Opinião: A retomada das greves no Brasil
O intenso noticiário sobre a crise mundial retirou das manchetes outro tema quente da atualidade: o da retomada das greves no país. Nos últimos dias, várias categorias paralisaram suas atividades para exigir aumento salarial e outros benefícios sociais. O Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese) ainda não divulgou o seu balanço, mas tudo indica que é a maior onda grevista dos últimos anos. Acuados durante o triste reinado de FHC e tímidos no primeiro mandato de Lula, os trabalhadores voltam à ofensiva para reivindicar os seus direitos. Somente neste início de outubro, categorias de peso aproveitaram suas datas-base para cruzar os braços. Os bancários decretaram greve nacional exigindo reajuste de 13,23% - 7,15% de inflação e 5% de aumento real – e Participação nos Lucros e Resultados (PLR) de três salários. Piquetes e passeatas agitaram as principais cidades, inclusive enfrentando a repressão policial. Os sindicatos da categoria calculam que 250 mil bancários aderiram à greve. Os bancos, que batem recordes de lucratividade, estão intransigentes e há um visível clima de radicalização do movimento. Metalúrgicos, policiais e outros Outro setor estratégico que paralisou suas atividades foi o dos metalúrgicos da capital paulista. A entidade da categoria, bastião da Força Sindical, exige 20% de reajuste e o fim da terceirização. Alega que o setor obteve elevados lucros com o crescimento da economia e exige a “socialização das riquezas”. A greve se dá por empresas e setores do ramo metalúrgico. Na semana passada, mais de 11 mil operários pararam. Após um período de negociações positivas, o patronato agora retrocedeu sob a desculpa da “crise mundial”. Os 55 sindicatos da categoria no estado, ligados à Força Sindical e que representam 750 mil metalúrgicos, prometem engrossar a campanha. Mais explosiva ainda é a greve da Polícia Civil de São Paulo. Na semana passada, cerca de 1.500 agentes ocuparam a Avenida Paulista, num dos maiores protestos de policiais da história. “Você pagou com traição, a quem sempre lhe deu a mão”, cantaram os grevistas atacando o governador José Serra. Num cartaz se lia: “Sabe o que significa PSDB? Pior Salário Do Brasil”. Em várias delegacias da capital e do interior, a ordem era atender apenas os casos graves, como homicídios e roubos. A categoria reivindica 15% de reajuste, mas o governo tucano ofereceu apenas 6,2%. Meses “vermelhos” de datas-base Outras categorias em movimento também foram menosprezadas pela mídia. Os funcionários dos Correios podem voltar a cruzar os braços nesta semana, na terceira greve geral da categoria neste ano. A Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) regateou no plano de cargos e salário e ofereceu reajuste de apenas 6,3%. Já os ferroviários da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos estão em estado de greve. A CPTM se recusa a atender a reivindicação histórica da categoria do plano de cargos e salários. E os marítimos discutem nesta semana a possibilidade da greve no setor. Há três meses a categoria tenta, sem sucesso, fechar acordo com as empresas prestadoras de serviço. Os meses de setembro e outubro concentram importantes datas-base de categorias. No período de retomada e ascenso do sindicalismo, nos anos 80, eles foram rotulados pela mídia burguesa como meses “vermelhos”, devido à incidência das greves. Com a explosão do desemprego, a regressão neoliberal e a reestruturação produtiva, nos anos 90, as paralisações sumiram da mídia. Agora, porém, ressurgem e confirmam a tendência recente de fortalecimento do movimento sindical. Já nos meses de junho e julho ocorreram várias greves no setor público, como na Agencia Nacional de Vigilância Sanitária e no Ministério da Fazenda. Os operários da Petrobras também pararam. As razões da onda grevista Vários fatores explicam esta retomada das greves, mas dois se destacam. O primeiro é político. Reflete a existência de um governo democrático, que não criminaliza os movimentos sociais e até incentiva suas ações. Num discurso na Confederação Nacional dos Metalúrgicos, o presidente Lula afirmou que não era justo somente as empresas lucrarem com o crescimento da economia e o aumento da produtividade. Ele lançou a bola para o sindicalismo chutar a gol. Bem diferente da postura ditatorial de FHC, que inaugurou o seu triste reinado reprimindo a greve dos petroleiros, em maio de 1995, com o objetivo confesso de “quebrar a espinha dorsal do sindicalismo”. O segundo fator, mais determinante, foi o crescimento da economia nos últimos dois anos. Como ensinaram Marx e Engels, o sindicalismo ganha ímpeto nas fases de crescimento. Com a redução do desemprego e o aumento da demanda por produtos, os trabalhadores adquirem maior poder de barganha e maior confiança nas suas forças. Já nos períodos de crise, o sindicato se mostra mais impotente, revelando a sua natureza de instrumento defensivo. “A dinâmica histórica entre os ciclos da economia capitalista e os movimentos operários comprova a total submissão da prática sindicalista à lógica do movimento do capital, a sua vinculação estrutural às flutuações cíclicas da economia capitalista”, explica Giovanni Alves no livro “Limites do sindicalismo”. A crise e a chantagem do capital No ano passado, muitas empresas preferiram evitar o confronto e cederam reajustes superiores à inflação já na mesa de negociação. Segundo pesquisa do Dieese, ocorreram 316 greves no país, totalizando 29 mil horas paradas, sendo que 51% das paralisações aconteceram no setor público. Num cenário econômico mais favorável, 87% das categorias arrancaram aumento real de salário, fato inédito nos últimos anos. Vários sindicatos também rejeitaram acordos que impunham banco de horas e outras formas de precarizaçao, revelando maior poder de pressão. Fruto deste ascenso houve reversão no processo de queda da taxa de sindicalização – ela subiu de 16% para 18%. Com a grave crise da economia capitalista, os “bons ventos” podem sumir. Várias empresas, que lucraram como nunca no período recente, agora fazem chantagem com a recessão deflagrada nos EUA. As negociações já tomaram outro rumo, com o patronato endurecendo a sua postura. Isto explica a eclosão de tantas greves nas últimas semanas.
Não dá mesmo para cair
no jogo sujo do capital. Na fase de crescimento, eles privatizam os lucros;
na crise, socializam os prejuízos. Até como forma de enfrentar a crise é
preciso aquecer o mercado interno, o que exige a valorização dos salários, a
redução de jornada de trabalho e a superação da precarização do trabalho. * Jornalista, editor da revista Debate Sindical e autor do livro "As encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).
Fonte: Diap, e Andes-SN, 16/10/2008.
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