Fortalecido, Opus Dei deve ser peça-chave na disputa sucessória no Vaticano
O fortalecimento das correntes mais conservadoras da Igreja foi uma das principais marcas da gestão de João Paulo II, o que ficou evidenciado tanto na nomeação de cardeais quanto na escolha dos seus colaboradores mais próximos – como o alemão Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e “guardião” da moral e dos dogmas da igreja, o espanhol Julián Herranz, presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, e o também espanhol Joaquín Navarro-Valls, porta voz do pontífice por muitos anos (os últimos, membros do Opus Dei).
Esta
proximidade com João Paulo II, segundo o teólogo espanhol Juan José Tamayo,
permitiu que tanto a Doutrina da Fé quanto a Opus Dei, representantes do
mais profundo ultraconservadorismo da Igreja, manejassem a agenda do Papa no
sentido de dirigir a política do Vaticano “a favor de um regresso dogmático
ao passado, sem o menor interesse em modernizar a Igreja e adequá-la às
demandas sociais dos últimos tempos”. A maior influência da organização, especulam analistas italianos, deve estar na figura do espanhol Eduardo Martinez Somalo, cardeal-carmelengo, chefe do Colégio Cardenalício e responsável por oficializar a morte do papa, preparar o funeral, o Conclave, e administrar os bens e propriedades da Santa Sé até a sucessão. Já entre os “papáveis” do Opus Dei estão os cardeais Juan Luis Cipriani, do Peru, e o espanhol Julián Herranz, cujas chances, no entanto, não tem grande cotação no banco de apostas. Além destes, o cardeal de Veneza, Angelo Scola, 63 anos, um dos indicados para a sucessão de João Paulo II, tem o apoio da organização, que também é particularmente defendida pelos cardeais Giacomo Biffi, arcebispo de Bolonga (conhecido por seus ataques xenófobos ao islamismo), e Diogeni Tettamanzi, arcebispo de Genova.
Resistências
Em 1982, João Paulo II concedeu ao Opus Dei o status de prelazia pessoal (uma diocese sem limites geográficos, podendo ser implantada no mundo inteiro), o que garantiu ao grupo independência sobre os cardeais locais. Também canonizou José María Escrivá no dia 6 de outubro de 2002, apenas 27 anos depois de sua morte, durante uma cerimônia solene e com grande público realizada na praça de São Pedro. Para o professor de teologia da PUC de Campinas, Padre Benedito Ferraro, no entanto, apesar da evidente força da organização no Vaticano, uma dúvida para este Conclave é para onde penderão os cardeais alemães e norte-americanos, que, junto com os italianos, têm grande influência no foro. “Não nego a força do Opus Dei, principalmente depois do aporte financeiro que tirou o Vaticano do vermelho, nem desconsidero o fato de que João Paulo II nomeou um grande número de cardeais conservadores nos últimos anos. Mas acredito que existe um apelo muito forte entre os católicos do mundo todo por uma maior abertura da igreja, para a escolha de um nome que tenha facilidade em falar de temas como homossexualismo, eutanásia, células-tronco etc. Assim, o novo Papa não poderia ser obviamente um nome ligado ao Opus Dei”, avalia.
Na mesma
linha, Dom Demétrio Valentini, bispo de Jales, acha que o próximo Papa “não
vai querer cair no ridículo de dar continuidade ou de imitar a figura de
João Paulo II, que se manifestou sobre todos os assuntos cabíveis, atuou em
todas as esferas competentes, fez mais do que qualquer Papa que o antecedeu.
Pessoalmente, tenho uma grande expectativa de que, só pelo fato de haver uma
mudança de Papa, haverá a retomada do debate iniciado no Concílio Vaticano
II, que defendeu uma leitura mais aberta do evangelho e a inclusão da voz
das comunidades no processo de construção da fé”. As influências do Opus Dei
Emilio
J. Corbière, autor do livro “Opus Dei. El totalitarismo católico” (Editorial
Sudamericana, 2002) definiu a organização como sendo “a mais forte
manifestação integralista de poder na Igreja”. Segundo Corbière, o Opus Dei
esteve intimamente ligado com o regime de Franco, na Espanha, ocupando altos
cargos no governo, em bancos, em editoras, revistas e outras publicações. No
Vaticano, a influência política do grupo teria crescido quando da quebra do
Banco Ambrosiano e da conseqüência insolvência do Instituto de Obras
Religiosas (IOR), instituição financeira da Santa Sé que mantinha negócios
com o banco. O Opus Dei auxiliou financeiramente o Vaticano, evitando a
quebra do IOR. Os negócios do Banco Ambrosiano sempre foram cercados de
polêmica. A instituição financiava, entre outras coisas, o regime do ditador
nicaragüense Anastásio Somoza. O nome da instituição ficou conhecido
mundialmente quando, em abril de 1992, o banqueiro Roberto Calvi, foi
encontrado enforcado sob uma ponte, em Londres. Parlamentares italianos solicitaram a instauração de um inquérito, pois, confirmada a veracidade das regras, o Opus Dei cairia no estatuto de sociedade secreta, proibida pela legislação italiana. A investigação não foi levada adiante. Ao longo da década de 1990, o Opus Dei foi se transformando em base política do conservadorismo teológico, servindo como elo de contato entre o Vaticano e governos direitistas europeus e americanos. Vários “opusdeístas” ocuparam (e ainda ocupam) cargos chaves no Vaticano, nomes como o do porta-voz do papa, Joaquín Navarro Valls, e o do substituto do controvertido bispo Paul Marcinkus (ex-diretor do IOR), Eduardo Martínez Somalo, como secretário de Estado romano. A eleição do novo papa
A
escolha do novo papa será feita pelos integrantes do Colégio de Cardeais.
Têm direito a voto todos os cardeais com menos de 80 anos. São 117
atualmente, sendo quatro brasileiros. A distribuição regional do Colégio de
Cardeais é a seguinte: 58 europeus (20 italianos), 21 latino-americanos, 14
norte-americanos, 11 africanos, 11 asiáticos e dois da Oceania. Para ser
eleito, o novo papa precisa ter pelo menos dois terços dos votos. Se não
houver um eleito após 12 ou 13 dias, os cardeais podem decidir, por voto
majoritário (50% mais um dos votos), quem será o novo líder da Igreja
Católica. Não está definida a data de início do conclave, mas os cardeais já
anunciaram uma mudança importante no processo sucessório: eles não ficarão
mais encerrados em uma sala fechada, podendo circular entre as reuniões. Nos
próximos dias, a política vai circular como nunca nos corredores do
Vaticano. Especialistas nos jogos de poder, os integrantes do Opus Dei
estarão nesses corredores, tentando manter seu espaço de influência. Fonte: Agência Carta Maior, Marco Aurélio Weissheimer e Verena Glass, S. Paulo, 06/04/2005. Nota: Charge incluída pelo Webmaster (fonte: Ag. Carta Maior, 05/04/05). |