Opção Terra
Leonardo Boff*
 

A marca registrada da Igreja da libertação com sua correspondente reflexão reside na opção preferencial pelos pobres, contra a pobreza e em favor da vida. Nos últimos anos começou-se a perceber que a mesma lógica que explora as pessoas, outros paises e a natureza, explora também a Terra como um todo, em vista do consumo e da acumulação em nivel planetário. Dai a urgência de se inserir na opção pelos pobres o grande pobre que é a Terra. A opção hoje não é tanto pelo desenvolvimento, ainda que sustentável, nem pelos ecocossistemas em si mas pela Terra. Ela é a condição prévia para qualquer outra realidade. Ela tem que ser preservada.
[O autor define ecologia em 4 vertentes: ecologia ambiental, ec. social, ec. mental, ec. integral].

 

O relatório do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) que envoveu 2500 cientistas de 130 paises, revelou dois dados estarredores: primeiro: o aquecimento global é irreversível e já estamos dentro dele; a Terra busca um novo equilíbrio; segundo, o aquecimento é um fenômeno natural mas que após a revolução industrial foi enormemente acelerado pelas atividades humanas a ponto de a Terra não conseguir mais autoregular-se a si mesma.

Segundo James Lovelock, em A vingança de Gaia (2007) anualmente se jogam na atmosfera cerca de 27 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, que condensadas, equivaleriam a uma montanha de um 1,5 quilômetros de altura  com uma base de 19 quilômetros de extensão. É o efeito estufa que pode elevar a temperatura global, consoante o Painel, ainda neste século, entre 1,8 a 6,4  graus Celsius. Com as medidas que possivelmente serão tomadas, a elevação de 3 graus é tida como a mais provável mas inevitável. As consequências serão incontroláveis, os oceanos subirão entre 18 a 59 cm,  inundando cidades litorâneas como o Rio de Janeiro, haverá devastação fantástica da biodiversidade e milhões de pessoas correm risco de desaparecer.

Jacques Chirac, presidente da França, face a tais dados, disse com  acerto: "chegou a hora de uma revolução no verdadeiro sentido da palavra: uma revolução das consciências, da economia e da ação política". Efetivamente, como não podemos parar a roda do aquecimento, podemos, pelo menos, desacerelá-la mediante duas estratégias básicas: adaptar-se às mudanças; quem não se adapta, corre risco de morrer; minorar as consequências deletérias permitindo sobrevida à Gaia, aos organismos vivos, especialmente, aos humanos.

Aos três famosos rs: reduzir , reutilizar e reciclar , há de se acrescentar um quarto: rearborizar todo o planeta, porquanto são as plantas que capturam o dióaxido de carbono e reduzem consideralvemente o aquecimento global.

Esse quarto r é fundamental para a preservação da Amazônia. Suas florestas úmidas são as grande reguladoras do clima terrestre. O desafio é como combinar desenvolvimento com a manutenção da floresta em pé. Não podemos desmatar no nivel que se estava fazendo. Mas nem de longe somos os campeões do desmatamento, como revelou recentemente E.E.Moraes em seu livro Quando o Amazonas corria para o Pacífico (2007). A África mantém  só 7,8% de sua cobertura florestal, a Ásia, 5,6%, a América Central 9,7% e a Europa que mais nos acusa apenas 0,3%. O Brasil conserva ainda 69,4% de suas florestas primitivas e 80% da floresta amazônica.

Isso não desculpa nossos níveis de desmatamento nem é motivo de orgulho mas representa um desafo à nossa responsabilidade global para o bem do clima de todo o Planeta.
 

* Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de dezembro de 1938. É neto de imigrantes italianos da região do Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do século XIX.Fez seus estudos primários e secundários em Concórdia-SC, Rio Negro-PR e Agudos-SP. Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959.

Fonte: JB, 2/3/2007.

 

 

ECOLOGIA 

Ecologia ambiental

Esta primeira vertente se preocupa com o meio ambiente, para que não sofra excessiva desfiguração, com qualidade de vida e com a preservação das espécies em extinção. Ela vê a natureza fora do ser humano e da sociedade. Procura tecnologias novas, menos poluentes, privilegiando soluções técnicas. Ela é importante porque procura corrigir os excessos da voracidade do projeto industrialista mundial, que implica sempre custos ecológicos altos.

Se não cuidarmos do planeta como um todo, podemos submetê-lo a graves riscos de destruição de partes da biosfera e, no seu termo, inviabilizar a própria vida no planeta.

Bibliografia mínima de orientação

- Berry, T. O sonho da Terra, Vozes, Petrópolis 1991.
- Boff, L., Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Atica, S.Paulo 1995.
- Capra. F.,O ponto de mutação, Cultrix, S.Paulo 1991.
- Dajoz, R.,Ecologia gerl, Vozes, Petrópolis 1983.
- Lovelock,J.,Gaia, um novo olhar sobre a vida na Terra, Edições 70, Lisboa 1987.
- Varios, Cuidando do planeta Terra. Uma estratégia para o futuro da vida, publicação conjunta de UICN/ PNUMA/WWR, S.Paulo 1991.
- Wilson, E., O futuro da vida, Campus, Rio de Janeiro 2001.


Ecologia social

A segunda - a ecologia social - não quer apenas o meio ambiente. Quer o ambiente inteiro. Insere o ser humano e a sociedade dentro da natureza. Preocupa-se não apenas com o embelezamento da cidade, com melhores avenidas, com praças ou praias mais atrativas. Mas prioriza o saneamento básico, uma boa rede escolar e um serviço de saúde decente. A injustiça social significa uma violência contra o ser mais complexo e singular da criação que é o ser humano, homem e mulher. Ele é parte e parcela da natureza.

A ecologia social propugna por um desenvolvimento sustentável. É aquele em que se atende às carências básicas dos seres humanos hoje sem sacrificar o capital natural da Terra e se considera também as necessidades das gerações futuras que têm direito à sua satisfação e de herdarem uma Terra habitável com relações humanas minimamente justas.

Mas o tipo de sociedade construída nos últimos 400 anos impede que se realize um desenvolvimento sustentável. É energívora, montou um modelo de desenvolvimento que pratica sistematicamente a pilhagem dos recursos da Terra e explora a força de trabalho.

No imaginário dos pais fundadores da sociedade moderna, o desenvolvimento se movia dentro de dois infinitos: o infinito dos recursos naturais e o infinito do desenvolvimento rumo ao futuro. Esta pressuposição se revelou ilusória. Os recursos não são infinitos. A maioria está se acabando, principalmente a água potável e os combustíveis fósseis. E o tipo de desenvolvimento linear e crescente para o futuro não é universalizável. Não é, portanto, infinito. Se as famílias chinesas quisessem ter os automóveis que as famílias americanas têm, a China viraria um imenso estacionamento. Não haveria combustível suficiente e ninguém se moveria.

Carecemos de uma sociedade sustentável que encontra para si o desenvolvimento viável para as necessidades de todos. O bem-estar não pode ser apenas social, mas tem de ser também sociocósmico. Ele tem que atender aos demais seres da natureza, como as águas, as plantas, os animais, os microorganismo, pois todos juntos constituem a comunidade planetária, na qual estamos inseridos, e sem os quais nós mesmos não viveríamos.

Bibliografia mínima de orientação

- Boff, L., Ecologia, mundialização, espiritualidade, Atica, S.Paulo 1996.
- Boff, L., Do iceberg à arca de Noé, Garamond, Rio de Janeiro 2002.
- Boff, L., Ecologia social em face da pobreza e da exclusão, em Etica da vida, Letraativa, Brasilia 2000, pp. 41-72.
- Minc, C., Como fazer movimento ecológico e defender a natureza e as liberdades, Vozes, Petrópolis 1987.
- Müller, R, O nascimento de uma civilização global, Aquariana, S.Paulo 1993.
- Vários. Nosso futuro comum. Comissão Mundial sobre o Meio Ambiene, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro 1988.


Ecologia mental

A terceira, a ecologia mental, chamada também de ecologia profunda, sustenta que as causas do déficit da Terra não se encontram apenas no tipo de sociedade que atualmente temos. Mas também no tipo de mentalidade que vigora, cujas raízes alcançam épocas anteriores à nossa história moderna, incluindo a profundidade da vida psíquica humana consciente e inconsciente, pessoal e arquetípica.

Há em nós instintos de violência, vontade de dominação, arquétipos sombrios que nos afastam da benevolência em relação à vida e à natureza. Aí dentro da mente humana se iniciam os mecanismos que nos levam a uma guerra contra a Terra. Eles se expressam por uma categoria: a nossa cultura antropocêntrica. O antropocentrismo considera o ser humano rei/rainha do universo. Pensa que os demais seres só têm sentido quando ordenados ao ser humano; eles estão aí disponíveis ao seu bel-prazer. Esta estrutura quebra com a lei mais universal do universo: a solidariedade cósmica. Todos os seres são interdependentes e vivem dentro de uma teia intrincadíssima de relações. Todos são importantes. 

Não há isso de alguém ser rei/rainha e considerar-se independente sem precisar dos demais. A moderna cosmologia nos ensina que tudo tem a ver com tudo em todos os momentos e em todas as circunstâncias. O ser humano esquece esta realidade. Afasta-se e se coloca sobre as coisas em vez de sentir-se junto e com elas, numa imensa comunidade planetária e cósmica. Importa recuperarmos atitudes de respeito e veneração para com a Terra. 

Isso somente se consegue se antes for resgatada a dimensão do feminino no homem e na mulher. Pelo feminino o ser humano se abre ao cuidado, se sensibiliza pela profundidade misteriosa da vida e recupera sua capacidade de maravilhamento. O feminino ajuda a resgatar a dimensão do sagrado. O sagrado impõe sempre limites à manipulação do mundo, pois ele dá origem à veneração e ao respeito, fundamentais para a salvaguarda da Terra. Cria a capacidade de re-ligar todas as coisas à sua fonte criadora que é o Criador e o Ordenador do universo. Desta capacidade re-ligadora nascem todas as religiões. Precisamos hoje revitalizar as religiões para que cumpram sua função religadora.

Bibliografia mínima de orientação

-Berry, T., O sonho da Terra, Vozes, Petrópolis 1991.
- Boff, L., A nova era: a civilização planetária, Atica, S.Paulo 1995.
- Boff, L.,Eco-espiritualidade:sentir, pensar e amar como Terra, em Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Atica, S.Paulo 1995, pp.285-307.
- Lutzenberger, J., Gaia, o planeta vivo(por um caminho suave), L&PM 1990, Porto Alegre 1990.
- Prigogine, I. E Stengers I, A nova aliança, Editora da Universidade de Brasilia, Brasilia 1990.
- Sagan, C., Pálido ponto azul, Companhia das Letras, S.Paulo 1996.
- Unger, N.M., Encantamento do humano:ecologia e espiritualidade, Loyola, S.Paulo 1997.
-Zohar, D.e Dr. Ian Marshall, QS, Inteligência espiritual, Record, Rio de Janeiro 2000.


Ecologia integral

Por fim, a quarta - a ecologia integral - parte de uma nova visão da Terra. É a visão inaugurada pelos astronautas a partir dos anos 60 quando se lançaram os primeiros foguetes tripulados. Eles vêem a Terra de fora da Terra. De lá, de sua nave espacial ou da Lua, como testemunharam vários deles, a Terra aparece como resplandecente planeta azul e branco que cabe na palma da mão e que pode ser escondido pelo polegar humano. 

Daquela perspectiva, Terra e seres humanos emergem como uma única entidade. O ser humano é a própria Terra enquanto sente, pensa, ama, chora e venera. A Terra emerge como o terceiro planeta de um Sol que é apenas um entre 100 bilhões de outros de nossa galáxia, que, por sua vez, é uma entre 100 bilhões de outras do universo, universo que, possivelmente, é apenas um entre outros milhões paralelos e diversos do nosso. E tudo caminhou com tal calibragem que permitiu a nossa existência aqui e agora. Caso contrário não estaríamos aqui. Os cosmólogos, vindos da astrofísica, da física quântica, da biologia molecular, numa palavra, das ciências da Terra, nos advertem que o inteiro universo se encontra em cosmogênese. Isto significa: ele está em gênese, se constituindo e nascendo, formando um sistema aberto, sempre capaz de novas aquisições e novas expressões. Portanto ninguém está pronto. Por isso, temos que ter paciência com o processo global, uns com os outros e também conosco mesmo, pois nós, humanos, estamos igualmente em processo de antropogênese, de constituição e de nascimento.

Três grandes emergências ocorrem na cosmogênese e antropogênese: (1) a complexidade/diferenciação, (2) a auto-organização/consciência e (3) a religação/relação de tudo com tudo. A partir de seu primeiro momento, após o Big-Bang, a evolução está criando mais e mais seres diferentes e complexos (1). Quanto mais complexos mais se auto-organizam, mais mostram interioridade e possuem mais e mais níveis de consciência (2) até chegaram à consciência reflexa no ser humano. O universo, pois, como um todo possui uma profundidade espiritual. Para estar no ser humano, o espírito estava antes no universo. Agora ele emerge em nós na forma da consciência reflexa e da amorização. E, quanto mais complexo e consciente, mais se relaciona e se religa (3) com todas as coisas, fazendo com que o universo seja realmente uni-verso, uma totalidade orgânica, dinâmica, diversa, tensa e harmônica, um cosmos e não um caos.

As quatro interações existentes, a gravitacional, a eletromagnética e a nuclear fraca e forte, constituem os princípios diretores do universo, de todos os seres, também dos seres humanos. A galáxia mais distante se encontra sob a ação destas quatro energias primordiais, bem como a formiga que caminha sobre minha mesa e os neurônios do cérebro humano com os quais faço estas reflexões. Tudo se mantém religado num equilíbrio dinâmico, aberto, passando pelo caos que é sempre generativo, pois propicia um novo equilíbrio mais alto e complexo, desembocando numa ordem, rica de novas potencialidades.

Bibliografia mínima de orientação

- Boff, L., Uma cosmovisão ecológica: a narrativa atual, em Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Atica, S.Paulo1995, pp.63-100.
- Crema, R., Introdução à visão holística, Cultrix, S.Paulo 1997.
- De Duve, C, Poeira vital. A vida como imperativo cósmico, Campus, Rio de Janeiro 1997.
- Gadotti, M., Pedagogia da Terra, Editora Fundação Peirópolis, S.Paulo 2001.
- Hawking, S., O universo numa casca de noz, Mandarin, S.Paulo 2001.
- Müller, R., O nascimento de uma civilização global, Aquariana, S.Paulo 1991.
- Zohar, D., O ser quântico. Uma visão revolucionária da natureza humana e da consciência baseada na nova física, Best Seller, S.Paulo 1991.

Fonte: <http://www.leonardoboff.com>

 

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