‘Pacote da autonomia’ reforça mercantilização da educação

 

 

RBORGES

 

O chamado “pacote da autonomia”, imposto de forma autoritária pelo governo Lula, afetou a vida da comunidade universitária brasileira ao entrar em vigor sem discussões prévias com os interessados e afastou ainda mais as Instituições Federais de Ensino Superior – Ifes da verdadeira autonomia universitária, estabelecida no artigo 207 da Constituição Federal, além de alavancar o processo de mercantilização da educação.

Esta é a síntese da avaliação preliminar feita pelo Grupo de Trabalho de Políticas Educacionais – GTPE do ANDES-SN, sobre os conteúdos da Medida Provisória 495/2010 e dos Decretos 7232, 7233 e 7234, assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 19/7, durante reunião com 58 reitores articulados na Associação Nacional dos Dirigentes das Ifes – Andifes.

“Na atual crise do capital, a edição desta medida provisória e dos decretos terão conseqüências nefastas na vida do país e, em especial, nas condições de estudo e trabalho nas Ifes. Por isso, é fundamental que as Sessões Sindicais fomentem o debate, qualificando e ampliando esta análise preliminar feita pelo GTPE, de maneira a, coletivamente, traçarmos estratégias de resistência do ANDES-SN contra mais esta face da contra-reforma universitária promovida pelo governo Lula da Silva”, afirma a 1ª vice-presidente da Secretaria Regional Rio Grande do Sul do ANDES-SN, Laura Souza Fonseca, membro da coordenação do GTPE.

De acordo com ela, o pacote fere qualquer pressuposto da prerrogativa de autonomia universitária, em que pese sua aparência de regulá-la. “A regulação é externa, ou seja, não é feita no âmbito da própria universidade, e impõe uma série de condições”, explica. Conforme a professora, muitos outros aspectos contidos no pacote atacam os princípios defendidos historicamente pelo ANDESSN em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade e de condições adequados para o exercício da docência.

 

Medidas tentam dar viés de legalidade às relações perversas entre fundações privadas e universidades públicas

Ao invés de dar um basta na relação perniciosa das fundações privadas ditas de apoio com as universidades, o chamado “pacote da autonomia” procura dar um viés de legalidade à atuação dessas entidades que têm sido fonte inesgotável de corrupção da esfera pública.

“A MP 435 é um ato de negação da autonomia universitária, pois em grande parte trata de tentar legalizar as relações das Ifes com suas fundações privadas “ditas” de apoio, propiciando levar ao campo privado muitas das ações que deveriam ser efetivadas no campo público”, afirma o 2º vice-presidente da Regional Sul do ANDES-SN, Cláudio Antônio Tonegutti, outro membro da coordenação do GTPE.

A 1º vice-presidente da Regional Sul, Bartira C. Silveira Grandi, também da coordenação do GTPE, acrescenta que o Decreto 7233 se apresenta como uma reação do governo ao Acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) de nº 2731/2008, com vistas a sanar várias irregularidades existentes nas relações entre as Ifes e tais fundações, cujo desvio do fundo público ficou escancarado por escândalos recentes.

Entretanto, ela alerta para as verdadeiras implicações do conjunto de medidas. “Um olhar mais atento permite compreender melhor a sinalização clara de abertura da educação ao mercado, ao capital internacional; bem como a manutenção e o aprofundamento de formas de terceirização do servidor público, de contratação de estudantes como mão de obra barata para as mais diversas funções. Situação essa agravada pelo fato de as fundações privadas continuarem podendo contratar pessoal para os Hospitais Universitários (HU)”, denuncia.

 

Pacote gera desigualdades e segmenta universidades em setores de ponta e colegiões

Reduzir a pesquisa brasileira a um papel secundário, limitado a aplicação intrumental da ciência e tecnologia gerada no exterior, aprofundar a desigualdade entre as instituições, demarcando colegiões e universidades de pontas, a partir da imposição de critérios produtivistas. São vários os aspectos do “pacote da autonomia” que podem afetar a garantia de uma educação superior pública, gratuita e de qualidade no Brasil.

A MP 495/2010, especificamente, altera a forma das licitações na administração pública, podendo facilitar o incentivo ao desenvolvimento da pesquisa em Ciência e Tecnologia estrangeira em detrimento da produção nacional. Já o decreto 7233, cria as condições para a diferenciação dos orçamentos das Ifes de acordo com índices de produtividade, aprofundando a desigualdade de condições entre elas, demarcando colegiões e universidades de ponta.

Considerando a proposta de estruturação da carreira docente também apresentada recentemente pelo governo Lula, fica visível a criação de duas subcategorias entre os docentes: os que atuam no ensino e os que fazem pesquisa (estes últimos com perspectivas de obterem verbas e os outros, não). Outra vez o “desenvolvimento” aprofundando desigualdades.

O mesmo decreto retoma, também, como critérios os aspectos criticados pelo ANDES-SN em relação aos planos de metas do REUNI, tais como o número de matrículas e a quantidade de alunos ingressantes e concluintes na graduação e na pós-graduação em cada período; a oferta de cursos de graduação e pósgraduação em diferentes áreas do conhecimento; e a relação entre o número de alunos e o número de docentes na graduação e na pós-graduação.

“É preciso associar este debate da produtividade condicionando o aporte de verbas às Ifes no âmbito da superexploração, também premissa da forma de capitalismo dependente, materializada pela intensificação do trabalho do professor”, alerta Laura.

 

Questionamentos do GTPE do ANDES-SN

- Por que a pressa? Por que a comunidade universitária não foi chamada para debater as relações entre as universidades e as fundações privadas ditas de apoio, por exemplo? Se a MP e os decretos em análise são positivos para a comunidade acadêmica, por que então não realizar o debate democrático sobre seus conteúdos?

- Por que há a necessidade de fundações privadas ditas de apoio às Ifes? Por que delegar às fundações a gestão administrativa e financeira de projetos e programas cujo desenvolvimento integra, de maneira inequívoca, as funções da universidade, passando essas (as fundações) a se constituírem em um verdadeiro “poder paralelo” dentro das universidades?

- Por que não investir no fortalecimento da infra-estrutura, tanto física como de pessoal nas universidades, para que estas possam, com autonomia e democracia, gerenciar administrativa e financeiramente os recursos públicos provenientes destes projetos e programas?

 

 

 

Fonte: InformANDES - Informativo Especial sobre o chamado Pacote da Autonomia, 20/09/2010.
Diretor responsável: Luiz Henrique Schuch, Jornalista responsável: Najla Passos.

 


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