Os estudantes-órfãos do PROUNI
 

Bolsistas do programa denunciam omissão do governo federal
quando faculdades fecham cursos

Em março deste ano, os alunos do curso de Jornalismo e Rádio e TV da Faculdade Anglo Latino, em São Paulo, tiveram uma surpresa desagradável já no primeiro dia de aula. “A porta da sala de aula estava simplesmente fechada. Fomos procurar o diretor da faculdade e só aí ele nos informou que os cursos haviam sido fechados”, conta a estudante Andreza d'Ávila, bolsista integral do Programa Universidade Para Todos (ProUni), lançado pelo governo federal em 2005.

Para especialistas, episódios como este – além de refletirem os problemas causados pela expansão desenfreada do ensino superior privado no país – reforçam uma das críticas feitas ao ProUni: a de que o Ministério da Educação (MEC) é omisso no controle da qualidade das instituições que aderem ao programa.

Recentemente, também na cidade de São Paulo, o próprio MEC determinou o fechamento da Faculdade Piratininga, que participava do ProUni. Segundo o Sindicato dos Professores de São Paulo, a medida foi tomada depois que a organização denunciou as irregularidades trabalhistas existentes na instituição. Em 2005, professores chegaram a ficar seis meses sem receber os salários, o que levou o corpo docente a realizar greve, além de manifestações contra o descaso, arbitrariedade e truculência dos mantenedores da faculdade.

APOIO VIRTUAL

Andreza d'Ávila explica que, desde o ano passado, os alunos já se sentiam inseguros em relação à continuidade do curso de Comunicação Social. Como seriam a primeira turma a ser formada, o diploma ainda não é reconhecido pelo MEC. “No primeiro ano, formou-se uma turma de cerca de 40 estudantes com os os alunos de Jornalismo, Publicidade e Rádio e TV. Ao longo do ano, os alunos pagantes se sentiram inseguros e se transferiram, enquanto os bolsistas do Prouni permaneceram”, conta. No início de 2006, quando os cursos se separariam, só havia cinco alunos para cursar a habilitação em Jornalismo – três eram do ProUni.

De acordo com Andreza, a justificativa do diretor da Faculdade, Sérgio Antônio Salles, foi a de que não havia número suficientes de alunos para dar prosseguimento ao curso. Salles sugeriu, como opção, vagas em Publicidade. “Eu quero fazer Jornalismo. É uma vocação, acham que só porque você é bolsista está desesperado e vai contra seus princípios”, diz Andreza.

Após o fechamento do curso, o próprio diretor ajudou na transferência dos alunos pagantes. “Nós, bolsistas, ficamos sem apoio, como baratas-tontas”, desabafa. Outros dois colegas de curso de Andreza estão na mesma situação. A estudante explica que, como não há atendimento regionalizado do ProUni, o atendimento aos bolsistas é virtual. “Só tem o 'fale conosco' da página na internet do programa para reclamar. Mandamos mensagens e não obtivemos nenhuma resposta”, relata.

A estudante procurou a representação do MEC em São Paulo. “Apenas me orientaram a trancar a bolsa, mas não souberam me dizer o que fazer a respeito da transferência. Falta apoio, agora temos que bater de porta em porta nas faculdades”, lamenta a estudante. “Não imaginei que uma faculdade pirata estaria no ProUni. Eles têm que regularizar nossa situação. Não deviam dar mais bolsas se não conseguem resolver o problema de quem já a tem a bolsa mas está sem estudar”, avalia.

Andreza conta que, desde 2005, os alunos denunciavam ao MEC os problemas do curso, como alta rotatividade de professores e falta de infra-estrutura. Nunca obtiveram resposta.

REMANEJAMENTO

Celso Carneiro Ribeiro, diretor do Departamento de Modernização e Programas da Educação Superior do MEC, explica que em casos de fechamento de cursos, a instituição de ensino deve garantir a permanência do aluno na faculdade, remanejando os alunos para vagas em outros cursos. Mas, no caso de o aluno optar por seguir com o curso em outra instituição, a transferência deve ser feita pelo próprio estudante. “O MEC não intervém nisso. A coordenação do ProUni de cada faculdade é que opera isso”, explica o Diretor, que não quis comentar o caso específico da Faculdade Anglo Latino. “Cabe aos alunos encaminharem ao MEC a denúncia do que está ocorrendo”. Questionado sobre as denúncias que já vinham sendo feitas pelos estudantes da faculdade desde o ano passado, Ribeiro afirmou que “não se pode fazer nada quando há apenas boatos de que uma instituição de ensino possa fechar”.

Andreza conta que contatou a coordenação do ProUni de diversas faculdades para tentar uma transferência, mas que apenas ouviu que as vagas já estavam preenchidas. “Quando eu falava que era bolsista do ProUni havia uma má-vontade em resolver o problema. Só conseguia informações quando dizia que era pagante”, relata a estudante.

GLOSSÁRIO

ProUni – programa do governo federal que dá isenções fiscais a instituições privadas de ensino em troca de bolsas de estudo integrais e parciais a estudantes de baixa renda.

Fonte: BrasildeFato, Dafne Melo, 19/04/2006.

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Privilégios para os empresários da educação
 

Com apenas um quarto do dinheiro do Prouni, seriam criadas 400 mil vagas nas universidades federais em apenas um ano. Quando ainda era apenas um Projeto de Lei, o Programa Universidade Para Todos (ProUni) já era alvo de críticas de todos os lados. De um lado, entidades estudantis e de docentes criticavam o projeto por privilegiar o setor privado da educação. Do outro lado, os empresários da educação achavam excessivo o número de bolsas que deveriam ser concedidas em troca da isenção fiscal.

Ganhou o segundo grupo. O projeto inicial previa que 25% das vagas de universidades privadas e filantrópicas seriam destinadas a bolsas de estudo integrais para estudantes de baixa renda oriundos da rede pública de ensino (ou que cursaram escolas privadas com bolsas integrais). Outra exigência é a aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No projeto final, a porcentagem baixou para 8,5% das vagas, sendo que são admitidas bolsas parciais de 50 e 25%, dependendo da renda familiar do candidato à bolsa.

Com medo que mesmo assim o projeto não passasse pelo Congresso, o governo aprovou o ProUni por meio de uma medida provisória, em janeiro de 2005 – atitude vista como autoritária por boa parte do movimento estudantil e por sindicatos de docentes.

CRÍTICAS

Maria Inês Marques, da direção do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes–SN), afirma que com o ProUni, o governo federal tomou a decisão de beneficiar empresários da educação em detrimento do ensino público, gratuito e de qualidade. Estudo feito pelo próprio Andes revelou que o governo pode deixar de arrecadar R$ 4 bilhões em quatro anos. Com apenas um quarto disso, seriam criadas 400 mil vagas nas universidades federais em apenas um ano. O MEC estima que criará esse mesmo número de vagas em quatro anos de ProUni.

Na época, alguns críticos afirmaram que o programa era a “bóia de salvação” do setor privado. Maria Inês lembra que as faculdades pagas sofriam com vagas ociosas e com a inadimplência de alunos. Segundo dados do próprio MEC, 20,2% das vagas no ensino superior privado estavam ociosas em 1998. Em 2004, esse número subiu para 49,5 % do total.

FALTA TRANSPARÊNCIA

Outra crítica é que o governo federal pouco se preocupou em inserir no programa faculdades com ensino de qualidade. No início deste ano, uma denúncia apontou que o programa estava oferecendo bolsas em cursos reprovados pelo Exame Nacional de Estudantes (Enade) ou pelo antigo “Provão”. Atualmente, um curso só pode ser excluído do ProUni após três reprovações seguidas. Celso Carneiro Ribeiro, diretor do Departamento de Modernização e Programas da Educação Superior do MEC, explica que, no projeto original, bastavam duas reprovações e explica que essa foi outra mudança que os empresários da educação conseguiram fazer.

Segundo Maria Inês, do Andes, o MEC também não tem tratado a questão com transparência. “Eles sempre falam de quantas vagas são criadas, mas não sabemos qual a evasão ou quantos cursos que participam do programa fecharam”. Questionado pelo Brasil de Fato, Celso Carneiro Ribeiro afirmou que o MEC faz esse levantamento, mas que não tinha as estatísticas disponíveis. (DM)

Fonte: BrasildeFato, 19/04/2006.


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