A floresta pagou a conta ...
CPI pede o indiciamento de cinco petistas
acusados de
Na semana passada, no entanto, a primeira parte do relatório final da CPI da Biopirataria mostrou que o partido ainda pode, sim, surpreender – e superar-se quando o assunto é o assalto ao Estado. A vítima, neste caso, foi a Floresta Amazônica. No ano passado, VEJA publicou reportagem mostrando a existência de um esquema em que filiados e parlamentares petistas ligados ao Ibama facilitavam a extração de madeira ilegal no Pará em troca de doações de madeireiros para campanhas de candidatos do PT. Depois de nove meses investigando o assunto, a CPI não só confirmou a situação descrita pela reportagem como apontou como chefe do esquema de desmatamento ilegal no Pará o gerente executivo do Ibama no estado, Marcílio Monteiro – indicado para o cargo pela senadora petista Ana Júlia Carepa, com quem foi casado. Fundadora do PT no Pará, Ana Júlia é conhecida por seu envolvimento com os movimentos sociais e a causa dos sem-terra da Amazônia. Embora um acordo costurado entre parlamentares tenha poupado Ana Júlia e seu ex-marido de um pedido de indiciamento no relatório, a investigação da CPI esbarrou em uma série de indícios comprometedores para a dupla. Logo no início das investigações, a comissão recebeu de um sindicalista da região a denúncia de que parte da propina paga pelos madeireiros para conseguir autorizações para o desmate e o transporte ilegal de madeira era depositada em contas bancárias de uma assessora da senadora, Maria Joana da Rocha Pessôa. Obtida a quebra do sigilo da funcionária, descobriu-se que, apenas em 2004, ela havia movimentado, em duas contas, uma quantia superior a 2 milhões de reais. O valor é dezesseis vezes mais alto do que a renda anual que Maria Joana declarou à Receita Federal: 124.800 reais. Além disso, extratos bancários analisados pela CPI revelam que contas da assessora passaram a receber cada vez mais dinheiro à medida que se aproximavam as eleições. "Essa movimentação voltava a cair com a passagem do pleito", afirma o relator da comissão, José Sarney Filho (PV-MA). A CPI não conseguiu rastrear a origem do dinheiro que alimentou as contas milionárias de Maria Joana: a maioria dos depósitos foi feita em dinheiro vivo. Um clássico petista.
A intimidade da assessora da senadora com o setor madeireiro ficou evidente na quebra do sigilo telefônico das treze linhas registradas em seu nome. A CPI identificou quase uma centena de chamadas de Maria Joana para empresas do setor, todas elas envolvidas no esquema petista, batizado pela CPI de "esquema da Safra Legal". O nome tem origem em um programa do Ibama do Pará, supostamente implantado para regularizar a retirada de madeira de assentamentos no estado. Conforme revelou a reportagem de VEJA no ano passado, o símbolo do projeto – um adesivo nas cores verde e branco com a inscrição "oPTante do Plano Safra Legal" (com as letras "p" e 't" da primeira palavra em destaque) – foi utilizado como uma senha para que os caminhões envolvidos no esquema, carregados de madeira ilegal, fossem dispensados de fiscalização. Depoimentos de caminhoneiros, colhidos pela CPI, confirmam que os motoristas foram obrigados a colar o selo no pára-brisa – alertados de que, sem ele, estariam impedidos de trabalhar. O esquema da Safra Legal funcionou de novembro de 2004 a abril de 2005. A CPI estima que, por meio dele, mais de 220.000 metros cúbicos de madeira tenham sido ceifados e transportados ilegalmente. O volume seria suficiente para encher 6.000 carretas de toras.
"Apesar do esforço do Partido dos Trabalhadores em abafar as investigações, conseguimos desmontar um dos mais escabrosos casos de corrupção na área ambiental do país", avalia o presidente da CPI, o deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP). O relatório da CPI pede ao Ministério Público o indiciamento de sete pessoas, cinco delas ligadas ao PT. São elas: Leivino Ribeiro de Souza, idealizador do selo que servia de salvo-conduto para a madeira ilegal e caixa de campanha do candidato a prefeito em Anapu Chiquinho do PT, que também teve solicitado o seu indiciamento; Elielson Soares de Farias, ex-gerente do Ibama em Altamira, filiado ao PT e indicado ao cargo pelo partido; Bruno Kempner, executor do Incra na cidade de Altamira, filiado ao PT e indicado ao cargo pelo partido; e Sílvio César Costa de Lima, caixa de campanha de candidatos do partido na região da Transamazônica. As outras duas pessoas que tiveram o indiciamento pedido no relatório são a engenheira florestal Sidiane Costa de Lima, acusada de assinar laudos falsos que permitiam o desmatamento ilegal; e Gracilene Lima, uma das sócias da empresa que coordenou a execução do plano Safra Legal no Pará. Monteiro, o ex-marido da senadora Ana Júlia, também chegou a ter o indiciamento pedido em uma das versões preliminares do relatório. A solicitação foi retirada depois que deputados da base do governo ameaçaram derrubar o relatório. Pelo mesmo motivo, o nome da senadora petista é citado apenas de passagem no documento. O texto registra o estranhamento dos parlamentares pelo fato de Ana Júlia – que não recebeu nenhuma doação de madeireiros em 2002, quando se candidatou ao Senado – ter tido os cofres de campanha inundados por dinheiro do setor em 2004, quando foi candidata à prefeitura de Belém. Ela indicou Monteiro para a chefia do Ibama em 2003. A senadora nega que tenha beneficiado madeireiros em troca de contribuições de campanha. Diz que todas as denúncias contra ela são "especulação e ilação".
Além dos dois gerentes do Ibama citados no relatório, outros três servidores do instituto participaram da emissão das autorizações fraudulentas de desmate. Até o momento, no entanto, nenhum deles foi afastado do órgão. "A falta de reação da ministra Marina Silva é inconcebível", diz Sarney Filho. Procurada pela reportagem, a ministra não se manifestou. Sua assessoria disse que ela estava em viagem, incomunicável, mas que aguarda os resultados dos processos disciplinares em curso no Ibama para tomar providências. A ministra parece ter sofrido uma recaída na letargia que acometeu a ela e a seu ministério e da qual parecia ter se recuperado logo após a divulgação das primeiras denúncias de corrupção na Amazônia. Na ocasião, o governo iniciou uma faxina na área ambiental. No Pará, o plano Safra Legal foi cancelado. Em Mato Grosso, outro estado em que a corrupção grassava como mato (veja quadro abaixo), o Ibama sofreu intervenção e a fiscalização na região aumentou. Essas ações tiveram um impacto direto sobre a floresta. No ano passado, os dois estados apresentaram as maiores quedas na taxa de desmatamento. Ou seja: o governo só precisa fazer o mínimo – neste caso, fiscalizar e não permitir que seu partido roube – para manter a Amazônia a salvo.
Fonte: Rev. Veja, Leonardo Coutinho, ed. n. 1945, 1/3/2006. |