leia entrevista com Goldemberg: – Qual é sua avaliação sobre o plano apresentado pelo governo? Um plano – e qualquer pessoa que tenha trabalhado para o governo ou para a iniciativa privada sabe - é um elenco de projetos com orçamento e metas a serem atingidas. O governo, por exemplo, tem um plano para o biodiesel: até 2012, 2% do diesel usado no Brasil deve ser substituído. Quando foi anunciado que o governo lançaria um plano de mudanças climáticas, se esperava que fosse um elenco de ações com metas a serem atingidas e um calendário para atingi-las. – Não é o que foi proposto? Quando a gente lê o chamado plano - plano entre aspas – não há uma coisa nem outra. Ele simplesmente lista uma quantidade grande de programas em andamento que são bons do ponto de vista ambiental. Expandir a matriz energética na direção das renováveis é uma boa idéia, expandir o programa do álcool, de biodiesel. Mas essa é uma radiografia do passado e não uma projeção para o futuro, sem nada além do que já estava sendo feito. – O que seria necessário? Pela maneira como o plano é feito, ele desperdiça uma oportunidade que o governo teria de quantificar algumas metas. Por exemplo, reduzir 2% do diesel em 2012 corresponde a um certo número de toneladas de carbono. Creio que o governo não teria dificuldade em fazer um plano que fosse pelo menos medianamente aceitável. O pior é que se refere à Amazônia. O desmatamento é responsável por 75% das emissões brasileiras de gases do efeito estufa. O plano traz declarações genéricas sobre como a taxa de desmatamento médio de quatro anos deve ser reduzida. Compare isso com o PAC: você não diz de onde vai sair o dinheiro e não diz o que efetivamente vai fazer. – O texto teria de ser revisto desde o início? Seria preciso recomeçar? Um dos impactos desse plano é que as organizações não-governamentais ficaram perplexas, um setor que gostaria de ajudar o governo a fazer um documento de qualidade. Acho que esse texto poderia ser melhorado se ele quantificasse em toneladas de carbono as afirmações que traz. Não tenho uma postura niilista, tão negativa assim. Mas não dá para fazer isso (a quantificação) concretamente. – Com esse plano, como o Brasil se posiciona no debate internacional sobre mudanças climáticas? O Brasil adotou em Bali (na 13ª Conferência do Clima) o compromisso de apresentar medidas voluntárias mas mensuráveis, verificáveis e reportáveis. É uma decisão muito forte, porque cria imediatamente a possibilidade de escrutínio por parte de toda a sociedade. O plano acabaria virando uma exortação. Mas não há o que verificar, de modo que é muito difícil até avaliar o plano. – Qual seria o impacto da apresentação deste documento na 14.ª Conferência do Clima na Polônia? Vai gerar desapontamento. As pessoas que freqüentam as conferências são negociadores experimentados. Acho que eles esperariam que o governo do Brasil estivesse mais adiantado em fazer uma planificação convincente. – Internamente, qual é o impacto de um documento como esse? O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas tem feito audiências públicas em várias cidades do Brasil ouvindo os diferentes setores. Como o documento não apresenta nenhuma proposta concreta de ação, nas reuniões o resultado é que nenhum setor quer reduzir (a emissão de gás-estufa). Se o governo tivesse apresentado uma proposta de redução do setor elétrico, do agrícola e outros setores, uma consulta pública envolvendo esses atores faria com que eles falassem: "Não conseguiremos cumprir em 5 anos, precisaremos de 15 anos". O que tem acontecido é que todos os setores dizem que não querem ouvir falar em reduções. Acabou encorajando a resistência a metas. – Não é esperado que haja resistência interna a metas? As metas (de redução de emissão) têm de ser objeto de liderança do governo. A maneira de fazer seria o governo federal dizer: 'Temos compromissos não só internacionais, mas com a humanidade e o povo brasileiro. Então vamos fazer um esforço real para diminuir as emissões, senão haverá conseqüências graves'.
Fonte: O Estado de S. Paulo, Cristina Amorim, 26/10/2008.
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