Outro MEC é possível
Gilson Schwartz*

  

O Ministério da Educação existe na própria sigla como uma anomalia: era MEC e ficou MEC no gosto popular, apesar de o "C" da cultura ter caído do organograma há muito tempo. Entra reforma, sai reforma, os governos passam e a cultura continua separada da educação, mas atentar para essa anomalia (ou anomia) não significa pregar a "re-união" dos organogramas como solução para algum problema nacional. Mudar as paredes de lugar, enxugar quadros e extinguir estruturas obsoletas é algo intrinsecamente avesso aos instintos mais fundamentais da burocracia estatal, seja qual for o nível de governo. Aliás, entra governo, sai governo, reformas de organograma parecem nunca realizar as esperanças dos reformistas originais. Se antigamente dizia-se que "governar é abrir estradas", mais recentemente o mote deve ter mudado para "governar é alterar organogramas". A saída em muitos países tem sido a criação paradoxal de estruturas novas, destinadas a refazer, desmontar ou reinventar as estruturas existentes. No setor privado, a gestão do conhecimento mais avançada focaliza precisamente essa distinção, mais de tempo que de espaço, entre o "fora" e o "dentro" do esquema. Entenda-se aqui "esquema" como cultura dominante, práticas consolidadas pela repetição nem sempre inteligente de uma fórmula que deu certo em algum lugar do passado (o slogan de uma campanha publicitária genial, uma técnica de venda ou um certo padrão de qualidade na produção de um bem). Como criar essa tensão entre "fora" e "dentro" em estruturas governamentais públicas? No MEC, a novidade foi anunciada no início de dezembro, com a criação, na Secretaria de Educação a Distância, de um Centro de Gestão Estratégica do Conhecimento na Educação. Podemos resumir muito do que ensinam as teorias e práticas de gestão do conhecimento contemporâneas em duas idéias: formação de redes e inovação. Inovar significa redesenhar fronteiras, espaços e tempos. Subverter continuamente os limites entre "dentro" e "fora". A formação de redes é a garantia tecnológica de que esse jogo de limites sem limites pode ser experimentado continuamente. Para o MEC, o limite fundamental a ser transposto é o que separa a escola da rua, da praça e do mercado, ou seja, o que faz da escola uma entidade-objeto adequada, material e conceitualmente, a certos tipos de controle burocrático e financeiro, a um marco regulatório. Anunciando a formação de uma nova estrutura no ministério, voltada para a integração transversal de redes digitais em todos os espaços onde se caracterizam práticas de aprendizado e compartilhamento do conhecimento, o MEC vai muito além da cultura, para integrar-se a redes associadas a ministérios como o da Ciência e Tecnologia, o das Comunicações, o das Relações Exteriores, o da Indústria, Comércio e Desenvolvimento, o da Fazenda, o do Planejamento, o Banco Central e por aí vai. Ah, sim, e também o da Cultura. Os céticos dirão: mais uma reforma de organograma, mais uma iniciativa que vai para o museu das boas intenções que afinal se reduziram a burocracias inelimináveis. Mas, para os otimistas, no governo e fora dele, um outro MEC é possível.   
 

*Gilson Schwartz, 44, economista e sociólogo, é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e diretor da Cidade do Conhecimento. 

Fonte: Folha de S. Paulo, 21/12/2004.


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