Pinto estressor
Helena Sut*

 

Sobre sociedades que se adaptam em cercados sob os véus dos dogmas e permanecem vulneráveis à inquietação das opiniões individuais.

Pode parecer ingênuo ou fabuloso falar sobre a influência de um simples pinto estressor num galinheiro comum, principalmente, se pretendermos traçar um paralelo com o comportamento dos homens em sociedades relativamente acomodadas e concluirmos pelas semelhanças encontradas nas reações estudadas. Mas a ocorrência de um pio estressado lançado num galinheiro pode ter conseqüências de proporções imprevisíveis e pressenti-las não é um sintoma de paranóia ou de outra psicopatologia.  

Apesar da graciosidade da analogia, constatamos em vários momentos da nossa vida cotidiana, tipicamente humana e racional, a força dos pintos estressores na propagação da angústia e da rebeldia, a insurreição das demais “galinhas”, o tumulto no cercado e o restabelecimento da ordem com a penalização de alguns bodes expiatórios. Bodes? Não estávamos falando de galinhas, pintos e homens? 

Aparentemente frágeis e de pouca importância, alguns “pintos” são capazes de macular com malícia e pessimismo as situações que nos habituamos a enfrentar com disciplina e resignação; outros, mais perigosos, mantém a aparência de inocentes, dissimulando qualquer participação no protesto, enquanto incitam as insatisfações mais íntimas com a precisão absoluta das sumidades da alma. 

Quem já não se sensibilizou com algum comentário entre dentes numa fila de banco ou de transporte coletivo? Deixou-se manipular pela afirmação daquele que, à revelia do mundo, cobre-se com a coragem de gritar que “o rei está nu”? Ou se apiedou com os lamentos de uma senhora maledicente?  

Todos estamos vulneráveis às provocações dos mais inconseqüentes. O pânico causado pelas notícias das listas de demissão nas empresas ou a euforia despertada pelos boatos de aumentos para as categorias profissionais, o entusiasmo com uma descoberta amorosa ou o desespero diante das intrigas conjugais, as manias ou as depressões... 

Claro que a apatia de algumas galinhas é mais prejudicial ao grupo do que o estresse de muitos pintos, mas a indiferença é assunto para uma outra crônica... O que precisamos descobrir é o que origina a desordem em alguns galinheiros. A simples anarquia? A insanidade temporária e coletiva? A lucidez? Ou a existência de sociedades que se adaptam em cercados sob os véus dos dogmas e permanecem vulneráveis à inquietação das opiniões individuais?



* Helena Sut encontrou na literatura a forma de expressar suas percepções e vivências, transformando-se numa janela para o mundo. Escrever é uma necessidade para esta carioca que reside no Paraná desde 1999. Autora de poesias, contos, crônicas e textos teatrais, Helena Sut é uma escritora determinada e busca a concretização de suas palavras na conquista de novos leitores.

 

Fonte: Ag. Carta Maior, 5/4/2007.


Opiniões sobre os artigos ...


Coletânea de artigos


Home