Pense bem antes
...
...
de entrar em um debate sobre quem é mais inteligente.
É grande o
risco de falar (e ouvir) bobagem
Pode
haver discussões burras sobre inteligência? Sim. Elas são mais comuns do que
discussões profanas sobre religião. Recentemente, quem levantou mais uma
dessas tertúlias estéreis foi James Watson, ganhador
com Francis Crick do Nobel de Medicina em 1962 pela descoberta da estrutura
de dupla hélice do DNA, a molécula da vida. O inglês Crick foi o gênio da
dupla. O americano Watson, claro, o mais falante. "A inteligência dos
africanos não é a mesma que a nossa", disse Watson ao jornal inglês Sunday
Times. Desculpou-se, mas era tarde. Foi aposentado compulsoriamente da
instituição de pesquisa a que pertencia. Seguiu-se então o falso debate
sobre se uma raça é mais inteligente do que outra, quando tudo que se queria
discutir era se ainda é possível, no mundo politicamente correto de hoje,
fazer esse tipo de comparação. Não é. Até porque não se chega a lugar
nenhum. Como e em que direção podem avançar as discussões sobre
inteligência? As mais ponderadas e surpreendentes respostas vêm dos
neodarwinistas, os sucessores intelectuais de Charles Darwin (1809-1882),
pai da teoria da evolução.
Eles avançam
porque superaram a questão de quem é mais inteligente para se dedicar a
mapear por que as inteligências diferem entre si. O brasileiro Gilberto
Freyre (1900-1987) fez a mesma coisa quando se recusou a comparar raças
para confrontar culturas – isso em um tempo em que o cotejo da cor da
pele, do volume cerebral e do formato dos crânio gozava de respeito
científico, situação que perduraria nas universidades européias até
depois da II Guerra Mundial, apesar da bárbara experiência eugenista de
Adolf Hitler. Os neodarwinistas partem do pressuposto correto de que
pode haver maior variação entre pessoas de uma mesma raça do que entre
pessoas de raças diferentes. Eles querem dizer com isso, por exemplo,
que um finlandês pode ser muito mais inteligente do que outro finlandês
mas menos inteligente do que um negro.
Enterrada a
comparação entre raças, pode-se tranqüilamente focar em comparar como
povos diferentes desenvolveram inteligências diferentes. Para os
neodarwinistas, isso significa estudar como a evolução humana trabalhou
sobre as propriedades físicas e químicas do cérebro humano em cada etapa
e em cada nicho onde as populações se isolaram através das eras. A
partir daí, tudo fica mais fácil de entender.
Os nativos da Polinésia e de certas
partes |
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Mapa das funções mentais em voga entre os frenologistas do século XIX:
chute |
da Amazônia vivem
há dezenas de milhares de anos em ambientes naturais onde não existe e
nunca existiu vantagem comparativa alguma em saber contar. Os povos
dessas regiões chegaram até os dias de hoje sem que a evolução se tenha
ocupado em selecionar entre os mais capazes de sobreviver aqueles com
talento matemático. Resultado: muitos não sabem contar até cinco. Podem
aprender? Sim, mas certamente não terão a mesma prodigiosa capacidade de
raciocínio lógico e matemático de uma população que passou por um
processo evolutivo completamente diferente – por um processo que, ao
contrário dos polinésios, selecionou como mais aptos a sobreviver
justamente aqueles indivíduos dotados de maior habilidade com números e
outras abstrações lógicas. É o caso clássico dos judeus asquenazes, da
Europa Central e Oriental. A explicação neodarwinista para o desempenho
acima da média dos judeus asquenazes em testes de QI é bela e simples.
Desde que se rebelaram contra a dominação romana no século I, os
asquenazes passaram a maior parte de sua história fugindo de seus
perseguidores. Para otimizar as probabilidades de escapar, os judeus
errantes foram se especializando em riquezas cada vez mais fáceis de
transportar. Assim, das peles chegaram aos metais preciosos, deles aos
diamantes – e, finalmente, ao tesouro mais facilmente transportável, o
intelecto. Nesse contexto puramente científico a frase de Watson ("A
inteligência dos africanos não é a mesma que a nossa") não deveria
causar nenhum furor. Mas, como se sabe, as discussões sobre inteligência
tendem a ser burras. |
Fonte: Rev. Veja, ed. 2034, 14/11/2007.
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