Pacote pró-qualidade do ensino vem aí. Mas falta dinheiro, diz trabalhador
Quando o assunto é educação, não há como negar que um dos principais problemas a ser enfrentado reside no cruel abismo que se instalou entre acesso e qualidade. A escola é uma realidade para quase todas as crianças no Brasil, mas o grau de aprendizado está muito aquém do que se pode considerar como satisfatório. Para tentar mudar esse quadro, o Ministério da Educação (MEC) vem preparando um pacote de medidas de médio e longo prazo que deve ganhar mais lastro a partir deste ano. O conjunto de novidades foi apresentado pelo secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC), Fernando Haddad, em uma conversa exclusiva com a reportagem da Agência Carta Maior. O esforço do MEC com vistas à melhora de qualidade do ensino no país se dá por quatro frentes. A primeira delas busca incentivar a aproximação das universidades com a educação básica. Para isso, já foi estabelecida uma rede de 20 instituições de ensino superior, públicas em sua maioria, que está desenvolvendo projeto de duração de quatro anos, no bojo do Plano Plurianual (PPA) 2004-2007. Uma quantia de R$ 40 milhões (R$ 10 milhões por ano) está sendo destinada para o desenvolvimento de técnicas a materiais didáticos específicos para facilitar a interação entre a universidade e o ensino básico. O estabelecimento de escolas de formação de lideranças voltadas para dirigentes da área de educação se constitui como a segunda medida dentro do pacote pró-qualidade. Segundo Haddad, o Ministério verificou por meio de pesquisas que o diretor de escola tem grande influência sobre o aprendizado dos alunos. A terceira investida do governo federal diz respeito à formação propriamente dita dos professores. Para traduzir a vontade em números, o secretário-executivo do MEC ressalta que mais de 20 mil (dos 116 mil beneficiados pelo ProUni – leia também “Senado aprova ProUni ainda melhor para empresários”) são professores e que outros 17 mil já participam de programas de universidades abertas e à distância. Para fechar o leque de ações conjuntas de enfrentamento à rasa qualidade do ensino no Brasil, o governo pretende estabelecer uma conexão mais direta com os alunos. Para isso, prepara a universalização do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) em 2005, para reunir dados mais completos e precisos sobre o nível de qualidade da educação. Também deve ser lançada em breve a Carteira Nacional do Estudante, um cartão magnético que possibilitará o acompanhamento individual dos alunos e concentrará outras funções importantes como a de facilitar o controle da presença escolar no âmbito das contrapartidas necessárias para a participação no programa Bolsa-Família. Para Jussara Vieira, que foi reeleita como presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) no congresso da entidade realizado na semana passada, o governo federal, a despeito dos esforços setoriais, ainda não apresentou uma política mais ampla e decidida no campo da educação. Ela aponta pelo menos dois flancos em que a atuação do governo poderia ser mais incisiva. Para a presidente da CNTE, não adianta só o MEC fazer a sua parte para melhorar a educação. Ou seja, o Executivo federal precisaria trabalhar um pacto federativo mais consistente em prol de mudanças, já que Estados e municípios concentram responsabilidades no que se refere à educação básica. Hoje, aponta Jussara, grande parte das administrações está presa à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e depende diretamente do repasse de recursos da União. Surge aí o problema central, na opinião dos trabalhadores em educação, da dificuldade no estabelecimento de um ensino de melhor qualidade: a falta de dinheiro. O incremento de recursos proposto no projeto de transformação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) (leia também “Estudo aponta irregularidades em 99% dos municípios”) em Fundo de Educação Básica (Fundeb), para a CNTE, ainda é insuficiente. “O Fundef pega hoje a parte mais barata. O Fundeb pegará a parte mais cara, que a educação infantil e o ensino médio. Para que seja possível dar um passo definitivo de qualidade, é necessário que haja mais investimento”, aponta Jussara. A CNTE apóia a proposta do MEC de reapropriação dos recursos da Desvinculação dos Recursos da União (DRU). “Mas isso tem data de vencimento. Quando acabar, a fonte secará”, observa a presidente do CNTE. Ela destaca, porém, que os espaços de interlocução com o governo foram “oxigenados”. Como exemplo dessa “oxigenação”, Jussara cita o anúncio do financiamento de cursos de profissionalização para funcionários. A dirigente ressalta que muitas vezes as políticas públicas não deslancham pela falta de segurança dos profissionais, que carecem de processos constantes de adaptação para acompanhar as novas necessidades dos alunos. Para tudo isso, a CNTE lançou uma campanha em favor da utilização dos recursos do serviço da dívida externa para a educação. “A destinação de 10% (R$ 180 bilhões) do PIB (R$ 1,8 trilhão) seria um aporte bastante significativo”, quantifica Jussara, que promete mobilizar entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e os movimentos sociais. Para a sindicalista, o governo federal precisa se valer mais de seu poder de convencimento para captar mais recursos. De seu posto, Haddad contesta a vinculação direta entre quantidade de recursos destinados e qualidade da educação. Diz ele: “Se o problema fosse exclusivamente dinheiro, o desempenho do Estado de São Paulo no Saeb deveria ser o melhor entre todos os Estados, mas não é. São Paulo está em nono lugar. Atrás de todos os Estados do Sul [Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina], de todo os outros Estados do Sudeste [Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo], do Distrito Federal e do Mato Grosso. O orçamento per capita para cada aluno no Espírito Santo é bem menor que o de São Paulo”.
Haddad
lembra, porém, que os recursos hoje destinados pelo Fundef para os Estados
da Regiões Norte e Nordeste são inferiores ao mínimo necessário para que
haja uma educação satisfatória. ”Injetar dinheiro hoje no Nordeste
significa, sem dúvida, melhorar a qualidade do ensino”, adiciona. Para todos
os efeitos, o secretário–executivo do MEC não coloca a melhoria da qualidade
como “um desafio de um governo”, mas “de uma geração inteira”. Fonte: Agência Carta Maior, Maurício Hashizume, 25/01/2005 |