De olho nas pesquisas científicas
Hoje em dia pipocam pesquisas que comprovam tudo e qualquer coisa. Quantas vezes você já leu que café faz mal à saúde? E que café faz bem? Pois é, estamos sujeitos a, mais tarde, descobrir que nada do que lemos era verdade, seja por conta de diferenças nas conclusões de cada pesquisador, seja por descarada fraude, como aconteceu mais recentemente com o estudo coreano que clamou ter cumprido uma das promessas da clonagem terapêutica: a de fabricar células capazes de se transformar em tecidos e órgãos compatíveis para pessoas que sofrem de doenças hoje incuráveis, como o mal de Alzheimer e a diabetes. Detalhe importante: nenhuma dessas pesquisas foi necessariamente produzida em universidades de segundo escalão, nem divulgadas por publicações pouco conceituadas no meio acadêmico. Pelo contrário. A pesquisa da clonagem, por exemplo, foi financiada pela Universidade Nacional de Seul e publicada em maio do ano passado pela Science, uma das mais renomadas publicações científicas do mundo. Em outubro, foi a vez da respeitada publicação britânica The Lancet divulgar a pesquisa do médico norueguês Jon Sudbo sobre efeitos positivos de remédios como aspirina no tratamento de câncer bucal, financiada por várias instituições com o aval do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos. Depois descobriram que também era fraude. A comunidade científica em geral cai matando em cima dos pesquisadores responsáveis (quer dizer, irresponsáveis) pelas pesquisas. No caso da clonagem, por exemplo, o cientista coreano Woo-Suk Hwang (que, é claro, foi completamente anti-ético ao forjar dados) provavelmente será indiciado criminalmente por uso indevido de verbas públicas, já que calcula-se que embolsou cerca de US$ 6 milhões de financiamento público e privado. Curioso, porém, é que pouca gente questionou a responsabilidade da universidade que financiou o projeto, nem desabonou a credibilidade da revista Science. O fato de ter se retratado publicamente foi suficiente, já que ela tem caractarísticas essenciais que a tornam conceituada entre os cientistas: tradição no mercado, um corpo editorial de renome e ampla capacidade de circulação. "Qualquer boa publicação é passível de erro, o importante é ela ter capacidade de assumir o erro e a partir daí adotar princípios mais exigentes", alegou o diretor da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Carlos Vogt. "E a universidade não pode ser punida pela falta de ética de um pesquisador", acrescentou. Relação de confiança - dá para confiar? A fraude na Ciência sempre existiu. No entanto, esse é um momento da História mais propício para que ela ocorra. Antes, a atividade do cientista era parecida com a de um artista. Eles desenvolviam sua arte por vocação, com a ajuda de mecenas. Aos poucos, a pesquisa científica foi se enquadrando em uma carreira profissional de ascensão social e econômica. Hoje, boa parte dos pesquisadores trabalha regularmente para produzir o maior número de publicações possível, a fim de garantir o sustento e avançar na carreira e na busca de melhores salários. Devido à pressa e à pressão, muitas destas publicações contém erros razoavelmente sérios. "O fato de haver uma maior pressão por resultados que agreguem valor comercial às pesquisas faz aumentar a competitividade entre os pesquisadores. Além disso, a sociedade exige resposta para tudo. E resposta rápida! Os cientistas, então, são pressionados pelas agências financiadoras a publicar logo seus resultados, e por isso às vezes se precipitam. Até porque, se destaca mais quem tem mais artigos publicados, o que deixa os pesquisadores mais suscetíveis a cometer enganos", explica Vogt. O professor do programa de pós-graduação em Educação da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) e ex-presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Carlos Roberto Cury, concorda: "Cresceu o número de pesquisadores, pesquisas, publicações e, portanto, de fraudes. Hoje a competição é global, todos os países competem. Somos incentivados pelos mecanismos internos e externos à universidade a publicar algo novo, que traga novidade ao conhecimento. Isso leva a uma a 'afoitesa' que possibilita a fraude." Nesse contexto, não seria hora de pensar em aprimorar os mecanismos de controle de quem financia o projeto e quem o divulga? Atualmente, para que um órgão financie um estudo científico, ele avalia a competência do pesquisador (titulação, currículo, trabalhos publicados), o mérito da pesquisa (relevância para a comunidade) e seu ineditismo (nunca ter sido realizada antes). Depois de concedido o financiamento, durante o desenvolvimento do trabalho, o pesquisador encaminha para o órgão financiador relatórios periódicos, que são revisados por coordenadores das áreas competentes (Saúde, Engenharia, etc). Porém, não há uma equipe de pesquisadores que vai até os laboratórios fiscalizar o andamento da pesquisa. Isso não é feito nem pelo corpo editorial das revistas de divulgação científica. Estas, antes de publicar um artigo, fazem a chamada "revisão por pares", que consiste em um grupo de pesquisadores renomados no meio acadêmico que avaliam se a metodologia descrita no artigo tem rigor científico e originalidade. "A ciência funciona baseada numa relação de confiança da comunidade científica com o pesquisador", explica o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. A metodologia de trabalho só é avaliada, e os testes refeitos, após ela já ter sido divulgada pelas publicações e difundida para todo o mundo. Mas Brito não vê problema algum nesse esquema. Para ele, o problema estaria no fato da mídia interpretar os resultados como verdades absolutas. "Quando uma publicação divulga a pesquisa é para ela ser debatida e até criticada pela comunidade", afirma ele, que não acredita em um aumento de fraudes hoje em dia. "O que acontece é que elas estão sendo mais facilmente descobertas. A mesma tecnologia que facilita que pesquisas fraudulentas sejam divulgadas, permite que elas sejam descobertas com mais rapidez", frisa. Para Brito, as descobertas de fraudes nas pesquisas têm a vantagem de abrir o olho da comunidade científica e da sociedade, que vão passar a ler com mais senso crítico tudo o que vêem. O que é a fraude? É importante distinguir a fraude de situações onde ocorreram erros. A fraude se caracteriza por ser um engano deliberado, enquanto o erro pode ser fruto do acaso. Do ponto de vista das conseqüências geradas pelas situações, elas se equivalem: ambas geram informações incorretas que podem ser utilizadas como se fossem adequadas. A fraude é um agravante, devido a sua intencionalidade. A fraude pode ocorrer em várias etapas da pesquisa: desde o planejamento, execução até na sua divulgação. Há, também, diferentes formas cometê-la, como a autoria indevida, não citação de fontes, coleta inadequada, e tratamento incorreto de dados.
Há três formas básicas
de alterar propositadamente os dados de uma pesquisa: o ajuste, a adequação
e a criação de dados. Ajustar dados é reduzir irregularidades com o objetivo
de aparentar maior precisãdo do que a realmente obtida ao longo do processo
de coleta e tratamento dos dados. Na criação de dado, o pesquisador inclui
dados nunca coletados, isto é, forja dados inexistentes. Outra forma de
fraude em ciência é o plágio de dados ou informações. Considera-se plágio
quando uma pesssoa se apropria e utiliza dados ou informações de outro
pesquisador sem atribuir-lhe a autoria (o que ficou bem fácil depois do
Google e do "control C + control V"). Fonte: UniversiaBrasil, Bárbara Semerene, 14/02/2006. |