Perguntas que martelam na cabeça
Washington Novaes* 

  

Continua a administração pública a ignorar a proposta da SBPC
 de moratória no desmatamento

 

Não parece provável que se altere o rumo do projeto de lei de concessão de florestas públicas na Amazônia, aprovado pela Câmara dos Deputados. É pena.  

Há muito a ser discutido, como já se comentou neste espaço mais de uma vez – a inexplicável dispensa de reserva legal em projetos desse tipo (na Amazônia, a reserva legal é de 80% em cada área), a experiência negativa de muitos países com esse rumo, as incertezas quanto à conservação da biodiversidade, a incapacidade governamental para monitorar e fiscalizar (basta ver o imbróglio que envolve hoje o maior projeto de manejo certificado na região).

Na verdade, como também já se discutiu aqui, o Brasil segue sem estratégia para a Amazônia.

Continua a administração pública a ignorar a proposta da SBPC de moratória no desmatamento (já há áreas desmatadas sem uso econômico suficientes para dobrar a produção agropecuária, como tem mostrado a Embrapa) e investimento pesado em ciência na região, para conhecer e utilizar a maior biodiversidade do planeta.

Seguimos na velha trajetória de fornecedores de produtos primários a baixos preços ou baixo valor agregado para países industrializados, arcando com os custos ambientais e sociais, como têm ressaltado os relatórios das Nações Unidas.

Para comprovar isso mais uma vez, o Congresso aprovou também nos últimos dias um projeto de decreto legislativo que autoriza o Executivo a implantar a hidrelétrica de Belo Monte, a primeira de uma série no Rio Xingu, que vários estudos têm mostrado que terão impactos altamente negativos – para produzir eletrointensivos igualmente exportáveis para países que não querem fabricá-los, dados os seus altos custos energéticos, ambientais e sociais.

E aqui ainda subsidiamos a energia (a sociedade toda paga a diferença), como acontece em Tucuruí.

Quem quiser saber de toda a extensão dos danos de Belo Monte e das outras usinas rio acima deve consultar o recém-publicado livro Tenotã-Mõ, editado pela International Rivers Network, Instituto SocioAmbiental e outras instituições.

Nesse ponto, chega-se à questão do polêmico modelo energético brasileiro, nesta hora em que se avolumam as pressões para que o país construa não só a usina nuclear de Angra III, como outras cinco – apesar de a ministra Dilma Roussef haver dito que existem outras fontes mais baratas “e damos preferência a elas, não à nuclear”.

E apesar de o reputado Massachusetts Institute of Technology haver concluído que as usinas nucleares não são competitivas, sem subsídios (The Financial Times, 17/5/2005) – mesmo não considerando o custo adicional que significará a adoção de sistemas de proteção contra o terrorismo, nem o fato de não haver destinação segura para o perigosíssimo lixo nuclear.

A pressão não é apenas no Brasil, é em quase todo o mundo, sob o argumento de que não haveria alternativa para evitar que as emissões de poluentes que contribuem para mudanças climáticas aumentem em 60% nas próximas décadas.

Mas há alternativas – tanto que vários países se estão convertendo a outras fontes e desativando as usinas nucleares (como a Alemanha e a Suécia, entre outros).

E o Brasil, principalmente, tem uma possibilidade talvez única, pois dispõe, além da energia eólica, das marés e solar, das biomassas. Mas a pressão é para que licencie a qualquer preço apenas hidrelétricas, desprezando custos ambientais e sociais.

Como acaba de acontecer com a usina de Barra Grande, em que o estudo de impacto ambiental fez de conta que não existia uma reserva de milhares de hectares de araucárias na área de inundação (tanto que a empresa autora do Eia/Rima foi multada em R$ 10 milhões) e se autorizou o fechamento irreversível das comportas. 

Não é diferente do caso da usina de Serra da Mesa, em Goiás, onde se passou por cima de todas as exigências legais e agora se enfrenta um inquérito que apura a contaminação das águas pelo mercúrio dos garimpos que havia no rio, a eutroficação gerada pela deposição de esgotos de várias cidades, a disseminação da raiva por morcegos expulsos, a contaminação por alumínio e fosfato.

Ou o caso da usina de Corumbá, também em Goiás, onde agora têm de ser usados mergulhadores para retirar a vegetação submersa, porque o reservatório, além de gerar energia para a produção de eletrointensivos (como na Amazônia e em Barra Grande), será utilizado para o abastecimento de água do Entorno do Distrito Federal.

E não bastasse tudo isso, a Agência Nacional de Águas está promovendo estudo para a Bacia Araguaia-Tocantins, onde se prevê a implantação de 81 usinas, das quais 39 de grande porte.

Deveríamos prestar mais atenção à palavra de estudiosos como o professor Ignacy Sachs, do Centro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (França).

Ainda há poucas semanas, como noticiou este jornal, mostrou ele no Instituto de Estudos Avançados da USP que “estamos no início da moderna civilização da biomassa”, com o fim da era do petróleo e o agravamento dos problemas ambientais no mundo (como as mudanças climáticas).

Ou do professor Bautista Vidal, responsável pela implantação do Proálcool.

Ele lembra que com as biomassas o Brasil poderá produzir 8 milhões de barris diários de biodiesel, tanto quanto a Arábia Saudita produz de petróleo. Mas só estamos prevendo adicionar 2% de biodiesel aos nossos combustíveis até 2008.

“Por que não 80%?”, pergunta ele. São as perguntas que martelam na cabeça de quem não se conforma com um modelo energético complicado e com a falta de estratégia para a Amazônia.
 

* Washington Novaes é jornalista especializado em questões ambientais e já foi secretário de C&T e Meio Ambiente do Distrito Federal.  

Fonte: O Estado de S. Paulo, 15/7/2005.


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